O governador eleito, Rodrigo Rollemberg (PSB), saiu derrotado ontem na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) durante a votação do projeto de lei que cria o Fundo Especial da Dívida Ativa (Fedat). Contrário à proposta, ele se empenhou pessoalmente na derrubada da matéria e enviou o coordenador-geral da transição, Hélio Doyle, para mobilizar deputados contra o texto defendido pelo governador Agnelo Queiroz (PT) e pelo vice Tadeu Filippelli (PMDB). Com 15 votos a favor, dois contra, de Paulo Roriz (PP) e Celina Leão (PDT), além da abstenção de Liliane Roriz (PRTB), o projeto foi aprovado em primeiro e segundo turnos numa tacada só. Para entrar em vigor, depende agora da sanção e da regulamentação para que investidores possam comprar créditos da dívida ativa do GDF.

Para o grupo de Rollemberg, o projeto garante a Agnelo uma ampliação orçamentária capaz de maquiar as contas no fim de sua gestão. Já o Executivo atual sustenta que a medida, além de legal, garante o pagamento das dívidas e o rendimento de juros. Para economistas ouvidos pelo Correio, o projeto pode ser considerado uma manobra contábil para salvar as contas públicas.

Com o Fedat, o GDF vai comercializar com investidores as dívidas de contribuintes e capitalizar dinheiro na tentativa de não entregar a administração no vermelho. São considerados dívida ativa aqueles débitos que os contribuintes têm em aberto com a Secretaria de Fazenda, como Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU).

Em um primeiro momento, serão lançados no Fedat R$ 2 bilhões do total de R$ 15,8 bilhões de créditos do governo, que deverão ser geridos pelo Banco de Brasília (BRB). Dessa forma, o GDF espera vender esses papéis da dívida para investidores. Mas, para atraí-los, terá que oferecer rendimentos significativos, seja com juros altos seja com deságio — quando a dívida é repassa por valor menor ao interessado. No mercado financeiro, quanto mais arriscado o investimento, maiores o deságio e o retorno esperado. Esse tipo de operação proposta é chamada de securitização no mercado financeiro.

Nos bastidores, o assunto foi tratado pela primeira vez há três semanas, em reunião entre Agnelo, Filippelli e nove deputados da base aliada, reunidos na Residência Oficial de Águas Claras. A ordem para aprovar o texto foi prontamente aceita pelos parlamentares, sob o argumento de que a medida seria necessária para quitar débitos do GDF com a folha de pessoal. Apenas um dia depois da reunião, o projeto foi encaminhado à Câmara, mas os deputados não conseguiram aprová-lo, por falta de quórum. Na semana passada, Rollemberg entrou em cena e telefonou para deputados com o objetivo de tentar esvaziar o plenário, o que suspendeu, mais uma vez, a votação. Ontem, no entanto, a base de Agnelo compareceu ao plenário e garantiu a vitória em primeiro e segundo turnos.

Politicamente, a matéria é tão importante para o governo que, nos bastidores, representantes do primeiro escalão do GDF entraram em contato, inclusive, com deputados da oposição para pedir apoio à matéria. Isso porque o governo espera que o Fedat garanta uma expansão orçamentária e a captação de recursos que, antes, não estavam previstos nos cofres públicos. Para o governo eleito, a votação de ontem mostra que o poder de barganha dos deputados exigirá de Rollemberg uma maior interlocução com a Casa durante a votação de projetos de interesse do Executivo. Hélio Doyle espera que a matéria seja, agora, questionada na Justiça. “O projeto é problemático e ilegal e os deputados foram coniventes com isso. Se a proposta for executada e considerada ilegal, esperamos que os responsáveis respondam por isso”, reclamou.

Debate

Uma das interlocutoras do governo eleito na CLDF, Celina Leão tentou impedir a votação da matéria. “Se esse projeto fosse para pagar dívidas, ele teria que ter uma previsão financeira, e não apenas orçamentária. O governo vai captar financeiramente recursos inferiores ao que ele vai prever no orçamento, o que serve apenas para livrar o governador de cair na Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma. Ela também tentou garantir a previsão de licitação para a escolha da entidade financeira que ficará responsável pela gestão do fundo, mas também saiu derrotada.

Já o governo conseguiu incluir modificações no texto original, entre estas a definição do BRB como agente do processo de securitização das operações. Na opinião da líder do governo, Arlete Sampaio (PT), o fundo não traz nenhum prejuízo para o DF e ainda permitirá ao novo governo captar recursos para investimentos. “Qualquer orçamento parte de uma estimativa de receitas para, posteriormente, apurar se a arrecadação é condizente com a expectativa orçamentária. Por isso não podemos inverter as coisas para dizer que é preciso vincular o orçamento ao financeiro do governo. O projeto foi detalhadamente estudado, não traz prejuízos ao governo e está de acordo com a lei e com as regras do mercado”, disse.

Palavra do especialista

Incapacidade de cobrar

“Vários estados e municípios têm adotado o modelo de securitização da dívida ativa com o objetivo de antecipar receita referente a créditos tributários e não tributários em processo de cobrança, inscritos em dívida ativa. Corresponde à venda desses créditos futuros, via instituição financeira, mediante um deságio que equivale à remuneração dos compradores desses créditos. Esse modelo resulta da impossibilidade legal de terceirização da etapa de cobrança e da baixa eficiência da Fazenda Pública nas cobranças dos valores inscritos na dívida ativa.

O desaparelhamento da máquina administrativa — falta de banco de dados atualizados, de sistemas de informações, de equipamentos e de pessoal —, não possibilita que o Estado seja capaz de cobrar efetivamente os seus créditos.


O problema da securitização da dívida ativa tende a ser as altas margens de rentabilidade exigidas pelos compradores dos créditos, que requerem taxas generosas e impõem deságios elevados em relação aos valores inscritos na divida ativa, além de reduzir a expectativa futura de receita. Esse é um fato muitas vezes ignorado pelos gestores públicos, dados os ganhos políticos no curto prazo, com os pagamentos em dia das contas e a ampliação da prestação de serviços públicos à população”.

 

José Luiz Pagnussat
Economista e conselheiro
do Corecon/DF