União pode usar "ajuda externa" para acabar com incentivo fiscal

Valor Econômico - 03/12/2014

Redução de carga tributária por meio do juro sobre capital próprio está na mira de programa da OCDE

Fernando Torres 
De São Paulo

O governo pode usar um "empurrão externo" como argumento, ou desculpa, se quiser levar adiante a proposta em estudo sobre o fim do incentivo fiscal viabilizado pelo Juros sobre Capital Próprio (JCP), que reduz a base de Imposto de Renda e CSLL a pagar das empresas que atuam no Brasil. 

O benefício concedido pelo país desde 1995 está na mira dos países desenvolvidos, que por meio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coordenam o programa contra a Erosão de Base e Transferência de Lucros (BEPS, na sigla em inglês). 

Levantamento feito pelo blog "Casa das Caldeiras" com 87 empresas que compõem o Ibovespa e o IBr-X aponta que somente elas devem economizar pouco mais de R$ 25 bilhões pelo uso desse instrumento ao longo de 2014. Como há retenção na fonte na hora da distribuição dos recursos, a renúncia fiscal do Tesouro acaba sendo menor, ficando em torno de R$ 15 bilhões. 

Segundo a OCDE, muitas multinacionais desvirtuam os tratados internacionais antibitributação para conseguir reduzir a base tributária tanto no país onde investem como no país que recebe a remessa de lucros. O BEPS então se debruçou sobre 15 iniciativas para coibir práticas que eles dizem que levam à "dupla não tributação". 

Um dos instrumentos na berlinda é exatamente o JCP brasileiro, que é considerado uma espécie de instrumento híbrido de capital e dívida, e que reduz a base tributária. 

A regra atual permite que as empresas instaladas no Brasil tratem o JCP, que é uma ferramenta de distribuição de lucros, como despesa dedutível, como se fosse o pagamento de um empréstimo, dando um benefício de 34% sobre o valor repassado aos acionistas. Em compensação, há uma retenção de 15% de IR na fonte sobre o montante distribuído. O teto que pode ser pago via JCP a cada ano é obtido pela aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 5% ao ano, sobre o patrimônio líquido da empresa, com alguns ajustes. 

"É uma ficção jurídica, porque cria-se uma despesa dedutível. Mas é um benefício fiscal que funciona, e que atrai investimento estrangeiro direto", afirma Marcos Vinhas Catão, sócio do Vinhas e Redenschi Advogados. Quando o investidor estrangeiro recebe esse JCP em um país que tem acordo antibitributação com o Brasil, mas que tributa dividendo, ele normalmente deduz essa parcela paga no Brasil sobre o imposto devido na matriz. 

A orientação que a OCDE começou a passar agora, por meio do BEPS, é que os países ricos deixem de reconhecer a dedutibilidade dos 15% na fonte. Se a recomendação for posta em prática, o estrangeiro passará a pagar, além dos 15% no Brasil, a alíquota integral a que estiver sujeito no seu país, o que desincentivará o uso do JCP para distribuir resultado. 

De acordo com Catão, já houve na Espanha, no passado, questionamento jurídico sobre a dedutibilidade do IR retido na fonte sobre o JCP brasileiro, mas as empresas tiveram ganho de causa. 

"Mas agora vem o BEPS e dá essa recomendação para glosar", diz ele, que é um crítico da iniciativa da OCDE, que no seu entender visa a beneficiar os países ricos em termos de arrecadação, em detrimento dos países pobres. 

Na situação em que não se usa o JCP, as remessas ocorreriam somente por meio de dividendos, que são isentos no Brasil desde 1995, mas tributados na maior parte dos países desenvolvidos. 

Nesse caso, em vez de o Brasil ficar com pelo menos 15% do lucro repassado, não teria direito a nada. 

Por isso o fim do JCP e a tributação do dividendo no Brasil são citados de forma conjunta. Questionado ontem, na porta do Ministério da Fazenda, sobre tributação de dividendos, o ministro Guido Mantega, disse que não apresentou "nenhuma proposta nesse sentido". 

A questão é saber se Joaquim Levy, futuro titular da pasta, pensa da mesma forma. A princípio, mexer nessas regras no momento contraria o plano declarado de incentivar o uso do mercado de capitais como instrumento de captação de recursos para investimento. 

Embora haja controvérsias, a versão mais difundida entre os especialistas é que o JCP foi criado na gestão do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, após pressão do empresariado diante do fim da correção monetária dos balanços. O instrumento, segundo essa visão, minimizaria a tributação sobre o patrimônio, já que parte do lucro anual seria apenas uma atualização monetária, e não um ganho efetivo da empresa. 

De acordo com Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, o problema é que um instrumento que era parcial, e talvez fizesse sentido em 1995, se tornou algo perene. "É um benefício fiscal brasileiro, que fere os tratados internacionais, porque gera concorrência desleal em matéria de tributação internacional." Em relação aos dividendos, Zilveti diz que os países que dão mais atenção à questão de justiça tributária costumam tributá-los, ainda que parcialmente. "Muitos alegam que a tributação é indevida, porque a empresa já pagou imposto. 

Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa", afirma. Para ele, não é razoável o grande empresário não pagar quase nada de Imposto de Renda na pessoa física, se ele tem capacidade para isso. 

Edison Fernandes, sócio do Fernandes e Figueiredo Advogados, entende que cobrar Imposto de Renda sobre dividendos pode ser mais justo e isonômico, por ser uma forma direta de tributação. 

"Mas a medida deve ser pensada juntamente com a redução da tributação da pessoa jurídica e da tributação indireta (IPI, ICMS e ISS). Caso contrário, será somente mais uma fonte de receita para os cofres públicos, sem impacto econômico e na equalização das desigualdades", afirma.

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Dilma sinaliza ao mercado com teto para gasto

Valor Econômico - 03/12/2014

Por Bruno Peres e Vanessa Adachi | De Brasília e São Paulo

A presidente Dilma Rousseff assumiu, pela primeira vez desde a reeleição, compromissos importantes com o ajuste fiscal e com o controle "rigoroso" da inflação para viabilizar a retomada do crescimento. Em carta enviada ontem para ser lida no evento do J.P. Morgan para investidores, em São Paulo, Dilma falou sobre os planos para o futuro e sobre a direção das medidas já em estudo.

Ela mencionou que "as iniciativas em análise envolvem tanto reformas do lado fiscal, para adequar a taxa de crescimento do gasto público ao crescimento da economia, quanto maior desenvolvimento financeiro, com aumento da participação de fontes privadas no financiamento de longo prazo, em especial, da infraestrutura". Endossou, assim, a ideia de se criar um teto para o aumento do gasto compatível com o crescimento da economia, defendida pela maioria dos economistas.

O aval de Dilma às propostas dos novos ministros da área econômica foi claro. "A nova equipe econômica trabalhará em medidas de elevação gradual, mas estrutural, do resultado primário da União, de modo a estabilizar e depois reduzir a dívida bruta do setor público em relação ao PIB", disse na carta, lida pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para uma plateia de mil investidores. "Também continuaremos a melhorar nossa política de aumento do investimento e de produtividade do trabalho, pois é isso que sustenta um crescimento mais rápido do PIB e dos salários reais, com estabilidade macroeconômica."

Para os próximos anos, escreveu Dilma, "nossa prioridade é recuperar a capacidade de crescimento da economia, com controle rigoroso da inflação e fortalecimento das contas públicas e, assim, garantirmos o emprego e a renda".

Depois de confirmar e desconfirmar por diversas vezes a participação no evento realizado pelo J.P. Morgan, Dilma cancelou em cima da hora a presença na abertura do encontro, enviando a carta por intermédio de Coutinho.

O destrato causou mal-estar e foi interpretado por fontes do mercado como um indício de que ela prefere manter certo distanciamento do setor financeiro. Dilma tem sido criticada por parte dos seus apoiadores por ter nomeado Joaquim Levy para a pasta da Fazenda. Levy já trabalha para implementar um amplo ajuste fiscal, além de outras reformas pró-mercado que constavam da agenda de campanha da oposição e foram fortemente rechaçadas pela presidente enquanto candidata.

A carta foi recebida como um primeiro sinal direto da presidente de endosso do que sua equipe nomeada, e ainda não empossada, já sinalizou. O texto se tornou "um grande evento", a ser lido e interpretado, segundo comentários de alguns dos presentes na abertura do encontro ontem pela manhã.

Depois de semanas de especulações sobre quem seria o novo ministro da Fazenda, houve uma frustração no mercado financeiro com o fato de Dilma não ter comparecido ao anúncio, ocorrido no Palácio do Planalto, das escolhas de Levy e também de Nelson Barbosa, para o Planejamento, e Alexandre Tombini, para o Banco Central.

A ausência da presidente deixou dúvidas quanto ao seu real comprometimento com as linhas gerais traçadas pela nova equipe para reequilibrar as contas públicas, retomar o tripé macroeconômico e recolocar a economia, mais adiante, na trilha do crescimento.

A mensagem contida na carta, porém, agradou aos investidores. O texto de Dilma começa com uma justificativa: "A economia brasileira passa por um momento de transição, no qual ainda sofremos os efeitos externos do lento crescimento mundial - inclusive, a redução dos preços das commodities". Mesmo assim, o governo manteve a inflação "dentro do intervalo estabelecido" e conseguiu sustentar uma baixa taxa de desemprego.