Barusco delata cartéis na administração pública

Valor Econômico - 03/12/2014

Por André Guilherme Vieira | De São Paulo

As declarações de Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, nos depoimentos de sua delação premiada foram "muito além" do que a força-tarefa da operação Lava-Jato esperava. As informações repassadas pelo braço direito do ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque apontam para um sistema "quase endêmico" de cartelização que começa a ser desvelado em praticamente toda a estrutura da administração federal, apurou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

"O depoimento dele [de Barusco] está impressionante. Excelente mesmo. Várias coisas novas que a gente não sabia. A investigação continua sendo ampliada. Não está indo para um rumo de finalização, de aparar arestas, mais. Nada disso. Está é ampliando. O caso está crescendo", garante uma fonte diretamente envolvida nas investigações da Operação Lava-Jato.

A delação premiada de Barusco já foi concluída e aguarda homologação do juiz federal Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba. Nela, Barusco assinou termo de compromisso para devolver US$ 97 milhões que reconheceu manter em contas no exterior, e que confessou ter origem em desvios da Petrobras.

Fazem parte da colaboração vários depoimentos prestados por Barusco, além de grande quantidade de documentos: contratos, aditivos contratuais, registros contábeis, controles de fluxo de caixa da propina que teria sido paga a agentes públicos e políticos; e ainda comprovantes bancários, nomes de instituições financeiras, de operadores financeiros e de contas no exterior com seus respectivos titulares.

O ex-gerente Barusco confirmou e apresentou provas que, para os investigadores, ratificam o que já havia sido delatado por Julio Camargo e Augusto Mendonça Neto, da Setal: que a "regra do jogo" que exige das empreiteiras o pagamento de propinas para formalização dos contratos públicos é recorrente nas empresas geridas pelo governo federal.

Também impressionou os investigadores a minuciosa organização de informações e dados mantidos por Barusco em seu escritório. O material amplia "exponencialmente" os detalhes contados por Camargo e Ribeiro. Ambos "narram com riqueza de detalhes todo o esquema de cartelização, corrupção, desvio de dinheiro, pagamentos de dinheiro da corrupção no exterior, manutenção de dinheiro ilegalmente no exterior (pois não declarados), lavagem de ativos (decorrentes da utilização de contas em nomes de offshores, contratos fictícios etc.), bem como verifica-se presentes os elementos de uma organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública", escreveram os procuradores da República responsáveis pela acusação na Lava-Jato, em suas manifestações enviadas à Justiça Federal.

Barusco também prestou informações sobre a offshore Drenos, mantida no banco Cramer, na Suíça. A empresa já havia sido mencionada por Julio Camargo.

Segundo Camargo, uma conta da Drenos recebeu parte dos cerca de R$ 12 milhões que teriam sido pagos como propina pelo Consórcio CCPR-Repar para obra de construção de unidade de recuperação de enxofre com valor estimado em R$ 2,4 bilhões em Araucária, no Paraná. A obra data de 2009 e fez parte dos empreendimentos para a Refinaria Getúlio Vargas (Repar).

Camargo disse que Barusco e Duque ordenaram que ele fizesse pagamentos no exterior e indicaram contas nos bancos Winterbothan, no Uruguai e no Credit Suisse e no Banque Cramer na Suíça. Todas titularizadas por empresas offshore, afirmou.

Com as informações da Suíça, o MPF espera identificar também operadores financeiros que podem ter atuado em outras empresas públicas, além da Petrobras.

Barusco é o sexto delator da Lava-Jato. Antes colaboraram o operador de câmbio Luccas Pace Junior; o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa; os executivos da Setal, Camargo e Mendonça Neto; e o doleiro Alberto Youssef.

A defesa de Renato Duque informa que o ex-diretor "nega o recebimento de vantagens indevidas em contas no Brasil ou no exterior" e "qualquer participação em práticas criminosas envolvendo fornecedores da empresa".
 

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Teori Zavascki manda soltar ex-diretor de Serviços da Petrobras

Valor Econômico - 03/12/2014

Por André Guilherme Vieira e Letícia Casado | De São Paulo e Curitiba

O relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki, aceitou, ontem à noite, pedido em liminar ajuizado pela defesa do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e determinou a revogação da prisão preventiva decretada no dia 12 de novembro pelo juiz Sergio Moro, da Justiça Federal de Curitiba.

A defesa de Duque questiona no STF a competência da Justiça do Paraná para conduzir as investigações da Lava-Jato. Zavascki, contudo, ainda não analisou o mérito do habeas corpus.

Duque foi um dos 25 presos durante a deflagração da sétima fase da operação Lava-Jato, que apura suposto esquema de cartel, corrupção e pagamento de propinas que envolveria empreiteiras, políticos e funcionários da Petrobras.

Também ontem, advogados de executivos de empreiteiras investigadas na Lava-Jato disseram que os procuradores brasileiros terão algumas dificuldades para usar no Brasil o material recém-colhido na Suíça: as imposições do tratado de cooperação internacional devem resultar na demora da transferência de dados do exterior para o país.

Os procuradores foram à Suíça na semana passada colher provas sobre o esquema de corrupção na Petrobras; assinaram o termo de confidencialidade e foram advertidos de que eventuais vazamentos fecharão o canal de cooperação. A viagem rendeu além do processo de repatriamento do dinheiro desviado pelo ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa; a equipe voltou munida de informações, mais amplas do que previsto, e um grande volume de material ainda será analisado, apurou a reportagem. Na segunda-feira, o Valor antecipou que foram encontrados rastros de operadores políticos.

O repatriamento de US$ 26 milhões das contas de Costa está formalmente acordado com a Suíça. Costa autorizou o repatriamento e acelerou o processo. Mas, para usar outras informações nas denúncias, os procuradores precisam formalizar pedidos junto aos governos de ambos os países. O acordo de cooperação impõe respeito ao objeto da ação - o Brasil não pode, por exemplo, "aproveitar" informações na investigação de outro crime.

"Não sei que tipo de pergunta eles [procuradores] fizeram lá [na Suíça]. A pauta divulgada é a repatriação do dinheiro. A gente suspeita que tenham ido fazer uma 'pescaria mais vasta'", diz um advogado envolvido no caso.

De fato, isso aconteceu. Na Suíça, os procuradores tiveram acesso a informações referentes às contas de Costa e de operadores de partidos políticos - mas que precisam de solicitação para serem remetidas ao Brasil. O material foi preliminarmente analisado por eles e considerado bastante útil para identificar os responsáveis por ordenar pagamentos no exterior. "Eles podem ter obtido uma série de dados na Suíça. Quero ver como vão fazer para usar essas informações aqui sem passar por cima do tratado de cooperação e sem passar pelo vazamento de informações", diz um advogado. A cooperação internacional normalmente envolve questões de sigilo pessoal, e por isso há um acordo de confidencialidade.

Essa cláusula é citada para fazer a comparação entre as apurações dos procuradores nos casos Alstom e Lava-Jato. Na investigação da Alstom - sobre suposto cartel na aquisição e reforma de trens em contratos com o governo de São Paulo - a Suíça quase suspendeu a cooperação por causa do vazamento de dados sigilosos sobre o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), Robson Marinho.

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Marco Aurélio critica investigações ocultas no STF

Valor Econômico - 03/12/2014

Por Maíra Magro | De Brasília

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello criticou ontem a tramitação oculta de inquéritos na Corte, com investigações que não estão sujeitas a qualquer tipo de controle sobre abertura e arquivamento. O assunto veio à tona com as supostas investigações envolvendo o ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB), em um caso de grilagem de terras da reforma agrária no Mato Grosso, como parte da operação Terra Prometida.

A investigação estaria em um inquérito oculto no STF, que não pode ser localizado sequer no andamento processual da Corte. O caso teria sido remetido ao Supremo em agosto pelo juiz da primeira instância.

"Não concebo que haja um inquérito policial oculto", disse Marco Aurélio. "Não pode haver, em termos de administração pública, qualquer mistério. Todos devemos conta aos contribuintes", acrescentou, apontando a necessidade de "freios inibitórios" para a atuação do Poder Público.

O status de "oculto" vai além do segredo de Justiça. Nessa última categoria, é possível localizar a movimentação processual no STF, mas apenas com as iniciais dos investigados. Só as pessoas envolvidas no caso e seus advogados podem acessar a íntegra do processo.

Já para os processos ocultos, a restrição do acesso é total. Despachos e decisões não contam com qualquer tipo de publicidade. Dentro do STF, o manuseio é limitado a um grupo de servidores. Como a tramitação "oculta" é determinada pelo próprio relator do caso, não é possível controlar quantas investigações são abertas ou encerradas. Segundo o site do STF, a categoria é usada para "impedir a divulgação de informações que possam comprometer o bom andamento de processos criminais".

O STF não controla, atualmente, quantos inquéritos ocultos tramitam na Corte. Também não há qualquer acompanhamento sobre quantos procedimentos desse tipo foram abertos ou arquivados nos últimos anos.

Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, a classificação do processo como "sigiloso/oculto" está prevista no Regimento Interno da Corte. Outra base legal apontada é o artigo 20 do Código de Processo Penal, segundo o qual "a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". A assessoria afirmou ainda que cabe ao relator do caso decretar a confidencialidade.

A tramitação oculta de inquéritos contra pessoas com foro privilegiado também deve ocorrer na operação Lava-Jato, em relação aos fatos decorrentes das delações premiadas do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Os documentos que já chegaram à Corte são guardados em uma pasta verde à qual poucos têm acesso além do relator do caso, o ministro Teori Zavascki. Nesse caso, o relator justifica que o segredo absoluto está previsto na nova Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), para garantir a eficácia das investigações. A lei trata de mecanismos de apuração de crimes, como a delação premiada.