A declaração recorrente das autoridades sobre a maior seca que a Região Sudeste já viu desde 1930 virou alvo de ataques dos especialistas por um motivo: caso a chuva caia do céu, o problema será apenas empurrado, mais uma vez. No dia do aniversário de São Paulo, o prefeito da cidade, Fernando Haddad, repetiu o apelo dos governantes por chuva. "Todo mundo está pedindo chuva. É meio óbvio o presente deste ano", disse na comemoração dos 461 anos da cidade, ontem. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que falou em nome do governo federal na última sexta-feira, é preciso "ver a quantidade e se caem nos lugares corretos". O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, já foi além e apostou na intervenção divina. "Deus é brasileiro e temos que contar que ele vai trazer um pouco de umidade e chuva", disse na terça-feira. Especialistas reconhecem que a precipitação atual está fora da média histórica, mas que isso tudo é agravado pela falta de investimentos, desde que o primeiro alerta soou.
No caso de São Paulo, os avisos foram constantes. Em junho de 2000, 3 milhões de paulistanos foram pegos de surpresa com o anúncio de um racionamento, por uma baixa na represa da Guarapiranga. Na época, uma das maiores preocupações era em diminuir o desperdício da rede hídrica, calculado em 40% da produção. Em 2004, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) recebeu um documento do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) do estado que apontava as fragilidades do sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 6,5 milhões de moradores do estado. O estudo enfatizava, principalmente, a dependência do sistema.

Tanto a confiança excessiva em um único reservatório, sem plano de emergência, quanto o descaso relacionado ao que se perde entre a água captada e a torneira da casa de casa consumidor foram negligenciados. Segundo o professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Koide, especialista em recursos hídricos, ter investido na preservação da água e na conscientização do seu uso teria evitado a crise que a região enfrenta hoje. "Uma medida de médio prazo é investir na redução das perdas, mas pouca gente fez isso. Outra, de longo prazo e que ninguém pensam, é em manter uma reserva de contingência. Os gestores ficam satisfeitos quando têm o suficiente, mas é preciso ter além do atendimento", explica.

Um exemplo que Koide usa para sustentar a tese da necessidade de um plano alternativo é a contaminação do Rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento do Rio de Janeiro. Em 1982, um vazamento contaminou até a foz com resíduos de metais pesados. "Por sorte, o material foi derramado logo abaixo da barragem, Se tivesse sido acima, a situação seria muito crítica", avalia. Segundo ele, uma saída é a utilização dos sistemas de poços subterrâneos. "Nem são para usar de imediato, mas para um momento de estiagem mais grave", pontua.

Apesar do cenário negativo, Koide vê na crise uma oportunidade para as autoridades e a população aprenderem a valorizar o recurso. "Esse tipo de crise leva a despertar o consumo consciente e a necessidade de investimento, que muitas vezes deixa de ser feito", diz. O coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior, também corrobora a tese de que faltaram investimentos de longo prazo. "Não dá para desperdiçar água. Nem na distribuição nem no uso. É preciso que parem de lavar carros e calçadas sem nenhuma regulação, além disso, quem consome mais deve ser taxado", emenda.

As sugestões dos especialistas de uso racional de água também estão entre as apostas do governo federal para conter a crise hídrica. Na sexta-feira, a ministra Izabella Teixeira disse que tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto a Secretaria de Comunicação da Presidência trabalham em cima de propostas para estímulo do bom uso do recurso. Souto Maior, entretanto, ressalta que, neste momento, só isso não resolve. "Não adianta só contar com isso e esperar que a chuva caia onde é preciso. Vai ter falta de água. É preciso canalizar para as atividades mais sensíveis, como hospitais, e as pessoas vão ter que conviver. Infelizmente, não nos preparamos para isso", lamenta.

Entenda o caso

Jogo de empurra

Os estados não investiram em formas alternativas de captar e distribuir água e passaram a disputar o recurso onde podem. O potencial do Rio Parnaíba do Sul virou o maior objeto de desejo dos três estados que mais têm sofrido com a falta de água, justamente por cortar Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. No início do ano passado, diante das evidências da crise, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, se apressou em sugerir uma proposta para transpor 5 mil litros de água do rio para um dos reservatórios do estado. No Rio, o então governador, Sérgio Cabral, foi categórico em dizer que nada que prejudicasse o abastecimento do estado seria autorizado.

A briga foi parar no Supremo Tribunal Federal e foi decidida após intervenção do governo federal. Os dois tiveram que ceder para preservar o abastecimento de água nos três estados. Um diminuiu a captação e o outro, a vazão. O principal problema desses três estados é a dependência das chuvas e o modo como se usa a água. A população cresceu e a oferta não seguiu a demanda. O conflito pela água na região já foi apontado pela ONU como o de maior potencial na América do Sul.