Ministro da Justiça anuncia o início de uma atuação integrada de forças federais com os estados do Sudeste. Especialistas, no entanto, avaliam que é preciso melhorar a sintonia entre as polícias e falam em "pirotecnia"
Ao lado dos quatro governadores do Sudeste, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou ontem o início de uma ação de segurança pública integrada entre as forças policiais dos estados e do governo federal. Promessa de campanha de Dilma, a medida é inspirada no modelo de policiamento da Copa do Mundo - e recebeu elogios do tucano Geraldo Alckmin (São Paulo). O veto da presidente Dilma Rousseff à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), há menos de uma semana, com vistas a permitir o corte de verbas da segurança pública, no entanto, é um mau sinal, acreditam especialistas. Para eles, a integração pouco muda na violência cotidiana das cidades e precisa de mais do que boas intenções para engrenar.
"Sem esse planejamento comum e uma gestão coordenada, nós dificilmente conseguiremos reduzir os índice de violência, de atos ilícitos, e enfrentar o crime organizado no Brasil", assegurou Cardozo. Segundo ele, o modus operandi da integração estará consolidado em duas semanas. A partir daí, será traçada uma operação piloto de combate ao crime organizado no Sudeste, nos moldes do que já foi feito no Nordeste (veja Memória). O petista Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais, comemorou a iniciativa. "Já no início do mandato estamos trabalhando por um tema que é do maior interesse público". Por mais que as diretrizes da união ainda não estejam definidas, o petista explicou que ela "não é só uma operação". "É mais do que isso: é o início de um trabalho permanente de integração."

A promessa de ajuda federal animou até mesmo Geraldo Alckmin (PSDB), governador reeleito de São Paulo, que elogiou o "sucesso" dos Centros Integrados de Comando e Controle montados para a Copa do Mundo, em que se juntaram efetivos estaduais e federais. Na sequência, no entanto, o tucano enumerou ações que considera prioritárias - e, nas entrelinhas, criticou o trabalho federal. "Eu destacaria o fortalecimento da questão das fronteiras, especialmente o tráfico de armamento pesado e o aumento das tornozeleiras na questão penitenciária", listou. "É um primeiro passo de uma caminhada que espero que possamos trilhar de maneira conjunta", ressaltou o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMSB).

Gargalos

Antes da ação integrada, é preciso melhorar a pouca sintonia entre as instituições de uma mesma unidade da Federação, aponta o doutor em ciência política Guaracy Mingardi. "Já seria uma façanha fazer com que Polícia Civil e Polícia Militar nos estados trocassem informações", afirma o especialista em segurança pública, que já foi secretário da área em Guarulhos (SP) e subsecretário nacional. Não é que o trabalho conjunto seja desnecessário, avalia, mas os resultados da ação só se dão em determinados crimes, como o tráfico de drogas. "Não resolve os problemas do cotidiano, que são o homicídio, o roubo, o furto. Integrar em ações especiais, como na Copa, é muito diferente de integrar no dia a dia, que demanda uma boa vontade enorme de todos os atores", diz.

O coronel José Vicente da Silva, ex-comandante da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, é mais ácido nas críticas. "Integração não depende de um centro de controle caríssimo, é uma questão de processo, de protocolo, de regras", afirma. Para ele, o plano apresentado ontem por Cardozo é "pura pirotecnia de quem teve quatro anos para fazer e não fez". Segundo Silva, é preciso que o governo invista em um sistema de inteligência para as polícias, em treinamento, no aperfeiçoamento das investigações, além de melhorias drásticas na área penitenciária. "A União não sabe gerir polícia no Brasil, esbarraria, inclusive, em questões legais. Nem na gestão das fronteiras temos resultados positivos", alfineta.

As críticas coincidem com os vetos recentes da presidente Dilma Rousseff à LDO, retirando o programa de fronteiras da lista de prioridades, bem como colocando as ações de segurança pública no rol de setores que poderão sofrer tesouradas em seu orçamento ao longo do ano. Ao criticar a PEC que o governo pretende enviar ao Congresso, colocando a União mais atuante na segurança, confirmada ontem por Cardozo, Silva dispara: "O que deveria estar na Constituição é a proibição de se contingenciar recursos da área".

"Integração não depende de um centro de controle caríssimo, é uma questão de processo, de protocolo, de regras"

José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública

"A verdade é que, até hoje, os estados não conseguem cumprir o ECA. Então você vai mudar uma legislação que ainda não foi cumprida, para torná-la mais rigorosa ainda?"

Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais

"Não resolve os problemas do cotidiano, que são o homicídio, o roubo, o furto. Integrar em ações especiais, como na Copa, é muito diferente de integrar no dia a dia"

Guaracy Mingardi, doutor em ciência política

» Análise da notícia

Programa do PT ficou no papel

Lançado como o PAC da Segurança pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) rompeu uma dicotomia crônica no setor. Finalmente, seria executada uma política de combate ao crime com um olho nas ações sociais e outro nas instituições policiais e nas necessidades dos profissionais que as integram.

Sete anos depois, o Pronasci ficou apenas como a sigla de um plano que prometeu tanto, mas efetivou quase nada. O projeto da bolsa-formação, embora tenha beneficiado profissionais da segurança com cursos a distância, passou longe da plataforma de ensino revolucionária conforme foi apresentado. O plano habitacional para policiais, também no bojo do Pronasci, permaneceu no esquecimento.

Morando muitas vezes em locais dominados pelo crime, policiais continuam tendo de esconder a farda da vizinhança em determinados bairros das grandes cidades. Sem falar no fracasso dos programas que pagariam bolsas para quase meio milhão de jovens - principais vítimas e autores de homicídios no país - em projetos sociais. Nenhuma das 41 mil vagas para jovens e adultos em presídios saíram do papel.

Não se trata de pessimismo ou olhar seletivo. Iniciativas como a Força Nacional de Segurança; o auxílio de contingentes da União em operações especiais, como a retomada de morros cariocas; e a organização dos grandes eventos devem ser reconhecidas. Mas fica difícil - com 56 mil assassinatos em 2012, último ano disponível nas estatísticas, e os crimes patrimoniais explodindo - defender a atuação do governo federal no setor, embora responsabilidades também recaiam sobre estados e municípios. (RM)

» Memória

Testes na Copa

Inspirado no modelo criado para a Copa do Mundo, no qual forças estaduais e federais de segurança trabalharam em conjunto nos Centros de Comando e Controle (CCC), o governo se articula para levar ao Sudeste a Operação Brasil Integrado. Após os jogos, a ação foi testada no Nordeste, em setembro de 2014. Na ocasião, mais de 9 mil homens das políciais Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal foram a campo simultaneamente, com o reforço do Exército. Em dezembro, uma nova edição da Operação envolveu 20 mil agentes de diversas forças de segurança, no primeiro teste do modelo em uma ação simultânea em todo o país.

Em ambos os casos, com o objetivo de combater o crime organizado, foram fiscalizadas fronteiras estaduais e nacionais, estradas, portos e aeroportos. Dos Centros de Comando e Controle, os comandantes de cada efetivo monitoram a ação em tempo real, tomando decisões em conjunto. Da mesma forma, o planejamento das operações, os pontos prioritários, os roteiros e a logística são elaborados semanas antes da ida a campo, por meio de parceria dos setores de inteligência de cada efetivo estadual e federal. Apesar dos tempos de cortes no Orçamento, o governo tem prometido ampliar os CCCs das 12 cidades sedes da Copa para todas as 27 capitais até 2016.

Divergência sobre o ECA

Mesmo com o clima de convergência em torno do projeto de segurança pública anunciado ontem, eventuais modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dividiram opiniões. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, evitou se posicionar sobre o tema. "Não vou emitir um juízo de valor. No que houver divergência, cada um postulará no Congresso o que acha", disse o ministro.

"(O ECA) é uma boa lei, mas não dá resposta aos reincidentes graves", justificou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que defendeu o aumento do tempo máximo de internação, para os adolescentes infratores que cometerem crimes graves, de três para oito anos. O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), vê o tema como controverso. "A verdade é que, até hoje, os estados não conseguem cumprir o ECA. Então você vai mudar uma legislação que ainda não foi cumprida, para torná-la mais rigorosa ainda?", questionou.

"É uma bobagem", dispara o cientista político Guaracy Mingardi, sobre a redução da maioridade penal. "Essa questão é marginal no campo da segurança pública. O que dá resultados é investigar bem para punir, que o Judiciário julgue com celeridade, que o Ministério Público aja da mesma maneira. Isso vale no campo da justiça juvenil também", justifica. Já o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva acredita que o aumento do tempo de internação é uma medida importante no combate à impunidade. "Não adianta dizer que só 1% dos homicídios são cometidos por menores, em números absolutos é muita coisa", destaca.