Ministros da Fazenda e do Planejamento se reúnem para acertar os últimos detalhes da tesourada de R$ 65 bilhões, com destaques para os gastos com investimentos. Um decreto sobre o assunto deverá ser publicado ainda hoje no Diário Oficial da União

Os investimentos deverão ser os principais alvos das tesouradas preparadas pelo governo para o Orçamento 2015. A equipe econômica não vai conseguir evitar que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seja o mais afetado pelo corte estimado em R$ 65 bilhões, avaliam especialistas. Eles lembram que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, precisa fazer um ajuste coerente e factível o suficiente para despertar confiança de investidores e empresários no compromisso de austeridade.
Levy esteve ontem reunido em seu gabinete com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, durante o horário do almoço. No cardápio, estavam os últimos detalhes das contenções de gastos, a serem anunciadas em breve. O montante a ser cortado pelo governo antes mesmo da aprovação do Orçamento é praticamente o mesmo do superavit primário do setor púbico para este ano, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Como a maior parte do Orçamento está engessada com gastos obrigatórios, há pouco espaço para um ajuste mais drástico. Pelas contas do economista e especialista em contas públicas Felipe Salto, o maior impacto será nos investimentos, sobretudo os do PAC, com o bloqueio de R$ 40 bilhões a R$ 45 bilhões. O orçamento do programa em 2015 é de R$ 64 bilhões. "Essas são as despesas mais pesadas entre as discricionárias. O restante, de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões, deverá ocorrer com os gastos de custeio dos ministérios. Diárias e passagens aéreas são muito pequenas dentro desse montante", estimou.

Depois do encontro, Levy e Barbosa foram à cerimônia de transmissão de cargo do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro, no Banco Central (BC). Fontes do governo informaram que o anúncio do corte deverá sair nesta semana, como sinal de que pretendem apertar o cinto das contas públicas. Um decreto deve ser publicado pelo Planejamento ainda hoje no Diário Oficial da União. Todavia, a proposta do Orçamento ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, que está em recesso e só deverá votar o texto a partir de fevereiro.

O anúncio é bastante aguardado pelo mercado. "O governo precisa detalhar tudo para que o corte seja crível e evitar o que ocorreu nos anos anteriores", disse Salto, lembrando que os cortes anunciados pela gestão de Dilma não se concretizaram. Em 2014, por exemplo, o governo acabou gastando bem mais do que o previsto e o rombo das contas do setor público alcançou R$ 19,6 bilhões até novembro. "Ao longo dos próximos meses, vamos ter que observar a execução financeira para ver se o corte será efetivado", emendou.

Representantes da indústria, também anseiam pelo anúncio. "É importante que o governo sinalize de forma clara o corte antes mesmo de o Orçamento ser aprovado. Isso ajudaria a melhorar a confiança para o empresário voltar a investir", explicou o economista Flávio Castelo Branco, gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O presidente da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, sinalizou esperar que o governo corte mais gordura do que aumente a receita com mais impostos. "Sempre defenderemos menor carga tributária, embora esse momento seja de reestruturação", afirmou. Ele acrescentou que as recentes demissões no setor automotivo são "casos isolados".

Enquanto alguns ministros e políticos defendem a volta da CPMF como forma de evitar um corte maior nos gastos dos órgãos públicos, o ministro Armando Monteiro, do Mdic, criticou o tributo. "Considero um grande retrocesso. Parece-me que as especulações estão mais no ambiente político do que no macroeconômico", disse o novo ministro. Ele terá o economista Ivan Ramalho como seu braço direito na secretaria executiva da pasta, cargo que ocupou no governo Lula.

Socorro a elétricas

Ontem também foi informado que o governo negocia com três bancos federais - Caixa Econômica, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) -, a liberação de empréstimo para socorrer as distribuidoras do setor elétrico. Os recursos seriam usados para cobrir o rombo de R$ 2,5 bilhões provocado pela disparada dos preços da energia no mercado livre.

Falta quitar as duas últimas contas em aberto com o mercado de energia à vista, de novembro e dezembro. O prazo para pagamento de cada uma ocorre no início de janeiro e fevereiro, respectivamente. A primeira fatura deve chegar a R$ 1,6 bilhão e a segunda, R$ 900 milhões.

A nova proposta foi discutida ontem pelos ministros de Minas e Energia, Eduardo Braga, e da Fazenda, Joaquim Levy. Segundo o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Reive Barros, o empréstimo seguirá o mesmo modelo dos anteriores. Desde dezembro, as áreas técnicas do governo vêm analisando o assunto em busca de alívio do caixa das concessionárias. As distribuidoras têm dependido da União há um ano. (Colaboraram Denise Rothenburg e Bárbara Nascimento)

Poupança tem pior captação desde 2011

Em 2014, os depósitos na poupança superaram os saques em R$ 24 bilhões, informou ontem o Banco Central (BC). O saldo é o menor desde 2011, quando a caderneta captou R$ 14,1 bilhões, e 66% menor ao registrado em 2013. Naquele ano, o montante captado foi de R$ 71 bilhões, o maior desde o início da série histórica do BC, em 1995. Em todo o ano de 2013, as cadernetas receberam depósitos de R$ 1,64 trilhão. Já as retiradas foram de R$ 1,61 trilhão, a diferença é a captação líquida de R$ 24 bilhões. Só em dezembro último, a poupança lucrou R$ 5,4 bilhões, saldo de R$ 179 bilhões em depósitos menos R$ 173 bilhões em saques.

Mercedes-Benz adere à greve no ABC

Operários da fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, decidiram após assembleia realizada ontem, iniciar uma paralisação de 24 horas, em protesto contra as 260 demissões na unidade. A Volkswagen, por sua vez, entrou ontem no segundo dia de greve, motivada pelo corte de 800 trabalhadores. A montadora esclareceu que, após uma série de medidas de flexibilização do trabalho, para administrar o excesso de mão de obra no ano passado, 260 trabalhadores foram desligados em dezembro. Desses, 100 deixaram a empresa num programa de demissões voluntárias aberto de 14 de novembro a 5 de dezembro. Outros 160 funcionários foram demitidos.