Embora o novo ministro da Educação, Cid Gomes, tenha declarado ontem que a atuação da área não será prejudicada pelo corte anual de R$ 7 bilhões no orçamento da pasta, anunciado pela equipe econômica do governo, quem acompanha de perto o setor dá como certa a tesourada em áreas sensíveis do ensino no Brasil. "O custeio, que é o tipo de despesa no qual poderá haver limitações, engloba muita coisa. Vai do gasto do telefone e da luz até contratações essenciais para funcionamento de creches ou diárias para a viagem de um professor ou monitor de capacitação", afirma Luiz Araújo, doutor em políticas públicas em educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).
A despeito da informação oficial do Ministério da Educação (MEC), que exemplifica com "diárias, passagens, aluguéis, contratos, publicidade" as áreas passíveis de contingenciamento, José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca), aponta como alto demais o montante para ser economizado de forma tão restrita. "Dizem que será com vigilantes, luz, água, mas vão cortar nas políticas, claro, porque o resto é o dia a dia do MEC. Programas estruturantes, como tempo integral, creches, são mais fáceis de cortar, porque não há compromissos, contratos, direitos trabalhistas em jogo", afirma.

Outro ponto de tensão dos movimentos que acompanham de perto a política educacional brasileira é a falta de recursos para honrar o piso salarial dos professores, reajustado esta semana em 13,01%. "O novo ministro vai sofrer pressão dos governadores e prefeitos sem dinheiro para pagar o piso, numa situação de cortes. É, no mínimo, contraditório que o governo gaste menos do que gastou no ano anterior exatamente no exercício em que declarou a educação como prioridade das prioridades", diz Araújo, em referência ao novo slogan do governo federal, anunciado no discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: "Brasil, Pátria educadora".

Marcelino ressalta que a desvalorização do profissional - resultado também da falta de dinheiro - cobra o preço a longo prazo. "É um consenso internacional que a qualidade da educação está ligada à qualidade do professor. Sem pagar piso, sem fazer cursos de capacitação, o país não atrai bons quadros para a sala de aula. Está provado que, na média, são os alunos com desempenho fraco no vestibular que vão para as licenciaturas. E os de menor desempenho no curso acabam se tornando professores", diz o presidente da Fineduca.

Nesse sentido, outra área sujeita a cortes que traz preocupações são as bolsas de estudo de pós-graduação. O setor já vem em crise, com atraso de pagamento nos benefícios concedidos a bolsistas da Universidade Aberta do Brasil - o mês de dezembro só foi pago ontem a tutores e professores. O MEC, em nota, afirmou que as medidas anunciadas pela equipe econômica preservam as dotações destinadas a bolsas. "O que não sabemos é se, além dos atrasos, haverá diminuição na concessão de novas bolsas, nos reajustes programados. Bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) é despesa de custeio, haverá prejuízos?", questiona Araújo.

Programas poupados

A complementação que a União faz a estados que não conseguem aplicar o mínimo por aluno - R$ 2.576 anualmente, na previsão orçamentária de 2015, que tramita no Congresso, para estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental urbano - está salva da tesourada. É que a despesa faz parte da relação inscrita na LDO protegida de contingenciamentos. Da mesma forma, repasses para alimentação e transporte escolar serão poupados do represamento de recursos.

O MEC destacou, em nota, que "não haverá corte de repasses para estados e municípios". A economia anunciada atingiu um terço dos gastos dos 39 ministérios, totalizando R$ 22,7 bilhões anuais. Como a pasta da Educação é a que tem mais recursos, sofreu o maior desfalque. Mas os números poderão sofrer mudanças, quando o projeto orçamentário deste ano for aprovado pelo Congresso e a equipe econômica replanejar as despesas.

"É no mínimo contraditório que o governo gaste menos do que gastou no ano anterior exatamente no exercício em que declarou a educação como prioridade das prioridades"

Luiz Araújo, professor da UnB

Na ponta do lápis

Veja o tamanho do corte na Educação (R$ 7 bilhões) comparado a programas da própria pasta que têm, em sua execução, gastos de custeio (passíveis de serem contigenciados):

Programa Orçamento proposto (2015)

Implantação de escolas para educação infantil R$ 7,7 bilhões

Concessão de bolsas de apoio à educação básica R$ 4,6 bilhões

Implantação e adequação de estruturas esportivas escolares R$ 2 bilhões

Programas que não sofrerão cortes*

Alimentação escolar

Dinheiro Direto na Escola**

Fundeb

Transferência a estados e ao DF da cota-parte do salário-educação

Apoio ao transporte escolar

* Por estarem na LDO como despesas que não podem ser objeto de contingeciamento.

** Repassa verba suplementar a escolas públicas de educação básica em geral e privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos que fazem atendimento gratuito à população.