O governo alemão anunciou ontem que intensificará os cortes na emissão de gases-estufa para conseguir cumprir suas metas. O setor energético terá que assumir mais compromissos - respondendo por 22 milhões de toneladas de CO2 da planejada redução adicional de 78 milhões de toneladas até 2020. A decisão pode forçar gigantes do setor a deixar de operar com usinas movidas a carvão.

O ministro da Economia Sigmar Gabriel disse que o governo vai aumentar os subsídios para medidas de eficiência energética de € 2 bilhões anuais para € 3,4 bilhões.

A premiê Angela Merkel também pediu aos alemães que usem menos energia para que o país cumpra sua meta de cortar 40% das emissões em 2020 em relação a 1990. A economia também significaria importar menos gás.

 "Essas são as decisões de maior alcance já feitas por um governo alemão", disse a ministra do Meio Ambiente Barbara Hendricks, em Berlim. "Significa que vamos triplicar os nossos esforços para proteger o clima." Ela mandou um recado aos delegados dos 190 países reunidos na conferência do clima da ONU em Lima, no Peru: "Podem confiar na Alemanha".

"É bom saber do esforço dos nossos membros", disse Elina Bardram, chefe da unidade de clima da União Europeia. "A decisão alemão mostra que estão mesmo dispostos a alcançar a meta de 2020."

 "A Alemanha está levando a sério a mudança climática e dá um forte sinal à negociação internacional em Lima de que é possível abandonar, no longo prazo, o uso do carvão e do petróleo. A decisão do governo Merkel é, de fato, o começo do processo de abandono das usinas de carvão", disse Martin Kaiser, chefe da política internacional de clima do Greenpeace.

Segundo ele, o setor energético alemão têm agora que cortar 93 milhões de toneladas de CO2. "A decisão tem de ser implementada antes do encontro do G-7 na Alemanha, em 2015, para dar segurança aos investimentos."

A Alemanha, conhecida por promover a energia renovável e transformar esse esforço na famosa política conhecida por Energiewende, corria o risco de restringir a meta a algo entre 32% e 35%. A estratégia de levar a economia rumo às energias renováveis teria inspirado a gigante energética E.On a anunciar, há poucos dias, que venderia as suas operações com combustíveis fósseis.

Fontes renováveis, como energia solar e eólica, representam fatia cada vez maior da matriz energética alemã, mas o carvão respondeu por 45% da energia do país em 2012, o nível mais alto desde 2007.

Segundo alguns analistas, o carvão tem sido o caminho para repor a energia nuclear, que a Alemanha vem abandonando desde o desastre nuclear de Fukushima. O plano é ficar sem energia nuclear em 2022 e ter 80% de energia renovável na matriz em 2050.

 A Alemanha, onde estão quatro das mais poluidoras usinas da Europa, também pretende cortar entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de CO2 via medidas de eficiência energética no isolamento térmico dos edifícios.

Nas metas alemãs, o setor de transporte terá de cortar 10 milhões de toneladas de CO2, a agricultura, 3,6 milhões de toneladas, e indústria, serviços e gestão de resíduos, outras 7,7 milhões de toneladas.

A Alemanha se beneficiou do fechamento das antigas usinas a carvão da extinta Alemanha Oriental, após a reunificação, em 1990. Isso representou 14% de redução em uma década. Regras mais rígidas e investimentos em eficiência energética significaram um corte de 11% nas emissões em relação ao ano 2000.

 

2014 deve ser o ano mais quente já registrado, diz agência de meteorologia

 

Seca na Califórnia e no Brasil, o inverno mais chuvoso já registrado no Reino Unido, ondas de calor na Argentina e na Austrália e cheias nos Bálcãs são alguns dos casos extremos que marcaram o que deve se confirmar como o ano mais quente de todos os tempos.

 

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM, órgão da ONU), 2014 deve bater todos os recordes de temperatura média global desde que a medição começou a ser feita. Caso isso se confirme, o século XXI terá 14 dos 15 anos mais quentes já registrados. “Mais e mais pessoas ao redor do mundo se defrontam com Mudanças Climáticas catastróficas”, disse Martin Kaiser, chefe de política climática do grupo ambientalista Greenpeace, na conferência do Clima da ONU em Lima. “A tendência está piorando. Nós precisamos colocar em prática políticas em todos os níveis e o mais rápido possível.” O calor está ligado a um Climaatípico, e as altas temperaturas do oceano contribuem para “chuvas excepcionalmente pesadas e cheias em muitos países e estiagem extrema em outros”, disse a OMM em relatório ontem. As enchentes neste ano devastaram regiões da Bósnia-Herzegóvina, Croácia, Sérvia, Índia, Paquistão, Bangladesh e Marrocos, segundo o documento. No Reino Unido, onde garoa com frequência, o inverno foi o mais úmido já registado, enquanto França e Japão também bateram recordes de chuvas ao longo do ano. Na outra ponta, a seca afetou partes da China e da América Central, além de ter esvaziado reservatórios de água em São Paulo. Vastas regiões do oeste dos Estados Unidos também enfrentam estiagem, com partes de Califórnia, Texas e Nevada recebendo menos de 40% da média histórica de chuvas, segundo a OMM. “Não há pausa para o Aquecimento Global”, disse o secretário geral da entidade, Michel Jarraud, em comunicado, dirigindo-se a críticos que dizem que as temperaturas não estão aumentando. “As Emissões recorde de gases de efeito estufa, associadas a concentrações atmosféricas [desses gases], estão levando o planeta a um futuro muito mais incerto e inóspito.”
 
 
Mudança climática afetará defesa nacional, diz IPCC
 
Mudança do clima é assunto de defesa nacional.

 

O aumento da temperatura pode aumentar a pressão sobre conflitos já existentes, agravar a violência inter-racial ou guerras civis. E será mais um fator de estresse em populações vulneráveis que já têm que lidar com moradias em regiões de risco, carência de Recursos Hídricos ou dificuldades no acesso à saúde. O alerta é do economista indiano Rajendra Pachauri, de 74 anos, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima(IPCC), o braço científico das Nações Unidas para o combate ao Aquecimento Global. “A previsão é que a mudança do Clima, no século XXI, aumente o deslocamento de pessoas. Os impactos na infraestrutura e na integridade territorial de muitos países podem influenciar políticas de segurança nacional”, disse Pachauri ao Valor, em entrevista por e-mail. Outro alerta do economista é em relação à necessidade de as políticas públicas colocarem o tema em foco, com urgência, e promoverem a adaptação das cidades, das economias e da população. Na América Latina e no Caribe vivem mais de 610 milhões de pessoas e três quartos estão a menos de 200 quilômetros do litoral. O aumento do nível do mar pode afetar o estoque de peixes, o controle de doenças, os sistemas de saneamento, o turismo. Há exemplos de cidades no mundo que começam a investir em diques e em sistemas de drenagem mais avançados, lembrou. Pachauri falou ainda sobre a disponibilidade da água na América do Sul. O risco de falta d’água pode crescer com reduções nas chuvas e o recuo das geleiras andinas, o que afetará o abastecimento, a geração de energia hidrelétrica e a agricultura. Citou exemplos de lugares que planejam mais reservatórios e projetos de dessalinização. A seguir, trechos da entrevista: 

Valor: Muitas das grandes cidades brasileiras estão na costa. Como elas podem se adaptar à subida do nível do mar? Rajendra 

Pachauri: À medida que o oceano aquece e as geleiras diminuem, a média do nível do mar continuará a subir, e a um ritmo mais rápido do que vem acontecendo nos últimos 40 anos. O quanto subirá irá depender do grau e da rapidez com que começarmos a reduzir asEmissões que causam a mudança climática. A elevação do nível do mar não será uniforme. Até o final do século XXI é muito provável que suba em mais de 95% da área dos oceanos. 

Valor: Quais serão os impactos? 

Pachauri: A elevação do nível do mar e as atividades humanas que acontecem nosEcossistemas costeiros e marinhos representam ameaças para populações de peixes, corais e manguezais. Também podem comprometer o lazer e turismo e o controle de doenças. Na América Latina e no Caribe vivem mais de 610 milhões de pessoas, sendo que três quartos dessas pessoas vivem a menos de 200 quilômetros do litoral. A elevação do mar em um metro afetaria populações litorâneas no Brasil e em ilhas do Caribe. Os cenários indicam que a área do rio da Prata está sujeita às maiores inundações. A previsão é de aumento da erosão em praias no sul do Brasil. 

Valor: Os governos locais devem pensar sobre isso imediatamente? 

Pachauri: Não posso fazer recomendações específicas para o Brasil, mas é claro que as cidades costeiras de todo o mundo terão de se adaptar à elevação dos mares através da construção de diques e sistemas de drenagem mais avançados. O Brasil já está tomando algumas medidas. Algumas áreas de proteção marinhas, por exemplo, beneficiam 60 mil pescadores artesanais ao longo da costa. Processos participativos envolvendo comunidades locais de pescadores, governo, academia e ONGs são formas de favorecer um equilíbrio entre a conservação dos estoques pesqueiros, recifes de corais e manguezais, por um lado, e a melhoria de meios de subsistência e a sobrevivência das tradições de populações locais, de outro. 

Valor: São Paulo está sofrendo uma grave seca. Como a cidade poderia se adaptar a isso? Que tipo de experiências bem-sucedidas existem de grandes cidades tentando proteger seus rios e fontes de água? 

Pachauri: De fato, mudanças no fluxo e disponibilidade de água foram observadas e deverão continuar no futuro na América do Sul, afetando regiões já vulneráveis. As geleiras andinas estão recuando, afetando os cursos d’ água. O risco de falta de água vai aumentar com reduções nas chuvas, o que irá afetar o abastecimento de água nas cidades, a geração de energia hidrelétrica e a agricultura. Algumas regiões estão pensando em construir mais barragens e usinas de dessalinização, além de medidas para melhor estocar água. É importante se adaptar para reduzir a vulnerabilidade de comunidades. Para isso, diferentes questões têm que ser abordadas, como o papel da governança e das instituições e da tecnologia. 

Valor: Os meteorologistas dizem que esta é a pior seca em cem anos. Essa situação pode ser relacionada à mudança do Clima

Pachauri: Eventos extremos isolados como um período de seca não podem ser atribuídos à mudança do Clima, mas sabemos que as alterações climáticas levam a mudanças na frequência, intensidade e duração de eventos extremos. Podem também produzir fenômenos climáticos sem precedentes. A mudança no uso da terra e na cobertura vegetal são vetoreschave das mudanças ambientais na América do Sul. O Desmatamento intensificou o processo de degradação da terra e aumentou a vulnerabilidade de comunidades.

Pachauri, do IPCC: mudança climática terá impactos na infraestrutura e na integridade territorial de países expostas a enchentes, deslizamentos de terra e secas. 

Valor: Esse quadro poderia ocorrer de novo no futuro? 

Pachauri: Projeções para o final do século XXI feitas a partir de diferentes cenários preveem um aquecimento substancial nos extremos de temperatura para toda a América do Sul. É muito provável que a duração, a frequência e a intensidade das ondas de calor tenham um grande aumento na maior parte da América do Sul. Secas irão se intensificar durante o século XXI em algumas épocas do ano e em algumas áreas, em razão da redução das chuvas na Amazônia e no Nordeste do Brasil, se não fizermos nada para enfrentar a mudança do Clima

Valor: O crescimento da população mundial é um dos fatores de pressão para a mudança doClima. O que o sr. sugeriria para lidar com esse cenário? 

Pachauri: O “Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas” apontou claramente que o crescimento da população e o nosso modelo de desenvolvimento econômico atual, baseado no uso dos combustíveis fósseis, são os maiores vetores da mudança do Clima. Sem esforços adicionais para reduzir os de gases-estufa, asEmissões globais irão continuar a crescer puxadas pelo aumento da população e pelas atividades econômicas. Mas nós temos os meios de conter a mudança do Clima e construir um futuro mais sustentável e próspero. Hábitos, modo de vida e aspectos culturais têm influência considerável no uso da energia e as Emissões associadas a isso. Emissõespodem ser bastante reduzidas através de mudanças nos padrões de consumo, na dieta e na redução do lixo alimentar. 

Valor: Certa vez o sr. sugeriu que as pessoas deveriam comer menos carne. Pode falar mais a respeito? 


Pachauri: A pecuária é um dos grandes emissores de gases-estufa. É uma questão científica: quanto menos carne consumirmos mais reduziremos a emissão de gasesestufa. Mas é uma escolha muito pessoal. Não é algo que eu tente influenciar nas outras pessoas. 

Valor: Mudança do Clima é assunto de defesa nacional? 

Pachauri: Com certeza. A mudança do Clima pode, indiretamente, aumentar os riscos de conflitos violentos, guerras civis e violência inter-racial ao exacerbar os vetores já existentes que alimentam esses conflitos, como pobreza ou choques econômicos. Há estudos que mostram que a variabilidade climática está muito relacionada a essas formas de conflito. A previsão é que a mudança do Clima, neste século, aumente o deslocamento de pessoas. Os impactos da mudança do Clima na infraestrutura e na integridade territorial de muitos países podem influenciar políticas de segurança nacional. Por exemplo, alguns impactos transfronteiriços da mudança do Clima, como mudança no gelo marinho e emRecursos Hídricos, têm o potencial de aumentar a rivalidade entre países. 

Valor: Qual a sua expectativa para a conferência de Lima? 

Pachauri: Acredito que os líderes globais estão cada vez mais conscientes. O quinto relatório do IPCC mostra que a influência humana no sistema climático é clara e que quanto mais o deterioramos mais nos arriscamos a sofrer calamidades climáticas globais. Mas também mostra que temos os meios de conter a mudança do Clima e construir um futuro melhor. Sou otimista em pensar que teremos um bom acordo e que os governos irão considerar as opções que estão na mesa.