A consistente queda na cotação do petróleo no mercado internacional aumentou para dois dígitos a diferença favorável à Petrobras entre os preços interno e externo da gasolina e do diesel, movimento que abriu espaço para o governo acomodar a volta da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) na inflação e praticamente eliminou a necessidade de novo reajuste dos combustíveis nas refinarias. Só no último mês, o preço do óleo cru recuou 20%. Ontem, o barril do tipo WTI chegou a ser cotado a US$ 63,05, menor valor desde julho de 2009.
Na média de novembro, a Petrobras importou gasolina a um preço 6% menor do que o praticado em suas refinarias, nos cálculos da consultoria GO Associados. Fazendo uma projeção com o cenário observado neste mês, levando em conta uma cotação do barril de petróleo do tipo WTI a US$ 67 e o dólar a R$ 2,60, o litro da gasolina no exterior fica 20% mais barata do que a vendida no mercado brasileiro. Na média de outubro, o litro da gasolina importada ainda estava ligeiramente mais caro (R$ 0,02). O barril WTI baliza os preços praticados nos EUA e no Golfo do México, de onde a estatal importa petróleo e derivados.
Já a defasagem do diesel na cotação de ontem foi ampliada para 23%. Se esse patamar for mantido, é possível acomodar o retorno da Cide sem repasse de preços no mercado interno e ainda prover rentabilidade na operação da Petrobras. Como os contratos de importação e exportação do setor são de médio prazo, as oscilações dos preços internacionais levam entre um e três meses para serem sentidas, de acordo com analistas.
Economistas ouvidos pelo Valor avaliam que a gasolina - combustível com repercussão maior e mais direta na inflação do que o diesel - ainda pode aumentar ao consumidor no próximo ano, mas não mais em função de um novo reajuste nas refinarias. Segundo eles, o cenário mais tranquilo para os preços do petróleo elimina a necessidade de uma nova alta aos distribuidores.
Fernando Rocha, sócio da JGP Gestão de Recursos, reduziu recentemente, de 6,8% para 6,5%, sua estimativa para o aumento do indicador oficial de inflação no próximo ano. Além de um cenário mais benigno para os preços livres, em função da fraqueza da atividade econômica, a mudança levou em conta que não deve haver nova correção da gasolina aos distribuidores. Antes da inversão na trajetória entre os preços internos e externos do combustível, Rocha previa um reajuste de 8% nas refinarias em 2015, que chegaria às bombas com intensidade de 5% e adicionaria 0,2 ponto à inflação.
Mesmo sem considerar aumento nas refinarias, no entanto, o economista projeta que a gasolina deve subir 3,8% ao consumidor em 2015. Segundo Rocha, o avanço ocorrerá em função do retorno parcial da alíquota da Cide, que deve ser de R$ 0,10 o litro a partir de abril, e também da flutuação prevista para o etanol, que acaba influenciando a evolução dos preços do "concorrente".
Para o economista da JGP, uma redução do preço doméstico só passará a ser levada em conta pelo governo se a defasagem se mantiver nos patamares atuais. Nos cálculos da gestora de recursos, considerando os preços da última sexta-feira, a gasolina doméstica está 22% mais cara do que o praticado no Golfo do México.
Dificilmente a defasagem voltará aos níveis anteriores, quando os preços internos eram menores que os externos, afirma Elson Teles, do Itaú Unibanco. Por conta disso, diz, a probabilidade de a Petrobras precisar reajustar a gasolina diminuiu bastante, algo que, por enquanto, ainda está no cenário do banco para a inflação do período. "Provavelmente, não vamos mais trabalhar com reajuste em 2015."
Apesar disso, Teles aponta que sua previsão para a alta do IPCA no próximo ano, atualmente em 6,5%, não deve ser reduzida em função da gasolina, dado que o recuo do petróleo abriu espaço para uma recomposição maior da Cide. O valor original do imposto é de R$ 0,28 centavos por litro de combustível. Considerando o efeito da alíquota, o Itaú estima que a gasolina vai avançar de 6% a 7% nas bombas no próximo ano.
O Barclays prevê que o barril de petróleo mais barato não vai incentivar uma redução do preço da gasolina, mas tampouco trabalha com correção nas refinarias. A defasagem atual, se mantida, abre espaço para a reativação da Cide, o que ajudaria no esforço de ajuste fiscal. Em relatório sobre o cenário para a economia brasileira em 2015, o banco inglês calcula que a volta do imposto adicionaria 0,11 ponto percentual ao IPCA. No entanto, uma diminuição da mistura do etanol da gasolina, dos atuais 27,5% para 25%, poderia reduzir esse impacto para 0,05 ponto.
Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da GO Associados, já havia retirado um possível aumento da gasolina de seus cálculos para a inflação de 2015 desde o mês passado, quando o barril de petróleo saiu do patamar de US$ 80. O aumento só viria via Cide, mas, com o novo nível de defasagem, Silveira avalia que a recomposição da alíquota não terá impacto relevante sobre o IPCA.
A forte queda do petróleo ontem, de 4,2% mas que pode se mostrar passageira, não impede Silveira de trabalhar com um cenário de defasagem de 15% para a gasolina e de 20% para o diesel nos próximos meses, "o que traz um desempenho de receita muito bom para a Petrobras", e ainda "acomoda o retorno da Cide."
Apesar de o setor ter grande volatilidade de preços, o patamar observado no primeiro semestre deste ano - com o barril entre US$ 100 e US$ 90 e que ajudou a deixar a defasagem da gasolina desfavorável para a Petrobras entre 10% e 20% - não deve voltar no ano que vem.
"Esse recuo é fruto principalmente da fuga de investidores no mercado futuro de commodities, que estão indo para os títulos futuros da dívida pública dos EUA. É um movimento [de queda] muito mais ligado ao mercado financeiro do que à atividade, de oferta ou demanda", afirma Silveira.
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