O setor elétrico está no fio da navalha. A demanda segue batendo no limite da capacidade real de geração de energia. Tanto que, por dois dias seguidos, após o apagão de 19 de janeiro, foi preciso importar energia da Argentina para atender o consumidor nacional. O país não está em condições de garantir abastecimento, sobretudo no horário de pico, que já bateu todos os recordes este ano. A falta de chuvas agrava o problema, porque mantém os reservatórios em níveis críticos num sistema que depende 70% da geração hidrelétrica. Mas foram a falta de planejamento e os escorregões do governo que contribuíram de forma determinante para a crise atual. 


"As hidrelétricas estão gerando menos, com reservatórios muito baixos, e a energia precisa vir de algum lugar
Péricles Pinheiro, economista 


Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), analisados pelo economista e colaborador do Instituto Nacional de Energia Elétrica (Inee) Péricles Pinheiro, mostram que a geração hidrelétrica aumentou 11.446 megawatts médios (MWmed) de 2001 a 2014, enquanto a geração termelétrica elevou-se 11.888 MWmed, resultando em 23.334 MWmed a mais em 13 anos. Ocorre, contudo, que a demanda subiu 23.728 MWmed no mesmo período. A diferença de quase 400 MWmed é hoje suprida pela geração eólica, dependente das condições climáticas. 

O país está no limite. As hidrelétricas estão gerando menos, com reservatórios muito baixos. Quando o vento das eólicas está fraco, é preciso tirar energia de algum lugar para manter o sistema operando, explica Pinheiro. Isso significa que a oferta real de energia no dia a dia acaba sendo insuficiente diante de um consumo energético crescente, sobretudo em certas horas. Se há um ônibus feito para 50 passageiros, mas que não consegue subir uma ladeira carregando todo mundo, a potência dele não é para a capacidade total porque muita gente vai ter que descer para ele cumprir o trajeto, compara o especialista. Na analogia, a ladeira é o horário de pico. 

Além dos reservatórios vazios, dos 22 mil MWmed da capacidade instalada de termelétricas, só 16 mil MWmed estão de fato entrando no Sistema Interligado Nacional (SIN). As térmicas precisam de paradas para manutenção porque foram criadas para operar de maneira emergencial, mas estão ligadas a todo vapor. O ONS, contudo, já deu ordem para que nenhuma pare. Daqui a pouco elas vão começar a falhar e aí o problema será muito maior , alerta Pinheiro. 

O economista ressalta que todas as variáveis do parque elétrico estão em condições piores do que em 2001, ano do racionamento de energia. Ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso determinou a medida sem necessidade, ou o atual governo está tapando o sol com a peneira ao negar o risco, pontua. Em janeiro, choveu metade do esperado. Só uma surpresa positiva em fevereiro pode evitar o racionamento, destaca o gerente da consultoria Safira Energia, Fábio Cuberos. 

Indústria 

A crise energética só não é maior porque a indústria, responsável por 40% do consumo de energia do país, está em recessão e vem diminuindo a produção. Desde 2012, a demanda industrial por eletricidade está caindo, ao contrário dos setores residencial e comercial, que aumentaram o consumo. Só no ano passado, caiu 4% ante um crescimento de 5% a 7% dos outros dois setores, afirma o presidente da Comerc Energia, Cristhoper Vlavianos. Em alguns casos, a redução no consumo da indústria foi bem drástica, de 25,2%, caso do setor têxtil. A hora de programar o racionamento é agora. Já deveria ter começado, pondera o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales.


"Em janeiro, choveu metade do esperado. Só uma surpresa positiva em fevereiro 
pode evitar o racionamento


Fábio Cuberos, consultor 


Ainda não se fala em racionamento no Palácio do Planalto em razão do temor do impacto político dessa decisão, sobretudo porque a situação atual contradiz tudo o que a presidente Dilma Rousseff afirmou em janeiro de 2013, no discurso de assinatura da Medida Provisória (MP) 579, a mudança no marco regulatório que forçou a redução de tarifas e provocou o maior desarranjo da história do setor. O Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, sem nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio e no longo prazos, afirmou ela, à época. 

Não foi o que se viu. Apesar da redução de 18% em 2013, no ano passado os reajustes superaram, e muito, o índice, zerando o benefício. Para 2015, as altas previstas são de 40% e há quem fale em 60%. Tudo porque o governo mexeu na regulação do setor e as distribuidoras tiveram que pegar empréstimos de R$ 17,8 bilhões que vão custar R$ 26,6 bilhões com os juros, segundo o Tribunal de Contas de União (TCU) para cobrir o rombo causado pela compra de energia de curto prazo, por preço muito maior. 

Esse buraco ainda está sendo cavado, porque o dinheiro acabou antes do pagamento das operações de novembro e dezembro últimos. Ainda faltam R$ 2,5 bilhões e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já adiou duas vezes o prazo para quitação, aguardando negociações do Ministério da Fazenda, para conseguir mais financiamentos. 

O consumidor pagará a conta com reajustes da eletricidade. Isso já começou, via bandeiras tarifárias, que elevam a fatura mensal em R$ 3 a cada 100 quilowatts consumidos quando a sinalização vermelha apontar condições desfavoráveis de geração. Apesar disso, o governo já estuda elevar o custo em 30% ou 40%, para o consumidor arcar com o rombo.