Inflação acima do teto e ameaça de recessão

Correio Braziliense - 03/02/2015

Analistas renovam previsões pessimistas para 2015, com IPCA anual acima de 6,5% todos os meses, escalada de juros e estagnação econômica. Eles alertam ainda para riscos adicionais, como racionamento de energia e disparada do dólar

ANTONIO TEMÓTEO

A inflação não dará trégua em 2015 e permanecerá acima do teto da meta, de 6,5%, em todos os 12 meses. Para analistas, os efeitos da recomposição dos preços administrados — que foram represados pelo governo nos últimos anos para conter a carestia — serão repassados aos produtos e aos serviços. Além disso, a estiagem prolongada provocará choques de ofertas de alimentos, que encarecerão ao longo do ano. No Boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central (BC), a média das expectativas do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 7,01%.

Para conter a disparada de preços, o BC, que durante os últimos quatro anos encarou as pressões inflacionárias decorrentes do descontrole de gastos do governo, terá de continuar elevando a taxa básica de juros (Selic). Apesar de a pesquisa da autoridade monetária indicar que a Selic terminará o ano em 12,5%, os especialistas estão divididos. Alguns projetam uma última alta de 0,25 ponto percentual na reunião de março, o que levaria a taxa anual para esse patamar. Outros avaliam que o aperto monetário será ainda maior, de 0,5 ponto.

Se, por um lado, a carestia não dará alívio ao brasileiro, por outro, a atividade econômica tende a ficar ainda mais fraca ao longo do ano. Nas projeções feitas pelo mercado no Focus, o Produto Interno Bruto (PIB) terá a tímida expansão de 0,03% em 2015. Alguns analistas já estimam retração no ano, sobretudo com risco de racionamento de eletricidade. A escassez de água para o abastecimento urbano, para a irrigação e para a geração de energia também terá impacto no IPCA.

Nas estimativas do economista-chefe da GO Associados, Alexandre Andrade, a inflação fechará o ano bem acima do teto da meta, sem ceder um único mês. Para ele, com a recomposição de preços administrado e aumento de impostos sobre combustíveis, o IPCA do ano deverá bater em 7,2%. “As pressões externas também são importantes e preocupam. Projetamos que o dólar terminará o ano com custo de R$ 2,80. Para piorar, a atividade ficará enfraquecida o todo ano”, disse.

Nesse cenário cada vez mais conturbado, os analistas também revisaram as projeções para expansão do PIB. Os economistas do Itaú Unibanco Irineu de Carvalho Filho, Artur Manoel Passos e Rodrigo Miyamoto avaliaram que dados recentes mostram sinais de desaceleração da atividade em dezembro e as perspectivas para o primeiro trimestre de 2015 têm se deteriorado. Segundo eles, no setor de petróleo, os cortes em investimento e a redução na projeção de crescimento da produção vão impactar na expansão do PIB.

Além disso, os três esperam quedas de produção industrial e de vendas no varejo ampliado. Os analistas consideram que as dificuldades envolvendo algumas construtoras podem afetar o ritmo de execução de obras de infraestrutura no curto prazo. Esses fatores os levaram a projetar que a economia terá retração de 0,5% em 2015, isso sem levar em conta o risco de racionamento.

Câmbio
Na opinião do economista-chefe da Concórdia Corretora, Flávio Combat, a correção de tarifas administradas é um dos fatores determinantes para as expectativas de inflação acima da meta. Além disso, ele ressaltou que o impacto do realinhamento de preços sobre toda a economia afetou as projeções dos analistas. Ele exemplificou que o aumento dos combustíveis encarecerá o frete do transporte de alimentos, e esse custo será repassado aos consumidores. “As projeções incorporam também o efeito do câmbio mais desvalorizado. Diversos segmentos da indústria dependem de insumos importados, que terão custo maior em dólar”, comentou.

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Seca afeta agricultura

Correio Braziliense - 03/02/2015

CELIA PERRONE

Se a inflação já está alta com a oferta regular de alimentos, vai ficar ainda pior quando estes começarem a faltar. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alertou ontem para o risco de a atual crise hídrica do país interferir na produção do campo. Especialistas temem ainda que a determinação dos governos federal e estadual em conter a irrigação acabará repercutindo no resultado final do custo de vida em 2015.

A escassez de água atinge todo o Sudeste, região com peso de 55,37% no cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Só São Paulo representa 30, 17% nessa conta. “O agravamento da inflação em nível regional será o caos”, comentou Virene Matesco, professora de macroeconomia na Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ). Ela lembra que nunca uma situação grave como a atual chegou a ser estudada. Isso porque o país sempre se valeu do fato de ter quase 20% da reserva global de água doce.

Virene acredita que a intensidade com que a falta de água vai se expressar em todos os indicadores, desde inflação até balanço de pagamentos e empregos. “O quadro hidrológico desperta fortes preocupações tanto para o abastecimento de energia quanto de produtos agrícolas também”, resumiu.

Adriana Molinari, analista de inflação da consultoria Tendências, considera difícil estimar o quanto a crise hídrica influenciará na carestia. “Mas se o choque de oferta for mais contundente, com a redução na produção de alimentos por falta de água, o aumento de preços será inevitável”, sentenciou. Ela ressalta que o controle de preços está repleto de desafios em 2015. “Corremos o risco, neste ano, de haver um choque de oferta nos produtos in natura”, revelou.

Na última sexta-feira, relatório do Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS) estimou que as chuvas de fevereiro deverão ficar abaixo do previsto, com 52% da média histórica. Para Roberto Rodrigues, ex-ministro da agricultura e coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV, esse quadro aponta para “uma catástrofe”, “um tsunami às avessas”. “Para o hortifruti, a seca tem efeito imediato. Se houver restrição severa, a produção diminuirá e abrirá espaço para a importação”, avaliou.

Ele lembra que, em 2014, com o tempo quente atípico, já houve forte redução na oferta e área plantada “das folhosas em São Paulo e da batata no Triângulo Mineiro”, com quebra de produtividade e perda de mil hectares. Para Rodrigues, há uma possibilidade de redução de oferta de café, de laranja e de cana-de-açúcar no Sudeste. “A previsão é de uma quebra de safra de até 15% na região, mesmo percentual no sudoeste de Goiás. Na Bahia é pior: 20%”, revelou. 

Conforme Combat, a inflação persistente com o ajuste de preços administrados, os repasses cambiais para a inflação e a expectativa de valorização do dólar com mudança na política monetária dos Estados Unidos levarão o BC a elevar os juros em 0,5 ponto percentual em março. Assim, a Selic iria para 12,75% ao ano. O economista aposta que, nesse cenário, a economia deve se expandir só 0,1% este ano.

Alguns analistas estão mais pessimistas e levam em conta a crise hídrica para projetar as expectativas de inflação e crescimento do país. Na avaliação do economista-chefe da TOV Corretora, Pedro Paulo Silveira, a falta de água e a possibilidade de racionamento de energia levarão a economia para recessão e a carestia para patamar maior que os últimos anos. Nas contas dele, com o anúncio de que os brasileiros terão de conter o consumo de eletricidade, o IPCA terminará o ano de 7,5% a 8,5%, e o PIB recuará 2%.

Silveira detalhou que esse cenário catastrófico afetará a produção industrial e agrícola. “Nesse cenário, o BC não poderá fazer nada. No máximo, contratar um pajé para fazer chover e rezar bastante”, detalhou. Ele explicou que a autoridade monetária desconsidera a possibilidade de racionamento nas previsões porque o governo não se posicionou oficialmente sobre a questão. “Isso criaria um ruído violento e, integrar o Executivo, não seria prudente fazer essa análise. O momento é muito preocupante”, sinalizou.


Sinais de retração
Nas contas dos técnicos do Itaú Unibanco, a fraqueza da economia em dezembro terá reflexo nas estimativas para o primeiro trimestre deste ano. Com a confiança dos empresários ainda em baixa, a de consumidores no menor nível histórico e o alto patamar dos estoques na indústria, a instituição financeira não vê sinais de recuperação no primeiro trimestre de 2015. Com isso, o banco revisou a projeção para o PIB do primeiro trimestre para um recuo de 0,2%, ante a expectativa anterior, de expansão de 0,1%.

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Luz e ônibus puxam IPC-S

Correio Braziliense - 03/02/2015

BÁRBARA NASCIMENTO

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo — Semanal (IPC-S) surpreendeu os especialistas e fechou janeiro no maior patamar para o período desde 2003. O aumento de preços administrados, como tarifas de transporte público e de eletricidade, levaram o indicador a avançar 1,73% no mês passado, 0,22 ponto percentual acima do registrado em dezembro. Com isso, o acumulado em 12 meses ficou em 7,66%. Para fevereiro, a expectativa é de que o IPC-S também bata recordes, em razão da recente alta dos combustíveis. A aposta do mercado é de 0,8%, menor do que o percentual de janeiro, mas o maior da série histórica para este mês.

No primeiro mês do ano, os valores administrados pelo governo, que ficaram represados em 2014, foram os responsáveis pelo avanço da inflação. A maior contribuição veio do grupo Educação, que, sazonalmente, subiu de 2,63% para 4,15%. Nesta classe de despesa, o comportamento dos cursos formais chamou a atenção: os preços aumentaram de 6,29% para 9,19%.

Vilões
“Os grandes responsáveis por esse número são os preços controlados, e aí se destacam as tarifas de ônibus, de energia elétrica, de cursos formais e, em menor escala, de cigarros”, detalhou Paulo Picchetti, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele ressaltou ainda que os indicadores de inflação não estão limitados à variação desses preços. “Se somarmos a influência de todos esses itens, chegamos a 0,85%, ainda bem distante do índice cheio, de 1,73%”.

Apesar das tarifas de ônibus e de energia terem empurrado a inflação, preços livres, como alimentação e serviços, ainda pressionam o indicador. O destaque é a carne, que vem subindo desde o ano passado. “Há forte pressão dos alimentos. Esse item já começou a ceder, mas não deve dar grande alívio durante o ano”, analisou César Esperandio, economista da consultoria LCA. A expectativa do especialista é de que a inflação medida pelo IPC-S em 2015 deve ficar em torno de 7,46%.

Na próxima sexta-feira, o indicador oficial de inflação do país, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve ser divulgado pelo Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE). A expectativa é de continuidade da tendência do IPC-S.