Título: Ordem é para BNDES recuar
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Fonte: Correio Braziliense, 06/07/2011, Economia, p. 11

Sob um bombardeio de críticas, o governo avalia que insistir na entrada do banco na fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour traz desgaste desnecessário

» Ana D,Angelo

O Palácio do Planalto já deu como encerrado o caso do patrocínio bilionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à fusão dos varejistas Pão de Açúcar e Carrefour. A orientação agora é para o presidente da instituição, Luciano Coutinho, costurar a saída do negócio, de forma a amenizar o desgaste ao empresário Abilio Diniz, que transita com desenvoltura na cúpula do governo ¿ ele integra a Câmara de Gestão, Desempenho e Competitividade, um órgão consultivo da Presidência da República na área de gestão do qual fazem parte empresários de peso.

Oficialmente, a razão para o recuo do BNDES será a falta de entendimento entre os sócios do Pão de Açúcar Abilio Diniz e Jean Charles Naouri, presidente mundial do Casino, rede de varejo que concorre diretamente com o Carrefour na França. O Casino detém 43,1% do grupo brasileiro e tem acordo de acionistas, desde 2005, para assumir o seu controle em 2012. A justificativa de Diniz de que a fusão é para evitar desnacionalização da rede de hipermercados brasileira tem a consistência de um castelo de cartas, pois partiu dele a iniciativa de ceder o controle a um estrangeiro em 2005, avaliam membros da equipe econômica descontentes com a operação. Esses integrantes do governo questionam, inclusive, se a Câmara de Gestão não estaria sendo usada para os empresários fazerem lobby por seus interesses.

Desde que resolveu ser o principal ator da fusão de gigantes do mercado varejista, sem comunicar ao Ministério da Fazenda sobre as consequências do negócio, o presidente do BNDES causou descontentamento na Esplanada dos Ministérios. A instituição entra com até R$ 4,5 bilhões; o banco BTG Pactual, mentor da operação, com apenas R$ 600 milhões; e Diniz, com nada. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, só foi avisado por Coutinho depois que o sócio brasileiro do Pão de Açúcar soltou comunicado na Bolsa de Valores da França, informando sobre as negociações em curso com o Carrefour e o banco de fomento.

Mantega e Coutinho não se entendem faz tempo, desde quando o presidente do BNDES andou forçando sua nomeação para a Fazenda no momento em Dilma Rousseff montava sua equipe no fim do ano passado. Até a presidente, que é próxima de Diniz e chegou a avalizar a operação após consulta do presidente do BNDES, teria se surpreendido com a repercussão negativa e as condições do negócio. Questionado ontem em Londres, onde participa de seminário, Mantega disse que o financiamento "não seria do governo" e sim "da parte técnica" do BNDES. "Nem sei se a operação vai ser configurada", afirmou.

Classe C O Palácio do Planalto quer encerrar logo a polêmica porque está preocupado com a possibilidade de vir uma outra frente de críticas, entre as tantas que o negócio já recebeu. Uma delas seria a de que o BNDES, ao bancar fusão dos dois gigantes do varejo, estará conspirando contra os interesses exatamente do eleitorado do PT, a imensa nova classe média C, que já supera os 100 milhões de pessoas.

Inserida no mercado de consumo recentemente, essa parcela de consumidores, que já representa mais da metade da população, será a principal prejudicada com a concentração dos dois grandes grupos, que hoje travam disputa constante em relação a oferta e promoções de produtos. Além da certeza de que a fusão elevará os preços, é esperado também grande número de demissões.

O BTG Pactual, um dos interessados no negócio, estima fechamento de 5% a 7% (110 e 154) dos 2,2 mil lojas atuais, mas analistas independentes acreditam em percentual bem maior, acima dos 15%, ou seja, pelo menos 330 estabelecimentos. No Plano Piloto, há instalações dos dois grupos praticamente uma do lado da outra, como ocorre no fim da Asa Norte, onde, em caso de uma fusão entre Carrefour e Pão de Açúcar, dona do Extra, um dos megatemplos do varejo será fechado, e os empregados vão para a rua.

O caso de fusão mais polêmico no Brasil foi a criação da Ambev, que juntou as cervejarias Brahma e Antarctica, em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso. Para empurrar a concentração do mercado, que à época resultou em aumento de preços e engoliu pequenos distribuidores, foi utilizada a mesma justificativa: a de que seria criada uma grande empresa nacional no setor de cervejas. Mas, pouco tempo depois, o controle foi vendido ao sócio Belga. Ao menos, o BNDES não integrou o negócio.

Investigação A negociação do Carrefour com o Pão de Açúcar também não vai bem lá fora. O Deminor, um grupo de investidores, acusou ontem o Carrefour de não lhes ter informado aos acionistas nem ao mercado financeiro sobre a existência de negociações avançadas com Diniz. Em razão disso, pediu à Autoridade dos Mercados Financeiros (AMF) da França que investigue o caso. Ao serem questionados sobre os rumores de negociações com o Pão de Açúcar, durante a assembleia anual do grupo ocorrida no último dia 21 de junho, os dirigentes do Carrefour negaram que as negociações estivessem avançadas, afirmou Fabrice Rémon, diretor-geral do Deminor, em uma carta ao presidente do Carrefour, Lars Olofsson.

Audiência na Congresso A Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados votará hoje, às 10h, um requerimento convocando os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os parlamentares querem discutir como será a participação do governo no caso envolvendo a compra do Carrefour pelo Grupo Pão de Açúcar. O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, também deverá ser convocado para a audiência.