O caminho para uma redação de 1.000 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passa por uma porta estreita. Dos 6.193.565 candidatos que fizeram a edição de 2014, apenas 250 tiveram nota máxima na prova escrita. Especialistas explicam que não basta o aluno escrever bem, o texto deve atender aos critérios de correção do Ministério da Educação (MEC). Cobram-se coesão, embasamento e ainda uma solução para o problema proposto — quesito que normalmente não é utilizado em vários processos de avaliação. No meio disso tudo, o aluno ainda esbarra nas peculiaridades da língua culta e formal. Eli Guimarães, coordenador de redação de um colégio particular da Asa Sul, explica que o estudante não pode ferir os direitos humanos, entre os argumentos do texto. “Tem de respeitar algumas normas humanas, éticas, culturais.”

Recém-formado no ensino médio em São Luís, Matheus Andrade Figueiras, 17 anos, alcançou 1.000 pontos na redação deste ano. Mesmo tendo se baseado praticamente no enunciado da prova para desenvolver o texto, o estudante, que teve média geral de 764 pontos, considera essencial ler tanto ficção quanto notícias para ter conteúdo seja qual for o tema. “Eu leio, pelo menos, dois livros por mês. E passei a ler revistas semanais para me informar sobre atualidades”, conta.

Surpreendido pelo tema “publicidade infantil”, o candidato não esperava ter tirado nota máxima. “Esse assunto não foi muito abordado, entre os possíveis temas que poderiam cair. Eu resolvi primeiro as questões fechadas. Depois, coletei meus pensamentos para apontar alguma argumentação.” Matheus relembrou das notícias que havia visto e lido para formular a proposta de intervenção, uma exigência da prova, segundo a qual o estudante deve elaborar propostas para resolver um problema. Ele pediu pela regulamentação de lei que possa punir empresas de publicidade que façam apelo comercial para crianças.

Ao alcançar a nota máxima na redação, o adolescente está confiante de que garantirá a vaga desejada em direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “É a prova que tem maior peso, porque é a única que se pode ter a nota máxima”, disse. A mãe dele, Maria da Conceição Fernandes Andrade, 58 anos, diz que já esperava o bom desempenho do filho no exame. “Ele vive em função dos estudos, lê muito. O hobby dele é comprar livros”, detalha.

Erros gramaticais
Uma das principais diferenças da redação do Enem é que o aluno deve apresentar uma solução para o problema descrito no enunciado. “Ao apresentar a proposta, ele tem de conhecer o problema, tem que ter domínio da leitura, mas também do mundo; uma reflexão sobre os problemas sociais, o contexto em que as coisas se desenrolam. É um conhecimento que qualquer aluno de ensino médio tem, desde que possua um bom nível de leitura e conviva num ambiente de reflexão e debate”, diz Eli Guimarães. O professor também destaca que a proposta deve respeitar os direitos humanos. “Ele não vai resolver o problema do menor abandonado matando a todos eles”, exemplifica. No momento de fazer a revisão, recomenda um distanciamento. “O aluno pode corrigir aspectos gramaticais e ficar atento à ideia: se a solução que propõe apresenta, por exemplo, quem vai fazer, como vai fazer e com qual finalidade”, completa.

Os avaliadores do Enem também não podem tolerar textos com trechos deliberadamente desconectados com o tema proposto e reincidências de erros gramaticais e ortográficos. Além disso, discrepâncias maiores de 100 pontos na nota final implicarão em uma terceira correção. Se o terceiro corretor não chegar a um acordo com os outros dois avaliadores, a redação será verificada por uma banca composta por três pessoas, presidida por um doutor. Essa banca também é acionada para examinar as redações com nota máxima.

Para especialistas, houve uma queda no número de estudantes que atingiram 1.000 pontos porque aumentou o rigor desde a edição de 2012, quando um candidato resolveu descrever como preparar um miojo no meio do texto, que tinha como tema o movimento imigratório para o Brasil no século 21 e recebeu 560 pontos.

Rafael Riemma, coordenador de português em uma instituição privada, recomenda que os candidatos fiquem de olho nos critérios de correção. “O aluno não vai ter a nota máxima, por mais que a redação esteja excelente. A redação tem que cumprir cada quesito exigido.” Riemma indica que a prática é o melhor caminho para se aprimorar. “Não há segredo. Uma boa redação se faz com muita repetição: se você quer escrever bem, escreva muito. Não há outra estratégia ou fórmula mágica.”

Os itens avaliados


No Enem, cada uma das redações é avaliada por dois corretores entre os mais de 4 mil contratados para isso. Os avaliadores têm a função de atribuir uma nota de 0 a 200 pontos em cada uma das cinco situações abaixo:

1) Domínio da norma padrão da língua portuguesa;
2) Compreensão da proposta de redação;
3) Seleção e organização das informações;
4) Demonstração de conhecimento da língua necessária para argumentação do texto;
5) Elaboração de uma proposta de solução para os problemas abordados, respeitando os valores e considerando as diversidades socioculturais.


O edital do Enem prevê sete situações em que a redação do participante pode ser zerada ou anulada. São elas:

1) Fuga total ao tema;
2) Não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa;
3) Texto com até sete linhas;
4) Impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto;
5) Desrespeito aos direitos humanos;
6) Redação em branco, mesmo com texto em rascunho;
7) Cópia do texto motivador.

Confira rascunho de uma das 250 redações nota mil no Enem 2014


Mídia infantil
Oriundo de paradigmas capitalistas, o incentivo ao consumo, em especial pela mídia, é bem presente no Brasil. O estabelecimento de nichos econômicos baseados em parcelas da população é comum, mas tendo em vista o grande contingente de crianças na sociedade brasileira, é natural o questionamento do apelo comercial feito a estas, uma vez que determinados produtos ou serviços ofertados podem ter implicações negativas nos hábitos de vida deste grupo, protegido por incipientes legislações, ainda carentes de força prática.

O mercado, no Brasil e no mundo, transformou os jovens, especialmente crianças, em nicho econômico. Lojas especializadas nas necessidades dessa parte da população, como em roupas e lazer, assumem a fatia expressiva do comércio, influenciando fortemente, por vezes de forma negativa, os hábitos da vida da juventude. A famosa rede de lanches rápidos “McDonald's” popularizou-se entre os jovens pelo uso de personagens carismáticos, como estímulo no consumo de sanduíches, inclusive através da distribuição de brindes. A consequência de tal marketing é o incontestável crescimento da obesidade infantil, realidade que atesta para as necessidades da redução do apelo comercial, por meio de legislações.

A coibição da publicidade infantil abusiva tornou-se legal em abril de 2014, por meio de uma resolução aprovada pelo Conanda. A medida tem boas intenções, tendo em vista a necessidade de regulamentar o marketing infantil, mas, ainda incipiente, a legislação enfrenta vários obstáculos, em especial na sua atuação prática. A ausência de mecanismos eficientes de fiscalização e de efetivas punições permite a manutenção do excesso de apelo comercial às crianças, o que inviabiliza uma imersão do quadro.

 

* Rascunho da redação de Matheus Andrade Figueiras, de São Luís, no Maranhão.

O exemplo mineiro
A ansiedade pela espera da nota do Enem valeu a pena para o estudante Luis Arthur Haddad, de 19 anos, de Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas Gerais. O jovem, que fez o exame pela primeira vez, não só se saiu bem, entrou no seleto grupo de 250 candidatos, em todo o país, que alcançaram mil na redação, a mais alta do exame. Chegar à tão sonhada classificação, no entanto, não foi fácil. O estudante, que busca uma vaga no curso de engenharia elétrica na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), afirma que foram muitas horas de estudo diário. “Sempre estudei bastante, mas, no 3º ano, intensifiquei a rotina de estudo no colégio e, principalmente em casa”, lembra. Ao todo, eram pelo menos 15 horas de dedicação por dia, de segunda a sexta-feira. O brilhante desempenho na redação tem ainda outra explicação. Luis Arthur passou 2014 inteiro treinando produção de texto de temas diversos para aprimorar a prática. Eram duas redações por semana no colégio e mais treinamento em um curso particular de redação. “Também li muito, me inteirei dos assuntos da atualidade e estudei muito geografia e história. Para uma boa redação, é preciso ter muito conhecimento”, destaca. (Valquíria Lopes)