No passado, diante da galopante perda diária do poder aquisitivo - a inflação anual chegou a bater o recorde de 2.477%, em 1993 -, os brasileiros lançavam mão de inúmeras estratégias para tirar vantagem da situação ou tentar garantir a o valor do salário. Uma delas era estocar moeda forte. E havia justificativa.
Na década de 1990 e ainda no início do século 21, o dólar americano disparava - a maior cotação frente ao real foi de R$ 3,9544 em 22 de outubro de 2002. Mas o mundo mudou. Hoje, há uma diversidade de aplicações mais rentáveis, mais seguras e menos inconstantes, adequadas ao perfil de cada investidor, que dão retornos mais significativos.

Apesar de a divisa ter sido o ativo que mais se valorizou em 2014 e das expectativas de alta até o fim de 2015 - previsões apontam cotação entre R$ 2,60 e R$ 3,00 -, analistas alertam que usá-la para garantir lucros futuros é uma aposta arriscada. Dólar não é investimento. Os preços oscilam muito. Além disso, há uma diferença entre o valor de compra e o de venda. Dependendo do período, ao se desfazer da moeda, a pessoa pode receber menos reais do que gastou. Para o cidadão comum, o dólar, como qualquer moeda, serve apenas de instrumento de troca em casos específicos, como viagens ao exterior.

O servidor aposentado Godofredo Gomes, 81 anos, é daqueles que perpetuaram a memória inflacionária, e age à moda antiga. "Sou do tempo em que pobre não viajava. Entrei em um avião pela primeira vez aos 50 anos. Mas sempre comprei dólares para me proteger. Meus filhos riem, debocham do meu jeito. Mas, quando precisam viajar, é a mim que procuram. Ainda tenho moeda estrangeira guardada desde 2011", contou. Quando parou de trabalhar, há 12 anos, "seu Godô", como é chamado, abriu uma alfaiataria no Recanto das Emas. "Muitas vezes cobro em dólar dos clientes gringos. Não confio em bolsa de valores ou nessas coisas modernas e virtuais. Meu dinheiro tem que estar comigo. Na minha mão", afirma.

Instabilidade

Para Edgar Sá, gestor de câmbio do IB Group, quem compra dólar sem viagem programada corre grande risco. "Principalmente este ano, com juros e inflação em alta, crise na Petrobras, na Grécia e na Rússia e ainda expectativas difusas sobre as decisões da nova equipe econômica. Se a pessoa gostar muito de dólar, é melhor aplicar em um fundo de investimento cambial. Não vale a pena colocar dólar embaixo do colchão", brinca. Mesmo assim, como o comportamento do câmbio é instável, esse tipo de fundo deve ser usado para abrigar apenas uma parte do patrimônio. "Daqui para frente, quem tem viagem marcada em 15 dias, deve comprar logo. Acima desse prazo, pesquise primeiro."

Reginaldo Siaca, diretor de Câmbio da TOV Corretora, ressalta que, em termos de custo do dinheiro, ainda viveremos mais dois ou três meses muito tumultuados. "Nossa situação interna não é confortável. Depois que o Banco Central anunciou que só fará leilões diários de swap cambial (troca de taxa de variação do preço do dólar por taxa de juros pós-fixados) até março, teoricamente, o preço do dólar vai subir. Mas isso não quer dizer que se transformará em um ativo sólido. Da mesma forma que o ganho vem rápido, a perda também é veloz. As pessoas terão de se acostumar com a ideia de que precisam acompanhar o dia a dia do mercado para constatar as oscilações", lembra Siaca.

A opinião é compartilhada por Ítalo Abucater dos Santos, gerente de Câmbio da Corretora da Icap Brasil. Ele reforça que o dólar nunca foi e nunca será investimento para quem não é investidor profissional. "Em 2011, por exemplo, o dólar comercial começava a romper a barreira dos R$ 1,70. Hoje, a crença é de que ultrapasse os R$ 2,80. À primeira vista, o ganho foi de R$ 1,10 por dólar. Mas não se esqueça de que, nas transações de compra e venda, paga-se Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A taxa varia de 0,38% do total, para moeda em espécie, cartão de débito e cheques de viagem, a 6,38% para cartões de crédito. Quando se começa a somar os custos, fica mais evidente o tamanho da armadilha", ensina Santos.

Para o professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Fábio Gallo Garcia, a compra de moeda norte-americana pode ser considerada um tipo de investimento no Brasil, embora não deva ser comparada às aplicações financeiras tradicionais. "O câmbio é de alto risco, mas pode ser avaliado como uma forma de garantir a moeda estrangeira pelo melhor preço. Se tiver planejado uma viagem para o fim do ano ou mesmo no ano seguinte, é normal a preocupação de comprar dólar quando a cotação estiver baixa para se proteger, sobretudo se as condições da economia - como atualmente - indicarem que a tendência é o real se desvalorizar", destaca.

O especialista alerta, contudo, que o investidor precisa estar ciente de que a flutuação do dólar não é livre de intervenções. "A volatilidade é muito alta, por isso é um investimento complicado. O Banco Central oferece dólar no mercado futuro para conter a alta da moeda em momentos de muita valorização. Isso compromete a rentabilidade de quem aposta no câmbio para GANHAR DINHEIRO", salienta. A divisa também sofre influência das oscilações do mercado internacional, portanto oferece maior risco, sobretudo para o investidor que não acompanha os altos e baixos da economia mundial. "O ideal é comprar dólar só quando tiver uma viagem em vista. Como aplicação, existem outras opções rentáveis e mais seguras."

Cuidados na hora de viajar

Para quem vai viajar, as dicas dos analistas são para manter 70% dos dólares em espécie (papel-moeda) e o restante em cartões de débito pré-pago ou cheques de viagem. "Faça uma reserva estratégica, sem muito alarde. Deixar dinheiro em casa é temerário, pois isso pode colocar em risco a segurança da família. Não faz sentido armazenar moeda estrangeira, até porque a legislação brasileira não permite que o dólar seja usado diretamente no mercado interno na compra de bens ou na contratação de serviços", lembra Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira.

Ele indicou, ainda, o que o viajante deve evitar. "Fuja do cartão de crédito. Além do IOF de 6,38%, se a cotação do dólar subir entre o momento da compra e o do fechamento da fatura, a diversão vai sair mais cara do que se imaginava", alerta.

O violonista William de Assis, 38 anos, até hoje se arrepende de ter usado o cartão de crédito em uma viagem internacional. "Fui a Miami com a família. Ficamos empolgados e gastamos demais. Quando a fatura chegou, entrei em pânico. Após quase dois anos de aperto, aprendemos o que não fazer", conta. Refeito do susto, William se prepara para nova viagem internacional, em julho. Vai conhecer Nova York. "Desta vez, estou pesquisando muito. Acompanho programas de rádio e televisão especializados que divulgam o preço do dólar, e, cada vez que passo por um aeroporto, procuro saber a cotação do dólar turismo", diz.

Planejamento

O planejamento financeiro da viagem é fundamental para que o turista não tenha surpresas com a diferença de valores. "Normalmente, a mídia divulga o valor do dólar comercial, que é usado em transações entre empresas. O cidadão, na verdade, compra o dólar turismo, que tem um valor bem maior", alerta Domingos. Por isso, é bom ficar atento. Calcule quanto gastará por dia e no total, e coloque um teto para excedentes. Comprar moeda em espécie ou colocar crédito no cartão pré-pago aos poucos pode ser uma boa estratégia, para conseguir um bom preço médio. Vale a pena também comparar preços em diversas instituições. A diferença pode ser maior do que 5%, destaca.

Mas para ter alguma vantagem é importante acompanhar o mercado diariamente, identificar os momentos de queda nas cotações e aproveitar a oportunidade para comprar quantias maiores. Lembre-se que valores equivalentes a R$ 10 mil em moeda estrangeira devem ser declarados ao Fisco, para evitar problemas com a Receita Federal. Ao chegar ao destino, deixe sempre à mão o endereço da loja virtual de câmbio de uma instituição idônea para pode fazer recargas do cartão pré-pago, se necessário.

Os pedidos em loja virtual são atendidos em até 48 horas. Evite transitar com valores altos. Previna-se contra perdas, roubos e furtos. Ao retornar, havendo sobras, não revenda os créditos do cartão pré-pago, caso tenha nova viagem programada nos próximos seis meses. Se a viagem seguinte estiver prevista para depois desse prazo, é aconselhável vender o saldo restante para a instituição onde a moeda foi adquirida, evitando as tarifas de manutenção cobradas pelas administradoras.