Fracassou a tentativa da presidente Dilma Rousseff de manter a presidente da Petrobras, Graça Foster, no cargo até o fim do mês. Numa reunião tensa com Graça anteontem à noite, cinco diretores da estatal se rebelaram e avisaram que estavam renunciando imediatamente aos cargos, contrariando o acordo que ela fizera horas antes com a presidente. Sem o apoio da equipe, Graça telefonou para Dilma por volta das 22 horas de terça-feira para comunicar que todos estavam de saída. Segundo interlocutores, Dilma ficou surpresa ao saber da renúncia coletiva.

Para piorar o quadro, ontem de manhã a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Bolsa de Valores de São Paulo apresentaram à direção da Petrobras um pedido formal de esclarecimento sobre a permanência ou não de Graça à frente da empresa, devido ao efeito dos rumores da demissão no mercado. Graça então mandou que a Petrobras divulgasse uma nota de quatro linhas com o aviso de renúncia. Agora Dilma corre contra o tempo para escolher e anunciar a nova diretoria. A nota enviada à CVM diz apenas: "A Petrobras informa que seu Conselho de Administração se reunirá na próxima sexta-feira (amanhã), para eleger nova diretoria face à renúncia da presidente e de cinco diretores."

Ao deixar a presidência da estatal, Graça sairá também do Conselho de Administração, e já não deverá participar sequer da reunião que elegerá seu sucessor. A reunião será comandada pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que preside o Conselho.

Os diretores que não aceitaram o acordo que Graça tinha fechado com a presidente e tomaram a decisão de antecipar a entrega de seus cargos foram: José Formigli (Exploração e Produção), Almir Barbassa (Finanças), Alcides Santoro (Gás e Energia), José Figueiredo (Engenharia e Serviços) e José Cosenza (Abastecimento). Permanecerão nos cargos o diretor Corporativo, José Eduardo Dutra, que está afastado por licença médica, e o recém-empossado diretor de Governança, João Elek.

- A diretoria se rebelou e não aceitou o acordo que Graça tinha fechado com Dilma (de esperar um pouco mais) - informou uma fonte do governo.

Ações da estatal sobem

Desgastada pelo esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato há quase um ano, Graça já tinha pedido a Dilma para deixar o cargo várias vezes, mas vinha tendo o pedido de demissão recusado sistematicamente. O Palácio do Planalto queria que ela e os diretores ficassem nos cargos até a divulgação do balanço da empresa de 2014. Na terça-feira, em reunião com Dilma durante a tarde, a executiva voltou a pedir para sair e ouviu um apelo para esperar. Assim, haveria tempo para encontrar um substituto.

No entanto, o vazamento da informação das demissões, que levou as ações da Petrobras a subirem 15% ao longo da terça-feira, irritou a cúpula da empresa. Eles afirmaram que não tinha mais sentido permanecerem nos cargos, principalmente com as pressões que a companhia estava sofrendo. E não quiseram mais esperar para tornar a saída oficial. Ontem, as ações da Petrobras chegaram a subir 7% logo após a nota da Petrobras, mas depois ficaram instáveis e o dia terminou com alta de apenas 1,12%.

Dilma não gostou de a Petrobras ter divulgado que 31 ativos da companhia estavam superavaliados em R$ 88,6 bilhões como reflexo da corrupção e ineficiência de projetos, o que acabou gerando mais desgaste com a diretoria da companhia. Durante o encontro com Dilma na terça-feira, Graça contou que os diretores estavam muito insatisfeitos com a situação e que queriam deixar os cargos. Depois de ouvir apelo de Dilma, que disse à dirigente da estatal que não poderia deixar a maior empresa do país "acéfala" e que antes precisaria encontrar um bom substituto que desse credibilidade à empresa num momento tão ruim, Graça aceitou esperar. Mas, ao chegar no Rio, recebeu um não como resposta. Um dos diretores chegou a dizer que a renúncia ocorreria mesmo que Graça decidisse permanecer na presidência.

- Graça chegou ao Planalto querendo ir embora e avisando que a situação entre os diretores da Petrobras era a mesma, ninguém mais queria ficar. Dilma não aceitou. O que aconteceu entre a reunião das duas e a volta de Graça para o Rio foi que os diretores não concordaram com o acordo feito. Somou-se a isso o documento da CVM, ele foi decisivo para a renúncia ser formalizada na manhã de ontem - disse um ministro ao GLOBO.

Com a saída de Graça da Petrobras, Dilma perde seu escudo na defesa das ações do governo junto à estatal. Qualquer executivo que assuma o cargo nesta semana fará questão de deixar claro que não responderá pelo passado, mas apenas pelo futuro da Petrobras. A avaliação de auxiliares da presidente da República é a de que, a partir da semana que vem, assuntos respondidos pela estatal atualmente, ligados à Operação Lava-Jato, acabarão caindo no colo do Planalto.

Na reunião do Conselho de Administração, que será realizada amanhã na sede da Petrobras em São Paulo, os integrantes do grupo também levarão sugestões de nomes para compor a nova diretoria da companhia. Inicialmente, o encontro de amanhã previa apenas a apresentação do novo diretor de Governança, João Elek.

 

 

O difícil equilíbrio entre governo e mercado

 

Pressionada pelas regras de uma empresa de capital aberto, Graça desagradou a Dilma

Alexandre Rodrigues e Glauce Cavalcanti

A dificuldade do governo de considerar as obrigações de uma empresa de capital aberto como a Petrobras contribuiu para a saída de Graça Foster e sua diretoria. Graça vinha se equilibrando entre o papel de executiva respeitada e o de indicada política à frente de uma empresa que tem acionistas privados e é controlada pela União. Enquanto protegia os interesses do governo, ela e seus diretores tinham que cumprir as obrigações de transparência e correção estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Também estava sujeita às regras internacionais. Além da Bolsa de São Paulo (Bovespa), a Petrobras tem ações na Bolsa de Nova York (EUA) e em outros países. A estatal é investigada pela Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Na última reunião do Conselho de Administração, em janeiro, Graça teve um embate com os conselheiros indicados pelo governo, liderados pelo ex-ministro Guido Mantega, sobre a publicação no balanço das estimativas de R$ 88 bilhões em perdas por corrupção e ineficiência. A executiva argumentou que, diante do número apresentado por consultores externos ao Conselho, era obrigação da empresa divulgar ao mercado. Graça foi apoiada pelos outros diretores, especialmente Almir Barbassa, o diretor de Finanças e Relações com os Investidores, que responde legalmente pelas obrigações de informação. Segundo uma fonte presente, diante da resistência, Graça chegou a dizer aos colegas que "chegou a nossa hora", indicando a chance de renúncia coletiva.

O número saiu, mas desagradou a Dilma ao dar um tamanho para a corrupção na estatal que pode ser superestimado. Até mesmo técnicos da Petrobras avaliam que Graça foi precipitada ao divulgar um dado que ainda seria parte da apuração de perdas.

- O que uma empresa faz para calcular perdas é um teste relacionando os fluxos de caixa e os custos para chegar ao valor justo dos ativos, mas não é um número definitivo. Uma 2ª etapa é calcular o valor em uso, que mostra a capacidade de a empresa recuperar as perdas. Isso é o que mais interessa ao investidor - diz Luiz Paulo Silveira, vice-presidente técnico da consultoria Apsis, sem analisar o caso específico da Petrobras.

Também falando em tese, Marta Viegas, conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), explica que é obrigação das empresas abertas divulgar as informações que possam influenciar a cotação das ações ou a decisão dos investidores de exercer qualquer direito sobre os títulos. É o caso da substituição da diretoria.

- Transparência é mais do que informar o obrigatório. O que é relevante para o investidor vai variar de uma empresa para outra - afirma Marta, para quem ainda é preciso melhorar a cultura de governança nas empresas abertas de controle estatal. - Quando o governo controla uma empresa aberta, tem as mesmas responsabilidades de outros acionistas controladores. Está sujeito às mesmas regras.

Os executivos ficam no cargo até que substitutos assumam, mas, legalmente, a renúncia dos diretores tem efeito imediato, explicam advogados. Nem o fato de o balanço estar em aberto sem auditoria externa impede que eles deixem a companhia, nem mesmo o diretor de Finanças. A renúncia, contudo, não os exime de responsabilidades relativas ao balanço pendente, mas a tarefa de apresentá-lo é agora dos novos executivos.