A maior aversão ao risco no cenário externo foi determinante para que a cotação do dólar comercial no Brasil atingisse o maior patamar em quase dez anos. A moeda americana subiu 1,78%, a R$ 2,742, o maior valor de fechamento desde os R$ 2,75 de 23 de março de 2005. E a tendência de alta continua. Na avaliação de especialistas, a volatilidade continuará alta no curto prazo e o real irá recuar ainda mais nos próximos meses. Já o Ibovespa, principal índice do mercado acionário local, subiu 0,69%, aos 49.301 pontos.

Para Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), o cenário externo e os fundamentos da economia do país justificam essa perda de valor do real.

- Essa tendência de desvalorização reflete basicamente os desequilíbrios da economia brasileira. O déficit das transações do Brasil com o exterior chegou a 4,2%. E temos ainda a queda do preço das Commodities , que prejudica a percepção de risco de países exportadores - afirmou, acrescentado que o dólar de equilíbrio, na atual conjuntura, está entre R$ 2,80 e R$ 2,90.

Langoni ressalta ainda que o Brasil passou a atrair menos capital de longo prazo, destinado a investimentos, ficando a mercê de recursos de curto prazo, mais voláteis.

- Cerca de 30% do déficit em conta corrente é negociado por capitais voláteis. Isso influencia muito no câmbio, que fica menos estável - afirmou, acrescentando que a alta do dólar só não é maior porque os juros no Brasil são elevados (a Selic está em 12,25% ao ano), o que atrais capitais mais especulativos.

Segundo Luciano Rostagno, estrategista do Mizuho Bank, a queda forte do preço das Commodities ontem aumentou a percepção de risco em relação ao emergentes que são exportadores de matérias-primas, como o Brasil. O barril do petróleo tipo Brent caiu 5,68% em Londres, a US$ 54,62, enquanto o WTI, negociado em Nova York, despencou 8,12%, a US$ 48,74. Já a tonelada do minério de ferro negociado em Qingdao (China) recuou 1%, a US$ 62,58, voltando ao patamar de maio de 2009.

- Os preços das Commodities começaram a cair mais forte depois do anúncio do estoque de petróleo nos Estados Unidos, que ficou acima do esperado. A percepção é que haverá uma demanda menor - explicou Rostagno, acrescentando que os estoques subiram em 6,3 milhões de barris, para 413,1 milhões de barris.

BC americano e Petrobras no radar

Ainda no campo externo, permanecem a incerteza sobre a situação da Grécia - que fez o euro cair até 1,4% ontem frente ao dólar - e a expectativa com relação à alta dos juros por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), o que retiraria recursos dos emergentes. O Instituto de Finanças Internacionais já afirmou, em estudo divulgado no mês passado, que o fluxo de investimentos estrangeiros nos mercados emergentes deve recuar em 2015, pelo segundo ano consecutivo, em decorrência da ação do Fed.

Já a equipe de mercados emergentes do Citibank afirmou, também em janeiro, que várias economias correm o risco de perder o grau de investimento nos próximos dois anos - como Brasil, Rússia, África do Sul e Turquia.

E os dados da economia brasileira não ajudam. Hideaki Iha, operador de câmbio da Fair Corretora, lembra que também houve uma correção em relação ao pregão de terça-feira, quando o dólar caiu sem respaldo em fundamentos - o gatilho para a queda foi a expectativa com a saída de Maria das Graças Foster da Petrobras. Ontem, o real teve a maior perda frente ao dólar entre 16 moedas acompanhadas pela Bloomberg News.

- A queda de terça-feira, de 0,77%, foi exagerada. A tendência para o dólar é de alta no mundo todo. E internamente não tem nada bom, a balança comercial está ruim, as contas públicas também. E o ministro Joaquim Levy (Fazenda) já avisou que o governo não irá manter o dólar artificialmente valorizado - disse Iha, para quem dificilmente a moeda irá se fixar abaixo dos R$ 2,70.

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) foi dominada ontem pela renúncia de Graça Foster e pelo anúncio de que o Conselho de Administração da Petrobras se reúne amanhã para escolher os novos diretores. As ações da estatal chegaram a subir mais de 7% pela manhã, mas depois perderam força.

As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da estatal subiram 0,20%, a R$ 10,02, e as ordinárias (ON, com voto) registraram valorização de 1,12%, a R$ 9,90 - na véspera, os papéis subiram mais de 15%. Para Elad Victor Revi, analista da Spinelli Corretora, os investidores esperam por mudanças, daí a forte volatilidade nas ações da Petrobras:

- Entendo que o mercado trabalha na expectativa de mudança, mas eu ainda considero muito cedo para especular sobre quais poderiam ser essas mudanças e o impacto disso na companhia.

Analistas ressaltam que, apesar da alta, a empresa enfrenta um momento difícil. Relatório da Yield Capital aponta como entraves à Petrobras "alto endividamento, problemas para liberação do balanço e possibilidade de execução antecipada de parte de sua dívida, possível perda do grau de investimento, o que dificultará novas captações, e a queda no preço do petróleo."

 

Aumenta a aversão a risco de investidores estrangeiros com o Brasil

Resultado fiscal ruim de 2014 e crise na Petrobras trazem preocupação

 

 

As dúvidas que cercam a capacidade de o país driblar os obstáculos políticos para levar adiante o ajuste fiscal, a crise sem fim na Petrobras e um cenário externo desfavorável estão fazendo com que os indicadores de risco do Brasil oscilem em patamar muito próximo das máximas alcançadas no pós-crise de 2008 e 2009. Os Credit default swaps (CDS), títulos de cinco anos que funcionam como um seguro contra o calote da dívida soberana do país, chegaram a 236 pontos na segunda feira, e ontem era cotados a 222 pontos, bem acima do valor médio de 2014, de 163 pontos.

Outro indicador do risco-Brasil, o Embi+ (Emerging Markets Bond Index Plus), calculado pelo banco JPMorgan, que calcula quanto os papéis brasileiros pagam acima dos títulos do Tesouro americano, estava ontem em 300 pontos, também acima da média, de 228 pontos, de 2014. Em ambos os casos, quanto mais baixos esses indicadores, mais confiança os investidores estrangeiros têm no país.

- Houve uma tensão forte na última sexta-feira, quando os resultados fiscais do governo em 2014 vieram bem piores que o esperado. E os problemas da Petrobras certamente afetam a credibilidade do país - diz Rodolfo Oliveira, economista da Tendências Consultoria.

Outra referência usada pelos economistas para avaliar se o risco-Brasil está muito alto é compará-lo ao de outros países da América Latina. A Tendências observa o CDS médio de Chile, México, Colômbia e Peru, que são as economias mais sólidas da região. E essa diferença, que em condições normais varia entre 10 e 15 pontos, foi de 72 pontos na média em 2014. Este ano, está em 82.

- As medidas de ajuste fiscal ajudaram a melhorar o índice, mas há desafios políticos consideráveis para levar o ajuste adiante - observa.

Leonardo Monoli, sócio responsável pela gestão dos fundos da Jive Investments, nota que os CDS de Brasil e México vinham "alinhados" até junho de 2014, e hoje o prêmio de risco brasileiro está o dobro do mexicano. Entre as razões para a deterioração do indicador do país, ele vê a crise da Petrobras, que chegou a um ponto muito "além de qualquer limite imaginável pelos analistas".

- O mercado não quer mais acreditar em palavras, não adianta só pôr o Levy (na Fazenda). O mercado deve esperar até março para ver o fechamento dos dados fiscais, que têm de apresentar uma melhora mínima, que seja - diz Monoli, que acredita que um novo rebaixamento da Petrobras pelas agências de rating pode levar o país a perder o grau de investimento.

Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora, concorda que o governo assumirá o risco da Petrobras em caso de rebaixamento. Mas fatores externos, como a alta dos juros nos EUA, a crise na Grécia e a desaceleração da China complicam o cenário.