Um dia após sofrer derrota acachapante na eleição para a presidência da Câmara, o PT lavou a roupa suja ontem nas redes sociais. Ao avaliar erros cometidos na condução do processo, o ex-deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP) e Fernando Ferro (PT-PE) deixaram claro o clima ruim no partido, pelo Twitter. "O PT fica fora da mesa (diretora da Câmara) e das principais comissões por incompetência da articulação política do governo e do próprio PT na Câmara", escreveu Vaccarezza.

Ferro não gostou e reagiu com ironia, explorando a proximidade entre Vaccarezza e o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Calma, Vaccarezza, pareces não esconder um certo contentamento?"

Vaccarezza, então, cobrou respeito do colega. "Calma, você me conhece, não me falte com o respeito. Não fica bem para a nossa história". E Ferro defendeu que esse debate seja feito na reunião do Diretório Nacional do partido, quinta-feira, em Belo Horizonte.

No Facebook, a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que já tinha feito críticas pesadas ao partido e ao governo Dilma, voltou a criticar o PT ontem, afirmando que a eleição de Cunha para a presidência da Câmara é prenúncio de crise entre o Planalto e o Congresso. Marta classificou a articulação política comandada pelo governo como um intervencionismo "indevido e atrapalhado".

"Sob a batuta do estreitamento e da falta de sensibilidade, o PT submeteu-se a uma derrota inusitada na eleição da mesa da Câmara. O intervencionismo do governo, indevido e atrapalhado, impôs a si próprio o papel de perdedor antecipado. Prenúncio de crise e dificuldades com o Congresso Nacional", escreveu Marta.

Na semana passada, em artigo publicado no jornal "Folha de S.Paulo", Marta fez duros ataques ao governo. Ela havia criticado a "falta de transparência" do governo, que teria levado a economia a uma "situação de descalabro", e ironizou a declaração de campanha da presidente de que não mexeria em direitos trabalhistas "nem que a vaca tussa".

Antes do artigo, ela disse, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", que ou "PT ou muda ou acaba". As declarações suscitaram especulações sobre uma possível saída da senadora do partido.

Já o ex-senador Eduardo Suplicy (PT), novo secretário de Direitos Humanos de São Paulo, recomendou que Cunha visite o Papa Francisco e ouça suas reflexões a respeito aos direitos humanos e da cidadania.

- Acredito que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deve estar atento às lições e palavras do Papa Francisco, que têm sido tão generosas e sábias. Quem sabe ele possa fazer uma visita ao Papal - afirmou Suplicy após sua posse na Prefeitura.

Haddad prega diálogo

O secretário também disse que as manifestações populares serão ainda mais importantes a partir de agora:

- Dada a composição bastante conservadora (da Câmara), é muito importante que haja sempre as manifestações em defesa aos direitos humanos.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse que "boa vontade e diálogo" podem superar eventuais dificuldades com a eleição de Cunha:

- Do que conheço do Congresso, as questões são superáveis com boa vontade, diálogo. Tendo uma agenda de trabalho, as coisas se recompõem. Nunca tive maioria na Câmara Municipal e tenho aprovado meus projetos em função da agenda.

 

 

Defensores de minorias criticam vitória de Cunha

 

Eleição de evangélico preocupa bancadas que trabalham pelas mulheres e pelos gays

 

Evandro Éboli

A ascensão de Eduardo Cunha à presidência da Câmara foi alvo ontem de duras críticas de parlamentares que atuam na área de direitos humanos e defensores de projetos ligados à causas homossexuais, ao aborto, reforma agrária, questões indígenas e políticas para as mulheres. Atuante na defesa de causas LGBT, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi muito crítico e duro com a vitória do peemedebista e se manifestou nas redes sociais.

"O mal - a mais abjeta política - venceu em 1º turno para a presidência da Câmara. Inicia hoje a idade das trevas no parlamento", escreveu Wyllys.

Cunha rebateu:

- Não vou polemizar com opiniões pessoais. Penso diferente dele, tenho certeza que estamos no tempo da luz.

Evangélico ligado à Sarah Nossa Terra, Cunha obteve o apoio integral das bancadas evangélica e católica da Casa. Em troca, esses parlamentares têm a garantia de que Cunha colocará na pauta propostas como o Estatuto do Nascituro - que restringe a prática do aborto - e o Estatuto da Família, que, entre outros pontos, proíbe casal gay de adotar criança.

- Votamos em peso nele e temos certeza de que nossos temas e projetos serão contemplados - disse o deputado João Campos (PSDB-GO), coordenador da frente evangélica.

Ex-ministra dos Direitos Humanos no governo Dilma, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) também está preocupada com a condução de Cunha sobre os temas relacionados a área, mas foi cautelosa:

- O novo presidente da Câmara não pode se esquecer que existem os segmentos mais vulneráveis, como as mulheres e a população LGBT. O presidente é um homem muito religioso e temos certeza que ele irá respeitar que a Câmara é um espaço laico.

Em reação aos defensores da criminalização da homofobia, Cunha chegou a apresentar projeto que criminalizava a discriminação contra os heterossexuais. A heterofobia, como ele diz.

A eleição de Cunha também preocupa a bancada feminina da Câmara. As 51 mulheres eleitas deputadas vão atuar, a partir de 2015, como bloco e, para isso, a coordenadora da bancada, Jô Moraes (PCdoB), encontrou-se ontem com o presidente para entregar a plataforma de atuação e pediu uma reunião com Cunha.

A bancada feminina quer votar de forma independente de seus partidos, se for necessário, temas de grande importância para os direitos das mulheres para enfrentar o bloco conservador do Congresso. Mesmo com a campanha de cotas, o número de mulheres na Câmara teve um aumento pequeno: passou de 45 em 2010 para 51.