Título: Duelo de gigantes no varejo
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2011, Economia, p. 10

Em briga por causa das negociações do grupo Pão de Açúcar para comprar a rede Carrefour, empresário Abílio Diniz e o sócio francês Jean-Charles Naouri contratam ex-ministros da Justiça dos governos de FHC e de Lula

Aos poucos, o exército que estará na guerra jurídica entre o Grupo Pão de Açúcar e seu sócio, a rede varejista francesa Casino, vai se formando. O empresário Abílio Diniz contratou ontem o criminalista Márcio Thomaz Bastos. Foi um contra-ataque rápido ao adversário, Jean-Charles Naouri, que anunciou dois dias antes que teria ao seu lado o também advogado criminalista José Carlos Dias. As coincidências não param por aí. Ambos são ex-ministros da Justiça, órgão onde se travará uma das principais batalhas do meganegócio que resultará após a fusão com o Carrefour . É o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), subordinado à pasta e que analisa casos de concorrência, que dará a palavra final sobre o negócio, que pode resultar em concentração em torno de 30% do mercado varejista de alimentação no Brasil.

Naouri, do grupo Casino, quer impedir a negociação do sócio com seu rival, porque perderá espaço na nova empresa que vai resultar da união. Hoje, ele detém 43% do capital total do Pão de Açúcar, participação engordada depois do lote grande de papeis comprados na Bolsa de Valores de São Paulo, anunciada na noite da última quarta-feira. Além disso, o empresário francês também perderá o direito de indicar o nome para comandar o grupo Pão de Açúcar no ano que vem, conforme acordo estabelecido em 2005 entre os acionistas.

Thomaz Bastos comandou a pasta durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e era considerado uma das vozes mais influentes do governo. Mesmo após sua saída no início de 2007, sempre que o tempo fechava no Palácio do Planalto por causa de crises políticas geradas por denúncias de corrupção, como no caso da ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra, Bastos era chamado para apagar o incêndio. Já José Carlos Dias foi ministro da pasta do Cade no governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2000.

Diante desse cenário, os maiores jornais franceses já estão classificando o embate como "homérico". Nos bastidores, especialistas consideram a contratação da dupla essencial para definir o futuro dos negócios do Grupo Pão de Açúcar. Além do problema no Cade, pode haver batalhas também na área societária e criminal, motivadas pelo vazamento de informações confidenciais durante a investida de Diniz. Na semana passada, a justiça francesa apreendeu 150 documentos do Carrefour, atendendo a um pedido da Casino, que já desconfiava da existência de conversas entre seu sócio no Brasil e seu principal rival na Europa. Pelo menos 22 desses documentos tinham informações sobre a negociação.

Os atritos públicos entre o empresário brasileiro e o Casino nos últimos dias mostram que os desafios de Bastos e Dias no caso serão gigantes. "Tudo isso é uma briga que envolve, essencialmente, uma disputa pelo poder e que tem até traços de vaidade de um rei que não quer abandonar o trono. Por isso, estão contratando profissionais de altíssimo nível", disse um advogado especialista em fusões empresariais. "Quando fez a parceria com os franceses, o Pão de Açúcar não estava em situação tão boa como a de hoje. Agora, Diniz está se apegando a todo tipo de estrutura para manter o controle da empresa", comentou.

Interesses Caso o negócio seja concretizado, a empresa resultante da união entre Pão de Açúcar e Carrefour pode ter faturamento de até R$ 65 bilhões. Isso vai depender das eventuais restrições que o Cade pode impor para aprovar a união. Já há um histórico no órgão antitruste de analisar supermercados regionalmente. "Se for preciso, o Cade vai analisar bairro por bairro, para descobrir onde será preciso vender lojas, centros de distribuição e outros ativos. É quase impossível que isso passe sem alterações pela autarquia", afirmou um especialista.

Se por um lado o Cade pode barrar a operação, outros órgãos do governo torcem para que isso não aconteça ¿ por mais contraditório que isso pareça. A negociação só acontecerá se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovar o pedido de capitalização para o Novo Pão de Açúcar (NPA), empresa que será criada após a concentração, e que deve receber até R$ 3,9 bilhões. O negócio inteiro é estimado em R$ 4,5 bilhões. Mas, de acordo com especialistas, isso não deve interferir na decisão do Cade. "O governo sabe que o investimento é uma aposta de risco, principalmente porque o negócio pode ter restrições, devido à concentração altíssima de mercado em algumas localidades", disse José Del Chiaro, ex-secretário de Direito Econômico.

Chance do jatinho Para Márcio Thomaz Bastos, o êxito na salvação dos negócios de Abílio Diniz pode também ser a chance de realizar um sonho: a compra de um avião particular. O advogado faz constantes viagens a outras cidades, mas não gosta de utilizar os voos comerciais tradicionais. Bastos já declarou que gostaria de comprar um jatinho, mas ressaltou que "era apenas um advogado, não teria dinheiro para isso".