O foco da opinião pública mundial e de autoridades que combatem o avanço do ultrarradicalismo islâmico tem se concentrado nos conflitos no Oriente Médio, onde o Estado Islâmico avança sobre o Iraque e a Síria; e nas ações terroristas de grupos como a al-Qaeda no Ocidente, como no recente atentado contra os jornalistas do semanário francês “Charlie Hebdo”. Ainda não ganhou a devida atenção, porém, o avanço do grupo jihadista Boko Haram, que já controla boa parte do Norte da Nigéria, país que quer transformar num Estado muçulmano regido pela sharia, a lei islâmica.

Após sua independência do Reino Unido, em 1960, a Nigéria passou por ditaduras e guerra civil, inaugurando um regime relativamente democrático apenas após as eleições de 2011. Grande produtor de petróleo e membro da Opep, a Nigéria é hoje a maior economia do continente, com um PIB de US$ 510 bilhões. Com baixo endividamento, é considerado um importante emergente com prognóstico de se tornar uma das 20 nações mais prósperas do mundo até 2050. Também é o país mais populoso da África, com cerca de 180 milhões de habitantes, repartidos em 500 etnias, sendo as principais os grupos iorubá, hauçás e ibos. Apesar de sua riqueza, boa parte da população vive na miséria, dividida entre cristãos, ao sul, e muçulmanos, ao norte.

O Boko Haram surgiu em 2002 como uma seita extremista, pregando contra o Estado laico e a influência ocidental. Seus jihadistas conseguiram impor uma espécie de califado em vários estados da Região Norte, por meio de uma violência sistemática que ameaça se espalhar por toda a África Ocidental. O avanço recente, inclusive o rapto de 276 meninas de uma escola na cidade de Chibok, no Norte, revela que o grupo deixou de ser meramente uma força regional, possuindo ligações com grupos radicais islâmicos internacionais. Sua expansão já preocupa os países vizinhos, Chade, Benin, Camarões e Níger, que tentam proteger suas fronteiras. No último sábado, forças de segurança conseguiram rechaçar uma ofensiva do Boko Haram na estratégica cidade de Maiduguri, capital do estado de Borno. Na ação, impressionou o poderio da artilharia do grupo terrorista.

Coração cultural da África, a Nigéria é um campo de batalha tanto militar como simbólico. O dramaturgo nigeriano Wole Soyinka, de origem iorubá, disse ao GLOBO que o Boko Haram é composto por “um bando de homicidas com uma visão distorcida do Islã”. Já o músico Femi Kuti, herdeiro de uma tradição de luta por direitos civis, diz que, se a Nigéria cair, toda a África cairá.

Em meio a esse quadro, no próximo dia 14, a Nigéria fará eleições gerais. O presidente Goodluck Jonathan tenta a reeleição pelo Partido Democrático Popular (PDP). Seu principal adversário é Muhammadu Buhari, do Congresso de Todos os Progressistas, mas os maiores obstáculos de Jonathan são justamente o fracasso no combate ao Boko Haram, o alto grau de corrupção das instituições do país e a pobreza generalizada.