Indústria despenca 3,2%

Correio Braziliense - 04/02/2015

Apesar da ajuda do governo, a retração do consumo levou a produção do setor a ter em 2014 o terceiro pior resultado em 30 anos. Fábricas podem sofrer novo baque em 2015, sobretudo se houver racionamento de água e de energia

DECO BANCILLON

A indústria teve um 2014 para esquecer. No último ano do primeiro mandado da presidente Dilma Rousseff, a produção do setor que mais contou com a ajuda do governo teve retração de 3,2%. É o terceiro pior desempenho em três décadas, segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas em dezembro, a queda foi de 2,8% em relação ao mês anterior - o mais baixo resultado desde setembro de 2009.
Apenas em duas ocasiões, a retração na atividade industrial havia sido mais intensa: justamente em 2009, quando o país ainda tentava superar a crise financeira mundial, e em 1990, quando a indústria sofreu um baque após a abertura comercial implementada de chofre no governo Collor, que reduziu o consumo e procurou aumentar as importações para forçar a queda da inflação.

Não por acaso, duas décadas e meia depois, a carestia ainda é responsável por boa parte dos problemas da indústria. Após cinco anos de inflação elevada, que subiu desde 2009 sempre acima da meta, de 4,5%, a renda das famílias se esgotou e travou o consumo. Para completar, os juros altos e a escassez de linhas de crédito tornaram difícil a vida de quem tentou financiar bens mais caros no banco, como automóveis.

A queda do consumo e a perda de competitividade frente a concorrentes estrangeiros, combinadas com a fraca recuperação de parceiros comerciais importantes, como a Argentina, levaram a produção de veículos a cair 16,8% em 2014 - a maior retração entre os setores analisados. A crise do setor automotivo foi tão intensa que afetou o resultado das três categorias de produtos industriais monitorados pelo IBGE, conforme explicou o gerente da pesquisa, André Macedo.

As fábricas de bens intermediários, a exemplo do plástico e do aço, registraram perda de 2,7% em 2014 diante da queda dos pedidos das empresas de autopeças. Já as indústrias de consumo durável, como as montadoras, tiveram queda de 9,2% na produção, com o sumiço de clientes nas concessionárias. O desempenho só não foi pior do que o registrado pelas empresas que produzem máquinas e equipamentos (especialmente tratores e caminhões), que registraram perdas de 9,6% durante o ano passado.

Tombo disseminado

Não foi só a indústria automotiva que sofreu os efeitos da desaceleração no consumo. Vinte das 26 atividades pesquisadas pelo IBGE registraram queda na produção no ano passado. Os resultados foram tão ruins que a maioria dos analistas já projeta perdas igualmente fortes em 2015, sobretudo com a ameaça de racionamento de energia e de água, que deve atingir duramente os principais polos industriais do país - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Banco de Tokyo-Mitsubishi UFJ prevê novo recuo, de 2,5% . O consenso no mercado financeiro, no entanto, ainda é de uma leve recuperação, de 0,5%, conforme o boletim Focus, divulgado pelo Banco Central.

Seja como for, assinalou a economista-chefe da Rosenberg Associados, Thaís Marzola Zara, nada indica uma recuperação a curto prazo. "Será mais um ano perdido para a indústria", decretou. Ela cita os juros altos, o mercado enfraquecido e o alto endividamento das famílias como os principais motivos para o quadro sombrio para o setor.

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Demissões continuam, diz CNI

Correio Braziliense - 04/02/2015

DIEGO AMORIM
 

A indústria brasileira continuará dispensando trabalhadores em 2015, o que ameaça a estabilidade do nível de emprego no país - principal bandeira política da presidente Dilma Rousseff na área econômica. No ano passado, os empresários do setor demitiram mais do que contrataram: o indicador registrou queda de 0,7% em relação a 2013, segundo divulgou ontem a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Foi o pior desempenho desde 2009, quando o Brasil tentava sair da crise mundial.
Com o consumo das famílias sufocado pela inflação e pelo aumento dos juros, a indústria perdeu fôlego de vez. Os pífios investimentos, somados a uma competição feroz com produtos importados, empurraram o setor para um clima de recessão que deve piorar neste primeiro semestre de 2015, na avaliação da CNI. "É um quadro bastante negativo e preocupante", resumiu o gerente de Políticas Econômicas da confederação, Flávio Castelo Branco.

As medidas do governo federal na intenção de ressuscitar a economia brasileira - como o aumento de tributos - poderão surtir efeito a longo prazo, avalia a CNI, mas, de imediato, dificultarão ainda mais a retomada da indústria. Por ora, reforça Castelo Branco, as expectativas de a atividade esboçar qualquer reação estão distantes. "A estimativa é de agravamento da situação da indústria", disse, apostando que o país perderá o grau de investimento conferido pelas agências de classificação de risco.

As crises hídrica e energética - sobretudo em São Paulo, importante polo industrial do país - estavam fora do radar e podem turbinar o drama dos industriais, com impacto direto no nível de emprego. A utilização da capacidade instalada - indicador que mostra se a fábrica está explorando todo o potencial - diminuiu 1,3% em 2014: o pior resultado em cinco anos. A indústria chegou a dezembro com o indicador em 81%, 0,9 ponto percentual abaixo do registrado no fim de 2013.

Contração

O faturamento em declínio - também o mais fraco desde 2009 - reforça a tendência de contração da atividade. Os setores de veículos automotores e de metalurgia, de acordo com a metodologia da CNI, foram os que mais sentiram o baque do desaquecimento da economia no ano passado, com recuos de 12,5% e de 11,6%, respectivamente, ante 2013. Atreladas ao consumo das famílias, as indústrias de bebidas (-6%), vestuário (-4%) e couros e calçados (-4,9%) também mostraram retração significativa.

As horas trabalhadas na produção em 2014 caíram 3,7%, o pior desempenho da década, com exceção de 2009, evidenciando o baixo ritmo da atividade. Em dezembro, a massa salarial real apresentou queda pelo quarto mês consecutivo, embora no balanço do ano a variação tenha se mantido positiva em 1,5%. O rendimento médio dos trabalhadores da indústria subiu 2,3% em 2014, em termos reais. Na avaliação da CNI, o resultado reflete certa inércia nos reajustes de salários.

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Nem o social escapa da tesoura

Correio Braziliense - 04/02/2015

ROSANA HESSEL
 

A nova equipe econômica da presidente Dilma Rousseff pretende passar um pente-fino em todos os projetos do governo, inclusive os sociais, para efetuar os cortes no Orçamento deste ano. O recém-criado Grupo de Trabalho Interministerial para Acompanhamento de Gastos Públicos (GTAG) tem como objetivo detalhar o contingenciamento que deverá ser anunciado tão logo o Congresso Nacional aprove a proposta orçamentária de 2015.
A primeira reunião do grupo foi realizada ontem para definir os primeiros passos. Os secretários executivos dos ministérios do Planejamento, Dyogo Oliveira, da Fazenda, Tarcísio Godoy, e da Controladoria-Geral da União (CGU), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, além do assessor especial da Casa Civil Marco Antonio de Oliveira, integram a lista de titulares.

Oliveira informou que o corte no Orçamento não será linear, a exemplo dos anos anteriores, e o foco será na eficiência dos gastos. "Todos os programas de governo serão analisados. Vamos avaliar. Provavelmente, grande parte pode não ser alterada", explicou. Ele e a secretária do Orçamento Federal do Planejamento, Esther Dweck, fizeram questão de destacar que o Bolsa Família não sofrerá perdas. "O programa não é passível de contingenciamento", afirmou Esther.

No entanto, a dupla não listou quais serão os programas prioritários que estarão na mesma situação. "O governo não mudou as suas prioridades da noite para o dia. Os cortes serão coerentes com essas prioridades e o grupo vai analisar todos os programas. Mas, agora, não sabemos antever a conclusão", ressaltou a secretária.

Apesar de o Planejamento não admitir que haverá tesouradas em investimentos e em verbas de programas sociais, especialistas consideram inevitável dado o enorme buraco nas contas públicas. Após registrar um deficit histórico de

R$ 32,5 bilhões em 2014, o governo ainda precisará muito mais do que simplesmente aumentar impostos, como vem fazendo, para cobrir esse rombo e ainda cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) deste ano, de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 66,3 bilhões.

Ajustes

Pelos cálculos do especialista em contas públicas Felipe Salto, o corte no Orçamento deverá alcançar R$ 65 bilhões, tarefa que não será fácil porque o espaço para isso é de 10% no total dos gastos previstos para o ano, referente às despesas discricionárias. Essa rubrica é de R$ 294,9 bilhões, sendo que R$ 65 bilhões se referem ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao Minha Casa Minha Vida.

"Será necessário cortar cerca de R$ 40 bilhões do PAC e renegociar contratos. Se fosse apenas para aumentar impostos, Dilma não precisaria de um "Chicago Boy"", ressaltou Salto, se referindo ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O chefe da equipe econômica tem perfil ortodoxo, substituindo o heterodoxo Guido Mantega para recuperar a credibilidade perdida com o antecessor, que deixou uma herança maldita de R$ 226 bilhões de restos a pagar.

Oliveira, do Planejamento, informou que o grupo de trabalho também tem como objetivo elaborar o Plano de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2016 e o Plano Plurianual (PPA) de 2016 a 2019. Segundo ele, os restos a pagar herdados de 2014 não estão na pauta de discussões. "O objetivo é olhar os gastos para frente", afirmou.