Em meio ao quadro de grandes incertezas na economia global, o Brasil vai amargar rombos históricos nas contas externas neste ano e no próximo. Ontem, o Banco Central (BC) revisou para cima a previsão do deficit nas transações com o exterior em 2014, passando a prever um buraco de US$ 86,1 bilhões, o maior da história. Confirmado esse número, o saldo negativo acumulado nos quatro anos do primeiro governo da presidente Dilma Rousseff chegará a assustadores US$ 274 bilhões - cinco vezes mais do que os US$ 54,7 bilhões registrados em oito anos da administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

É uma situação que deixa a economia fragilizada. Somente nos últimos 12 meses, a diferença entre o que o país pagou e o que recebeu nas transações de comércio, serviços e rendas com o exterior, chegou a US$ 88,6 bilhões. O valor representa 4,05% do Produto Interno Bruto (PIB), o índice mais elevado desde 2001. É um nível observado normalmente em economias em crise. Não é a toa que o Brasil, ao lado de Índia, África do Sul, Turquia e Indonésia, figura na lista das cinco nações com maiores desequilíbrios nas contas-correntes, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesse grupo, conhecido como os "cinco frágeis", o país é o que apresentou a deterioração mais acentuada nos últimos anos. 

O diretor do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, explicou que a piora nas estimativa do BC, que previa, até agora, um deficit de US$ 80 bilhões em 2014, ocorreu porque, mesmo com a atividade econômica estagnada, o Brasil deverá fechar o ano com um saldo negativo de US$ 2,5 bilhões na balança comercial, que contabiliza as exportações e as importações. A previsão é superior à dos analistas de mercado, para os quais a conta será de US$ 1,6 bilhão. O desequilíbrio comercial, o primeiro que o país amarga desde 2000, deve-se, segundo Maciel, à "desvalorização de commodities com peso importante nas exportações brasileiras, como minério de ferro, além do saldo negativo na conta petróleo". 

Em novembro, especificamente, as contas externas tiveram o pior resultado para o mês em toda a série história do BC, iniciada em 1995: um deficit de US$ 9,33 bilhões. Em dezembro, deverão ser mais US$ 6,2 bilhões. O problema seria um pouco menos grave se o país estivesse recebendo investimentos diretos do exterior (IED), recursos de longo prazo, em volume suficiente para cobrir o rombo anual. Pelas projeções da autoridade monetária, contudo, entrarão na economia este ano US$ 63 bilhões em IED. Será preciso contar com US$ 23 bilhões em capitais especulativos aplicados no mercado financeiro, que podem deixar rapidamente o país em situação de crise. 

No mês passado, investidores estrangeiros retiraram US$ 389 milhões de títulos de renda fixa brasileiros. Em dezembro, até o dia 17, a saída decuplicou, atingindo US$ 3,352 bilhões, ou seja, o país está vulnerável, num momento em que a crise na Rússia, a desaceleração da China e a perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos criam um cenário desfavorável aos países emergentes. "É natural o movimento de fuga de capitais. Está todo mundo em compasso de espera para os próximos meses", afirmou Samy Dana, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. "Se houver maior aversão ao risco, isso poderá afetar fluxos financeiros e, em última análise, a entrada de investimento estrangeiro direto no país, que ainda enfrenta todos os problemas da Petrobras", avaliou o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências. 

Dívida 

Para os especialistas, o primeiro ano da nova equipe econômica do governo vai ser difícil. O próprio BC prevê para 2015 deficit em transações correntes de US$ 83,5 bilhões, um pouco menor que o deste ano, graças a um pequeno superavit na balança comercial, de US$ 6 bilhões, produzido pela desvalorização do real. Pelas estimativas da autoridade monetária, o IED chegará a US$ 65 bilhões no próximo ano, volume ainda insuficiente para produzir uma situação confortável nas contas externas. 

Além disso, a escalada do dólar, que avançou 20% só nos últimos três meses, traz uma preocupação a mais: a dívida externa bruta do país, que era de US$ 352 bilhões em 2010, chegou a US$ 551,8 bilhões em novembro, um aumento de 57% em quatro anos. Quem mais deve são os bancos - US$ 152 bilhões. Empresas não financeiras respondem por US$ 118 bilhões. Operações entre matrizes e filiais somam US$ 206 bilhões.