Transmitida também pelo mosquito da dengue, a chikungunya raramente evolui para casos graves, mas provoca inchaços e dores fortes  (Thierry Roux/AFP - 23/12/05)

Transmitida também pelo mosquito da dengue, a chikungunya raramente evolui para casos graves, mas provoca inchaços e dores fortes

 (Brenda Borges/Secretaria de Saúde de Oiapoque)

 

Nas últimas semanas, se levantar tornou-se um martírio para a funcionária pública Silviane Brenda da Silva Pires, 27 anos; o irmão dela, Lucas Leite, 14 anos; e o filho, Taylor Pires, 11 anos. As dores são fortes, quase não os deixam ficar em pé. Os três estão com chikungunya, conhecida como prima da dengue. No Oiapoque, onde moram, já houve pelo menos 500 casos da doença em pouco mais de três meses. O local está em epidemia, junto de Feira de Santana (BA), mesmo antes de o maior período de transmissão, que é o verão, chegar. Além do ineditismo da doença, o município vê o surgimento de outro quadro: segundo a Secretaria de Saúde, já houve registros de pessoas diagnosticadas com dengue e com o chico como o mal foi apelidado simultaneamente.

Como a dengue, a chikungunya é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. A pouco mais de duas semanas do início do verão, o governo promoveu ontem o dia D de mobilização contra a doença, divulgando formas de prevenir o vetor ou, caso ele já esteja presente, matá-lo. Um dos receios é de que haja uma epidemia da doença nos próximos meses, marcados pela chuva. Segundo o Levantamento Rápido por Infestação por Aedes Aegypti (LIRAa), feito pelo Ministério da Saúde, 137 municípios brasileiros estão em situação de risco para a epidemias de dengue e de chikungunya, 659 em alerta e 1.028 cidades têm índice satisfatório.

Segundo o último boletim divulgado, até o último dia 15, já tinham sido registrados 1.293 casos autóctones (transmitidos dentro do Brasil) e 125 importados. Do total, 531 notificações foram no Oiapoque e 563, em Feira de Santana (BA). Quase 200 casos autóctones ocorreram em Riachão do Jacuípe (BA), um em Matozinho (MG), um em Pedro Leopoldo (MG) e outro em Campo Grande (MS). Números mais atualizados da Secretaria de Saúde de Feira de Santana, entretanto, mostram que já houve pelo menos 718 notificações da febre na cidade, que fica a cerca de 120km de Salvador.

O elevado número de casos se associa a um outro problema: o desconhecimento da população sobre a doença. Os sintomas são semelhantes aos da dengue, com febre e manchas pelo corpo. Mas, apesar de dificilmente evoluir para casos graves, a enfermidade pode ser debilitante por conta das dores articulares que ocasiona. 

A servidora pública Silviane, por exemplo, contraiu a doença faz um mês e até hoje sente dores fortes. O sintoma vem de uma hora para a outra. Fui almoçar em casa e costumo dormir um pouco depois de comer. Eu deitei e quando levantei para trabalhar de novo não consegui ficar em pé. A dor era absurda, conta. Ela ficou uma semana de cama e voltou ao trabalho. Duas semanas depois, porém, ela constatou que o filho e o irmão estavam com muita febre e manchas na pele. A dor que sentiu havia voltado. Resultado: os três ficaram de cama. 

As crianças se recuperaram, mas a servidora segue com dores intermitentes. Teve de tomar soro, porque ficou desidratada. Tudo que comia, vomitava. Fiquei sem forças para nada, disse. Já Maria do Socorro, 55 anos, está há pouco mais de um mês com dores. Ela foi diagnosticada com chikungunya no fim de outubro e, desde então, trabalhar tornou-se um grande sacrifício. Funcionária de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde é auxiliar de limpeza, Socorro ficou ausente do serviço por mais de um mês. Faço o que posso no trabalho. Chego de manhã, fico até o meio-dia e depois, quando vou para casa, deito, porque é o que consigo fazer, diz.

Socorro faz parte do grupo com tendência a ter as dores prolongadas, devido a uma artrite, agravada pela chikungunya. Dói o joelho, as mãos, os pés e o braço. São os lugares que mais incham, diz. No trabalho de Socorro, o médico e a outra colega da limpeza pegaram a doença. Em casa, o marido e a filha também foram contaminados. 

Integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia, Pedro Tauil diz que as dores fortes podem se prolongar por até três anos, mas em uma parcela pequena dos infectados. Não se sabe ao certo se são 10% ou 20% dos casos em que isso acontece. Até porque há fatores de prognósticos, que são artrites, ou quando a pessoa é idosa.

Fisioterapia
Segundo a coordenadora do Departamento de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Oiapoque, Geany Borges, pelo menos 16 pessoas estão fazendo fisioterapia, em função da ckikungunya, no sistema público de saúde. Quando a dor não cessa, essa é a forma de tratar a doença. De acordo com ela, os sintomas mais relatados são o desconforto intenso nas articulações e dificuldades para caminhar, que aparecem 24 horas após a picada do mosquito. Segundo Geany, o número de atestados médicos expedidos devido à doença tem aumentado consideravelmente.

De acordo com ela, já houve casos de pessoas que contraíram a chikungunya e dias depois positivaram para dengue. O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Ricardo Lourenço, especialista em Aedes aegypti, explica que os vírus das duas doenças são muito distantes, por isso é possível ter ambas, principalmente quando o mosquito é endêmico. Segundo ele, na Ásia e na Índia, houve descrições detalhadas sobre a transmissão concomitante. Um mesmo mosquito infectado também pode transmitir as duas numa mesma picada.

O Ministério da Saúde informou que a coinfecção não acontece com frequência, apesar de possível. O contágio das duas doenças, no entanto, não torna o caso mais grave. A pasta também destacou que, se a pessoa tiver contraído dengue nos meses anteriores, o teste pode dar positivo por ainda haver resquícios do vírus no corpo.


Sem confusão
Um dos desafios, segundo o Ministério da Saúde, é fazer com que médicos não confundam as duas doenças e deem diagnósticos errados. Isso porque a dengue pode evoluir para casos graves chamados de dengue hemorrágica. Se não for tratada rapidamente, pode levar à morte. Normalmente, a evolução do caso acontece quando a pessoa é infectada pela segunda vez. A chikungunya, por sua vez, apesar das dores fortes, raramente se torna um caso grave. A pasta alerta, então, que a confusão das enfermidades pode gerar complicações de saúde.

Memória

Mal veio do Caribe 
O primeiro caso de transmissão interna de chikungunya aconteceu em agosto deste ano. Antes, algumas infecções importadas já haviam sido registradas. A doença chegou mais perto do Brasil depois que diversos países das Américas, especialmente o Caribe, passarem a registrar casos, no fim de 2013. Desde então, já houve cerca de 650 mil notificações, incluindo as suspeitas da enfermidade, em países como República Dominicana, Venezuela e Guiana. A propagação se dá de forma muito rápida. Há regiões do Caribe em que a febre atingiu 70% da população. No continente africano, em ilhas opostas a Madagascar, um terço dos habitantes ficou doente.