Apesar da estagnação econômica, gasto da indústria com salários avança. Mesmo mais cara, mão de obra não traz ganhos de eficiência e caixa apertado ameaça sobrevivência das empresas.
A Vitalis, dona da Chinezinho, tradicional marca de alimentos no Rio de Janeiro, deve fechar o ano sem aumento na receita. Está melhor do que a indústria como um todo, que, de janeiro a setembro, perdeu 2,1% no faturamento. Mas para o dono da empresa, Sergio Duarte, isso está longe de ser um alívio. "Mesmo sem vender mais, teremos de dar aumento aos funcionários", conta. 

O salário mínimo vai subir no próximo ano dos atuais R$ 724 para R$ 788, acréscimo de 8,8%. Embora a menor remuneração nas três unidades de produção da Vitalis seja de R$ 906, se não aplicar um índice de reajuste próximo ao do piso, Duarte terá prejuízo ainda maior do que o que será provocado pelo aumento de custos. "Os funcionários podem decidir ir embora. E, se isso ocorrer, perco o que foi investido no treinamento deles", explica. 

A situação da empresa é a regra no cenário da indústria de transformação brasileira: a produção fica cada vez mais cara, comprimindo a lucratividade. Neste ano, até junho, o Custo Unitário do Trabalho (CUT) aumentou 2,4%, de acordo com pesquisa que acaba de ser concluída pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), responsável pelo indicador. Desde 2010, a variação foi de 11,6%. Isso mostra o quanto ficou mais caro, em termos reais, fazer cada produto. 

Além de descontar a inflação, o cálculo do CUT leva em conta o aumento de eficiência da indústria. O Custo da Hora Trabalhada (CHT) subiu 11,9% em quatro anos. E a produtividade ficou praticamente estagnada. Cresceu apenas 0,2%, um ganho que, embora marginal, explica por que o CUT é menor do que o CHT. "Até 2009, antes da crise, tínhamos um ciclo virtuoso, em que os salários subiam junto com a produtividade. Isso é ótimo, porque amplia o mercado. Mas agora não: só os salários sobem, e fica cada vez mais caro produzir", aponta Guilherme Mercês, gerente de Economia e Estatística da Firjan. 

Os 11,6% indicam a média de aumento de todos os setores da indústria de transformação pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sete tiveram elevação de custo maior que isso: meios de transporte (27,7%); têxtil, (28,2%); alimentos e bebidas (22%); borrachas e plástico (19,4%); máquinas e equipamentos (19,1%); metalurgia básica (15%); e minerais não metálicos (11,9%). 

Mas houve desempenho melhor do que a média em outros sete setores: vestuário, com elevação do CUT de 11%; produtos de metal e os produtos da indústria de transformação (ambos com 10,9%); calçados e couro (6,2%); produtos químicos (5%); e, na ponta mais positiva do desempenho, estão os únicos setores que tiveram redução do CUT em quatro anos: coque, refino de petróleo e biocombustíveis (queda de 0,3%) e madeira (18,9%). 

Exportações 

Parte do aumento de custos vai para os preços, um dos fatores que levou as exportações de manufaturados a cair em outubro 30,3% em relação ao ano anterior, redução maior do que no caso dos produtos básicos. Há, certamente, países que também tiveram aumento no CUT em quatro anos, como França (5,8%), Reino Unido (5,2%) e Estados Unidos (1,3%). 

O problema é que do outro lado, nos países que tiveram redução de custos, estão concorrentes fortes da América Latina: México, com queda de 6,3%, e Colômbia (12,7%), países para os quais exportamos manufaturados e com os quais disputados a presença no mercado global. 

"A indústria brasileira tem problemas de competitividade. Superá-los passa por reformas na legislação trabalhista. Certamente, os sindicatos vão reclamar, mas é difícil pensar em uma alternativa", afirma Janwillem Acket, economista-chefe do banco suíço Julius Baer. 

Mercês, da Firjan, chama a atenção para o fato de que outros países emergentes passaram por reformas da legislação trabalhista. "O México fez isso em 2012, com foco na terceirização, uma discussão que aqui está parada no Congresso Nacional", alerta. 

Outra necessidade urgente apontada pelas entidades de representação da indústria é a reforma tributária, com a redução ou, pelo menos, a simplificação dos impostos, cujo pagamento consome hoje muitas horas de atuação de profissionais altamente especializados.

Investir é fundamental

O custo unitário do trabalho (CUT) não sobe necessariamente pelo aumento do salário. Se crescer a produtividade - a medida de se fazer mais com o mesmo número de funcionários -, o CUT cai. Isso ocorre por vários fatores, incluindo os esforços individuais, treinamento, mas também depende do ambiente dentro e fora da fábrica. Um fator- chave para o ganho de eficiência é o investimento, algo em que o Brasil anda mal. No terceiro trimestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficou em 17,4% do Produto Interno Bruto (PIB), menos do que os 19% medidos em igual período de 2013. 

Até o ano passado, pelo menos 5% do faturamento da Chinezinho eram aplicados na compra de novas máquinas e equipamentos. Neste ano, ficará em 1%. "Vou só atualizar alguns sistemas, para não ficarem muito defasados", conta Sergio Duarte, dono da indústria. Segundo ele, que também é presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentação do Município do Rio de Janeiro (Sair), quase todas as empresas associadas à entidade sofrem do mesmo problema. 

Duarte reconhece que há linhas de financiamento do governo. Mas o problema é maior do que isso. "Falta horizonte. Se investir, corro grande risco de ficar com ociosidade", explica. Ele não espera que as melhoras venham logo. "2015 será um ano difícil e 2016 também. Acho que só em 2017 poderemos ter uma melhora consistente", aposta, lembrando que a disseminação dessa avaliação ruim também contribui para piorar as coisas. "Quem pretende comprar uma tevê está avaliando se é o melhor momento", diz. 

Produtividade é um tema dos mais complexos, a começar pela medição. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ADBI) lançaram, no mês passado, o primeiro volume do livro Produtividade no Brasil, no esforço de diagnosticar o problema. O economista Regis Bonelli, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), e autor de um dos textos, afirma que os problemas vão do setor produtivo ao país em geral. "Quase todas as variáveis estão ao alcance da empresas, mas outras não, como infraestrutura. 

Gargalo do dólar 

Economistas de diferentes escolas de pensamento concordam que o maior da indústria é o câmbio. A rara convergência decorre de uma situação peculiar, em que a tendência do real é perder ainda mais valor frente ao dólar. Para os ortodoxos, o câmbio deve flutuar sempre. Para os desenvolvimentistas, o governo não deve deixar o real se sobrevalorizar, para não prejudicar as exportações da indústria e reforçar a concorrência dos importados. 

O presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon) e ex-diretor do Banco Central (BC), Carlos Eduardo de Freitas, explica que se os salários estão acima do que se vê em outros países, o modo natural de corrigi-los é deixar o câmbio se desvalorizar. "Na década passada, o Brasil não teve grande ganho de produtividade, mas sim um bilhete premiado: a valorização das commodities. Só que parte disso foi revertido na década atual.". Para Freitas, a situação da indústria é insustentável. (PSP)