A cifra de R$ 88,6 bilhões é aquela que o investidor da Petrobras, bem como todos os brasileiros, devem ter em mente sobre o tamanho do problema provocado pela gestão da estatal nos últimos anos - não apenas por corrupção, mas também por ineficiência, orientação política e risco do próprio do negócio.

O rombo foi encontrado após um pente fino feito em 52 empreendimentos, que tiveram como fornecedores empresas citadas na Operação Lava-Jato, e que estão registrados por R$ 188,4 bilhões no balanço da companhia - o que equivale a um terço de sua base total de ativos imobilizados, de R$ 597,4 bilhões em setembro.

 

 

Do total de ativos analisados, 31 estavam superavaliados em R$ 88,6 bilhões, enquanto outros 21 estariam subavaliados em R$ 27,2 bilhões. Esse valor foi alcançado com estudo individual de cada ativo, como se não fizessem parte da mesma companhia. Com isso, ele exclui as sinergias da operação conjunta - fato que pode levar a redução do ajuste e, num extremo pouco provável, torná-lo desnecessário.

Porém, ainda que a diferença líquida seja de R$ 61,4 bilhões negativa, somente a perda de R$ 88,6 bilhões poderia ser registrada no balanço, mas não a reavaliação positiva de R$ 27,2 bilhões - a lei brasileira proíbe essa prática (a compensação é possível apenas quando os ativos estão dentro da mesma unidade geradora de caixa).

O valor encontrado é a notícia mais importante. Foi inclusive a divulgação deste valor que fez a reunião do conselho de administração da empresa, na terça-feira, durar cerca de nove horas.

Os conselheiros debateram intensamente sobre a necessidade de dar publicidade a este dado. O Valor apurou que representantes do governo não queriam divulgar o número, uma vez que não é definitivo. Não houve dúvida a respeito da decisão de não se fazer a baixa.

A despeito do longo embate, venceu por unanimidade a decisão de informar - mesmo sem os trabalhos suficientemente concluídos para definir a necessidade ou não de uma baixa nas demonstrações financeiras da empresa.

Apenas a existência de avaliações de duas empresas independentes - Deloitte e BNP - apontando os R$ 88,6 bilhões foi considerada "fato relevante" e, portanto, de divulgação obrigatória. Quanto ao balanço, por enquanto, se trata só do "potencial" de baixa.

Será a partir desse número que a diretoria da Petrobras terá de chegar a um entendimento com a sua firma de auditoria independente, a PricewaterhouseCoopers, sobre o efetivo ajuste nas demonstrações financeiras - se ela será feita e qual seu valor.

Os R$ 88,6 bilhões representam a diferença entre o valor pelos quais 31 ativos estão registrados no balanço da Petrobras e o valor que um terceiro aceitaria pagar por eles, conceito tecnicamente conhecido como "valor justo".

Para que, diante do gigantismo da estatal não se perca a noção de valor, apenas quatro companhias brasileiras - Petrobras, Vale, Oi e Eletrobras - têm ativos totais acima desse valor.

Seria como se a Petrobras tivesse "perdido", por conta das decisões tomadas nos últimos anos (seja por corrupção, má gestão, influência política ou risco do próprio negócio), uma empresa do porte de JBS, Telefônica, Ambev ou Gerdau.

A diferença encontrada entre o valor contábil e o valor justo, segundo a Petrobras, se explica por inúmeros fatores, que impedem que se identifique quanto exatamente se deve à corrupção e sobrepreço, e por isso a baixa não foi feita neste momento. Na lista dos demais fatores há dois grupos.

O primeiro deles está fora do controle da companhia e incluem mudanças em variáveis como taxa de câmbio, preços de insumos, de comercialização e de equipamentos, demanda pelos produtos e taxa de desconto a ser utilizada, com base no custo de capital usado como referência para o cálculo.

Outro conjunto de motivos reúne problemas decorrentes de má gestão, como "deficiência no planejamento do projeto (engenharia e suprimento), contratações realizadas antes da conclusão do projeto básico, cláusulas contratuais inadequadas às alterações de escopo (que geram aditivos de prazo e valor) e atrasos e ineficiência na gestão da obra, inclusive por fatores ambientais".

Mesmo tendo encontrado essa monstruosa discrepância, a Petrobras decidiu não fazer a baixa ontem, com o argumento de que na avaliação realizada "não estão incluídas as sinergias que a Petrobras obtém operando esses ativos de forma integrada". Para que a baixa seja necessária, o valor contábil precisa ser confrontado não só com o "valor justo", mas também com o "valor em uso", que considera essa sinergia.

A definição do ajuste dependerá da finalização dos trabalhos e será tomada apenas com a "benção" da PwC. Já se não houver acordo e a firma de auditoria optar por não assinar o balanço até junho, haverá o vencimento antecipado de US$ 56,7 bilhões em dívidas.

A PwC ficará no dilema entre concordar com uma baixa significativa e atestar que não exigiu os ajustes antes, ou ver sua credibilidade ser abalada em caso de complacência.

 

 

Momento gera oportunidade para mudanças no conselho

 

A Petrobras está diante da oportunidade de ver uma mudança substancial de seu conselho de administração e, portanto, de sua governança corporativa. A modificação da equipe ministerial da presidente Dilma Rousseff, com o novo mandato eleitoral iniciado neste ano, cria essa oportunidade.

O estatuto social da companhia permite, em seu artigo 25, que, em caso de vacância no colegiado, um substituto seja indicado pelo próprio conselho de administração restante.

O novo membro cumpriria o término do mandato, até a próxima assembleia geral ordinária - quando deve ser efetivamente eleito. Com isso, não há sequer necessidade de se aguardar a assembleia - ainda que esta ocorra no prazo regulamentar, até o fim de abril.

Esse dispositivo abre espaço para a troca dos representantes que hoje lá estão e caracterizam a politização da companhia. Normalmente, nos últimos anos, a presidência do conselho de administração era assumida pelo Ministro de Minas e Energia ou Casa Civil.

Guido Mantega, ex-Ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, ainda lidera o órgão. Lá também está Miriam Belchior, que ocupou o Ministério do Planejamento. Luciano Coutinho, presidente do BNDES, também tem assento.

Há um clamor no mercado por uma profissionalização do conselho de administração da Petrobras, em especial depois das denúncias de corrupção com a Lava-Jato.

O colegiado hoje é formado por dez membros - máximo de vagas, segundo o estatuto da empresa - e tem entre os componentes, Francisco de Albuquerque, de 76 anos, militar e representantes das Forças Armadas do governo.

Analistas e investidores temem que Dilma Rousseff não modifique a política atual de indicar para a presidência da companhia um ministro. No caso, o principal candidato seria o da Casa Civil, ocupado hoje por Aloizio Mercadante.

A preocupação é que, se a indicação for confirmada, haja um "esvaziamento" do conselho.

Desde 2013, o colegiado conta, pela primeira vez, com membros totalmente externos e eleitos pelos minoritários - naquele ano, Mauro da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), foi indicado e eleito. No ano passado, Cunha foi reeleito e foi eleito mais um membro indicado por investidores, José Guimarães Monforte.

A disposição dos investidores de se organizar por essas vagas, conforme o Valor apurou, depende de uma mudança na política da União nas suas indicações.

 

Graça só deve sair quando ficar provada sua inocência

 

A presidente da Petrobras, Graça Foster, deve ser substituída no comando da estatal quando ficar indiscutível que a executiva não tem envolvimento no esquema de corrupção desvendado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. A presidente Dilma Rousseff já há algum tempo faz sondagens no mercado atrás de um nome para substituir a presidente da empresa.

Na avaliação do Palácio do Planalto, segundo apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, o afastamento de Graça, neste momento, poderia deixar no ar a dúvida sobre seu possível envolvimento com as irregularidades investigadas. É tudo o que Dilma não quer. Além de chefe, ela é amiga da presidente da Petrobras. Antes da saída de Graça, o governo vai mudar o conselho de administração da estala, a começar com a saída do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Graça já pediu demissão do cargo por mais de uma vez, mas a presidente da República recusou seus pedidos. Dilma quer fazer a transição na Petrobras com a executiva no posto. Tanto a presidente da República quando o PT afirmam que Graça está acima de qualquer suspeita, no caso da Lava-Jato.

O "timing" para a substituição da presidente da Petrobras pode ser a denúncia do Ministério Público Federal contra agentes públicos até agora identificados na operação da PF. Nada indica que Graça Foster seja arrolada de alguma maneira. Tudo depende dos termos da denúncia do MPF, prevista para fevereiro.

Dilma avalia que, se Graça sair agora, vai parecer que sai porque estaria sob suspeita dos procuradores que investigam o esquema de corrupção. O governo também acredita que o preço do petróleo vai se recuperar, que o pré-sal é viável com o barril de petróleo a US$ 50, mas este seria um limite.

O governo federal deve ainda trabalhar contra a ideia de declaração de inidoneidade das empresas apanhadas na Operação Lava-Jato, entre as quais estão as maiores construtoras do país, responsáveis por obras estratégicas na área de infraestrutura. "Você não põe uma empresa na cadeia, você põe pessoas", disse um interlocutor da presidente da República.

A eventual declaração de inidoneidade dessas empresas preocupa o Palácio do Planalto, entre outras coisas, por causa do desemprego que poderá causar no setor, um dos mais dinâmicos da economia do país, e por conta da tecnologia na área de petróleo e gás que elas detêm.