A paralisia em projetos da Petrobras e das construtoras envolvidas nas investigações da Operação Lava-Jato pode resultar em uma queda na ordem de 15% nos investimentos em infraestrutura no país em 2015 e, com isso, puxar a economia inteira para baixo. Isso confirmaria a perspectiva crescente de uma recessão em um momento em que a atividade já caminha fraca. A estimativa é da Tendências Consultoria, que mapeou o peso das empresas envolvidas no escândalo e calcula que o desdobramento das investigações deve retirar até 1,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Isso levou a consultoria a revisar sua projeção de crescimento da economia brasileira em 2015 de alta de 0,6% para queda de 0,5%. "Já contávamos com uma redução na projeção anterior por conta da Lava-Jato, mas o impacto deve ser maior do que imaginávamos inicialmente", disse a analista Alessandra Ribeiro.

Isso significa que, na visão da consultoria, não fosse pelo estouro do escândalo e suas consequências sobre os negócios de algumas das maiores empresas do país, o PIB poderia crescer 1% em 2015, mesmo sob os efeitos negativos de um consumo já fraco e do aperto nos gastos do governo, que já estavam na conta. A Tendências engrossa uma lista de consultorias e instituições financeiras que começam a revisar as estimativas e, em muitos casos, a vislumbrar um PIB negativo no ano, conforme evoluem as investigações da operação da Polícia Federal.

 

 

"O efeito multiplicador da Petrobras é muito grande", explica Alessandra. A estimativa da Tendências, com base no histórico do PIB e dos investimentos da empresa, é de que para cada R$ 1 que a Petrobras aplica, alavanca-se mais R$ 1,90 na economia. Além disso, sozinha, a companhia representa cerca de 2% do PIB - é o quanto representaria, anualmente, os US$ 220 bilhões planejados inicialmente no programa de investimentos de 2014 a 2018 da empresa. O peso das empreiteiras é igualmente grande. O levantamento da Tendências estima que os projetos tocados por elas atualmente, uma carteira que abrange a maior parte das obras de infraestrutura do país, representem 2,8% do PIB.

É por isso que a revisão cortou crescimento em praticamente todos os segmentos da economia: o PIB industrial foi revisado de alta de 0,8% para queda de 2,6%, puxado por um encolhimento de 6% só na construção civil. A projeção para a formação bruta de capital fixo (FBCF), a medida do PIB para os investimentos, saiu de alta de 1,1% para queda de 4,3%. Isso deve ter impacto no mercado de trabalho - com desemprego subindo a 6,3% e a renda crescendo 0,2%, em vez de 0,4%. Com consequências também para o consumo, que foi cortado de 0,8% para 0,2%.

O corte generalizado vem pelo entendimento de que a Lava-Jato, somada às próprias questões de financiamento que a Petrobras já enfrentava, engessa a estatal e as construtoras investigadas em várias frentes. Além de problemas financeiros reais, principalmente nas empreiteiras, onde em alguns casos a suspensão de contratos deflagrou problemas de dívidas, segue-se também os problemas jurídicos, que impedem novos contratos ou licitações, e uma crise de credibilidade, o que dificulta a captação de financiamento em bancos nacionais, internacionais e também na bolsa de valores.

"Há implicações tanto legais quanto financeiras, e os efeitos colaterais podem ser maiores do que se imaginava", diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, que revisou o PIB de 2015 de alta de 0,3% para queda de 0,5%, sendo que o "efeito Lava-Jato", sozinho, cortou 0,3 ponto do total. O restante entra na conta de prováveis racionamentos de água e de energia no segundo semestre.

"A Petrobras representa cerca de 10% da formação bruta de capital fixo. Cada 10% que ela reduz de seu investimento tira 0,3 ponto do PIB", explica Kawall. É uma conta parecida com a do banco Credit Suisse, que, em conferência a investidores ontem, estimou que para cada corte de 10% nos investimentos da estatal se perde 0,2 ponto de PIB. O banco revisou sua projeção para o ano também de crescimento de 0,5% para queda de 0,5%.

"Estamos falando de uma revisão significativa em uma cadeia, a de petróleo e gás, que representa um terço dos investimentos da indústria", pontua o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Sua projeção para o PIB de 2015 saiu de alta de 0,5%, no cenário de economia fraca e ajustes fortes, para queda de 1%, no cenário da mesma economia fraca piorada pelas crises na Petrobras, na energia e na água.

"A importância da Petrobras para nós é indiscutível, basta olhar o tamanho da participação dela no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]", disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins. A Cbic, no entanto, vê a crise menos como um colapso da construção nacional e mais como uma oportunidade para as pequenas e médias empresas - "não será por falta de construtora que não haverá investimentos", reforça Martins.

Os investimentos, de qualquer forma, estão parados. "Todas as empresas com algum vínculo a projetos da Petrobras estão com milhares de equipamentos parados em suas fábricas", conta César Prata, presidente do Conselho de Óleo e Gás da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Segundo Prata, da metade do ano passado para cá, com os projetos entre Petrobras e empreiteiras suspensos, máquinas que já estavam encomendadas foram abandonadas, enquanto novas encomendas praticamente zeraram. "São produtos feitos sob encomenda para a Petrobras, especiais para cada projeto, prontos, embalados e parados. Não servem para mais ninguém. Para quem vamos vender?", conclui.

 

Analistas estimam alta de 0,62% do IGP-M em janeiro

 

O primeiro mês do ano foi de inflação mais comportada no atacado, segundo economistas, mas a concentração de reajustes ao consumidor deve impedir que o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) desacelere. A estimativa média de 16 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data aponta que o indicador calculado pela Fundação Getulio Vargas subiu 0,62% em janeiro, mesma taxa observada em dezembro. O dado será divulgado amanhã pela FGV.

As projeções para a alta do IGP-M neste mês vão de 0,54% a 0,68%. Se confirmadas as expectativas, a inflação acumulada em 12 meses pelo índice vai começar 2015 em ascensão, ao passar de 3,69% no fechamento de 2014 para 3,84% na medição atual.

Com peso de 60% no IGP-M, o economista-sênior do banco Besi Brasil, Flávio Serrano, estima que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) cedeu para 0,35% em janeiro, após avanço de 0,63% no mês anterior. Mesmo assim, calcula que o indicador geral registrou alta pouco maior, de 0,64%, puxado principalmente pelo Índice de Preços ao Consumidor - M (IPC-M), que representa 30% do IGP.

Segundo Serrano, o IGP-M subiu no período, porque o IPC quase dobrou sua taxa, ao passar de 0,76% para algo entre 1,35% e 1,4% na comparação mensal. "Houve uma concentração de reajustes no início do ano, com a parte de alimentação pressionada", diz o economista, que estima avanço de 1,7% para esse último grupo no último mês, acima dos 0,85% observados em dezembro. Mesmo mais escassas do que o normal, as chuvas intensas na virada do ano prejudicaram a produção de lavouras de curto prazo, com destaque para os alimentos in natura.

Além dos alimentos, o analista do Besi também destaca as altas esperadas para os segmentos de habitação e transportes na abertura do ano, de 1,7% e 1,45%, respectivamente, após 0,79% e 0,73% na medição anterior. No primeiro grupo, a principal pressão vai partir da entrada em vigor do regime de bandeiras tarifárias, que elevou as tarifas de energia elétrica, enquanto, nos transportes, os reajustes de ônibus urbano serão as maiores influências de aceleração.

O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, lembra outra questão sazonal que pressionou o IPC em janeiro: na metodologia da FGV, ao contrário do que ocorre no IPCA, os reajustes de mensalidades escolares são incorporados aos índices no primeiro mês do ano, e não em fevereiro. Por conta disso, Leal projeta que o grupo educação, leitura e recreação avançou de 1,23% para 2,40% na passagem mensal, com aumento de 1,35% no IPC. O IGP-M deve ter subido 0,65%.

De acordo com o economista, na contramão dos preços ao consumidor, a inflação no atacado deve ter diminuído em janeiro, puxada mais pelos produtos industriais do que pelos agropecuários. Em seus cálculos, o IPA industrial cedeu de 0,40% para apenas 0,10% na comparação mensal. "A queda do preço do petróleo, apesar de não afetar a gasolina e outros combustíveis, tem impacto sobre os derivados, como a nafta", explica Leal.

Serrano, do Besi, ressalta a moderação dos preços de produtos alimentícios e bebidas, que recuaram cerca de 0,20% na leitura atual do IGP-M, puxados por retração no óleo de soja, o que reflete a queda nas cotações do grão. Ainda no IPA industrial, o economista estima que o minério de ferro teve deflação de 5% neste mês, tendência que deve continuar nos próximos meses. "Apenas nos últimos três meses o minério caiu 40%", disse.

Já os produtos agropecuários devem ter se mantido em nível elevado, ainda que abaixo da alta de 1,23% registrada em dezembro. Serrano trabalha com avanço de 1% para os preços agrícolas em janeiro, mas destaca que a trajetória entre os componentes do IPA agropecuário não é homogênea, com deflação em grãos, como soja e milho, e alta em algumas proteínas animais e itens in natura.

O Índice Nacional de Custo da Construção - M (INCC-M), por sua vez, divulgado ontem, acelerou de 0,25% para 0,70% entre dezembro e janeiro, com taxas maiores em materiais, equipamentos e serviços (0,27% para 0,62%) e mão de obra (0,24% para 0,77%).

 

Fatores imponderáveis estão jogando contra o país, diz Loes

O ajuste macroeconômico “rápido e duro” que tem sido sinalizado pela nova equipe econômica pode levar o Brasil a entrar em recessão em 2015, mas a recuperação da atividade, nesse cenário, seria também mais rápida, afirma Andre Loes, economista-chefe para América Latina do HSBC.

Em dezembro, Loes já estimava queda de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Um dos primeiros economistas a falar em recessão, Loes acredita que o Brasil pode crescer 2,8% já em 2016, caso o ajuste seja bem conduzido. O crescimento mais forte, diz, virá da retomada da confiança e dos investimentos do setor industrial, taxa de câmbio mais favorável às exportações e recuperação do consumo.

O problema, afirma, é que os “imponderáveis” parecem estar, quase todos, contra o Brasil. Os ganhos com investimentos em infraestrutura, por exemplo, poderiam ser mais rápidos, mas a paralisa no setor com a Operação Lava-Jato pode levar o investimento em infraestrutura a cair 20% neste ano.

Outros “imponderáveis” são a queda dos preços das commodities e o risco de racionamento de água e energia no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O ministro da Fazenda tem sinalizado algumas mudanças na condução da política econômica, com ajuste fiscal e redução de subsídios setoriais. O ajuste é possível?

Andre Loes: Acho que as sinalizações dadas pela nova equipe econômica são muito positivas. Com os aportes para o setor elétrico e para o BNDES, o Tesouro assumiu um fardo muito grande, o que levou a uma piora do resultado fiscal. Em 2014, o crescimento foi baixo e atrapalhou a arrecadação, mas parte relevante da piora veio do aumento de subsídios. É preciso reverter essa situação, ou corremos o risco de perder o grau de investimento. Não sei se o superávit primário vai ser de 1,2% do PIB, mas o que os investidores querem ver é mudança de curso. Então se o resultado for de 0,9% do PIB e governo mostrar que está caminhando para entregar 2% em 2016, a reação será boa.

Valor: O pacote da semana passada ainda não é suficiente?

Loes: Para o ajuste total, não. Para chegar na meta, o ajuste tem que ser de R$ 80 bilhões. A elevação da Cide, as demais medidas anunciadas no mesmo dia, o restabelecimento da alíquota de IPI e as medidas de readequação de direitos trabalhistas somam cerca de R$ 50 bilhões. Caso o governo não consiga trabalhar muito o lado do gasto, acho que CPMF é uma possibilidade, por mais que a gente saiba que tem custo político e resistência no Congresso.

Valor: O ajuste é necessariamente recessivo?

Loes: Ao fazer ajuste fiscal, o governo está subtraindo recursos do setor privado, com intuito de poupar. Se é bem feito, as expectativas do setor privado começam a melhorar, os projetos de investimento saem das gavetas, a demanda privada começa a se contrapor a essa redução de gasto público. Agora, o primeiro impacto é sempre contracionista. Aumento de superávit primário é política contracionista.

Valor: Mas dá pra esperar que o fim do ano seja mais positivo?

Loes: Tenho a impressão que o Joaquim [Levy, ministro da Fazenda] vai tentar fazer um ajuste duro no início para reverter rapidamente as expectativas. Essa é a maneira mais correta de fazer o ajuste. Você sai mais rapidamente da lógica de contração para lógica de expansão. Tudo que tem sido proposto até agora vai nesse sentido.

Valor: Como se comporta o investimento nesse cenário?

Loes: Temos no nosso cenário uma queda de 7% do investimento, e a estimativa tem um quê de “impressionismo” do que pode acontecer no setor de infraestrutura. Os relatos são de paralisação de decisões no momento. Se isso durar seis meses, o investimento do setor pode cair 20% neste ano, em relação a 2014. Não fosse isso, talvez o investimento até ficasse estável.

Valor: O cenário contempla racionamento de energia e água?

Loes: Não. Se houver racionamento, o crescimento será pior. Mas acho que o impacto é menor do que em 2001, pois hoje o racionamento não seria uma surpresa para consumidores e empresários.

Valor: Alguns analistas começam a falar em convergência da inflação para a meta em 2016. É o cenário mais provável?

Loes: A inflação brasileira é resistente à queda, mas não é uma rocha. Mas acho difícil em 2016 ter convergência tão grande. Estimamos inflação de 5,3% no ano que vem, e mesmo assim vai depender de evolução do setor elétrico. Se as chuvas continuarem muito ruins, os custos de geração vão seguir altos e os repasses para os consumidores podem ser maiores. Infelizmente, os imponderáveis estão mais para o lado ruim.

Valor: Então o que vai trazer esse crescimento de 2,8% que vocês projetam no próximo ano?

Loes: Em parte, é o consumo. A demanda vai crescer só 0,5% em 2015, e depois volta a crescer 2% em 2016. Mas ainda é um crescimento abaixo de 3%. Para crescer mais, precisamos resolver problemas estruturais que se armaram e são relevantes.

Valor: Quais são os principais?

Loes: A infraestrutura. Espero que governo volte com concessões e isso pode ser muito positivo. É tão premente que a gente não tem nem ideia da melhoria de custos que esses ganhos podem acarretar. Mais para a segunda metade deste mandato podemos ver esses resultados. A agenda é de ganho de produtividade. Não é forma fácil de crescer, mas é mais sustentável.

Valor: A redução de preço do petróleo ajuda ou atrapalha?

Loes: A redução de preço de petróleo é positiva para Petrobras, que estava subsidiando valor da gasolina, e pode ser positiva para inflação. Mas os preços das commodities se correlacionam e as demais tendem a acompanhar a queda do barril. E aí é ruim para o Brasil, já que 65% das exportações são commodities, enquanto só 25% são importações desses produtos. A variável de ajuste é a taxa de câmbio. O HSBC tem projeção de R$ 2,80 de média para 2015, e de R$ 3 para o fim do ano. Agora, isso é bom para vários setores. Começa a ajudar mais a indústria, que de fato ficou muito exposta.

Valor: O setor externo está entre os imponderáveis negativos para Brasil em 2015?

Loes: Temos visão pior para economia global. Neste primeiro semestre, o cenário é ruim para mercados emergentes, com commodities em queda e economias desenvolvidas ainda fracas. Quando há essa piora, começam a apontar os mais frágeis, e o Brasil tem sido colocado nesta lista. De fato ficou mais frágil com piora fiscal e pode ter maior volatilidade da taxa de câmbio, por exemplo. Mas se o critério para falar de crise for balanço de pagamentos, estamos mais preparados do que na maior parte da história do país.