Apesar do forte ajuste fiscal que terá de ser adotado neste ano, a nova equipe econômica da presidente Dilma Rouseff pretende manter a política de conceder aumentos reais ao salário mínimo. Logo após tomar posse do cargo, ontem, o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que o governo vai encaminhar ao Congresso uma nova fórmula para o reajuste a partir de 2016, mas garantiu que a regra deve garantir que o piso salarial continue crescendo acima da inflação. 
"O aumento real do salário mínimo vai continuar", afirmou Barbosa. Pela regra que vigorou até agora, os aumentos eram definidos pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescida do aumento percentual do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. De acordo com o novo ministro, a nova fórmula de reajuste será encaminhada ao Legislativo nos próximos meses. Ele, porém, não deu detalhes. 

A manutenção de ganhos reais recebeu sinalização favorável, ainda que tímida, do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Ouvi algo similar da Presidência. Certamente, a valorização do trabalho é o objetivo de tudo o que vamos fazer", disse ele, ao acompanhar a cerimônia de transmissão de cargo ao novo ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Valdir Simão. O salário mínimo de 2015 foi fixado em R$ 788 pelo governo, de acordo com a norma em vigor, que é vista com restrições por especialistas. 

Impacto 

Desde que deixou a secretaria executiva do Ministério da Fazenda, em junho de 2013, o próprio Nelson Barbosa vinha defendendo a mudança da regra, que vem sendo aplicada desde 2011. O último reajuste do mínimo, aprovado no fim do ano passado, por exemplo, foi de 8,8%. Já o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, acumulou alta de 6,46% no período de 12 meses até primeira quinzena de dezembro. 

Para muitos economistas, é importante que o cálculo mude para reduzir o impacto do aumento do mínimo nas contas da Previdência Social, que acumula um rombo de R$ 58 bilhões de janeiro a novembro de 2014. Eles lembram que cerca de dois terços das aposentadorias mantidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) correspondem ao mínimo. Além disso, o órgão paga quase R$ 90 bilhões por ano em pensões, o equivalente a 2% do PIB. "Esse volume é muito grande. O Brasil é o país que mais gasta com pensões", comentou Simão Silber, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP). 

"Nos últimos 20 anos, o salário mínimo cresceu o dobro da inflação. Isso aumentou o poder de compra do aposentado. É uma ótima política, mas o duro é arrumar dinheiro para tudo isso a longo prazo", alertou o professor da USP. "Tecnicamente, é importante que essa regra mude, mas o impacto político poderá ser grande", emendou Silber, sugerindo que a novo cálculo de reajuste seja feito com base no IPCA. 

Especialista em administração pública, o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Mathias-Pereira também defende a alteração. "Chegou a hora de discutir uma nova fórmula. Entendo que é importante para o trabalhador, mas o governo precisa se preocupar muito com o combate à inflação. Ele pode corrigir a regra, mas sem deixar que o custo de vida corroa o salário mínimo, pois, historicamente, é o que tem penalizado o poder de compra do cidadão", destacou. 
No discurso de posse, Barbosa avisou que ajustes na política econômica serão inevitáveis para recuperar a economia brasileira nos próximos quatro anos. "Ajustes nunca são um fim em si mesmos. São medidas necessárias para a retomada do crescimento, que, por sua vez, é indispensável para a continuidade de nosso projeto de desenvolvimento econômico e social", disse ele, destacando que, à frente da pasta, será responsável pelos projetos do segundo Programa de Investimento em Logística (PIL) e do terceiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para ele, à medida que a economia absorver o impacto dos ajustes, a confiança será restaurada e "o nível de atividade vai responder". "O próprio mercado já prevê um crescimento maior em 2016", completou. 

Lágrimas de Miriam 

A ministra do Planejamento do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, Miriam Belchior, se emocionou no discurso de transmissão de cargo. Com a voz embargada, ela agradeceu a oportunidade de assumir a pasta, que no passado foi ocupada por Celso Furtado, e a dedicação dos funcionários. "Tenho certeza que é uma enorme responsabilidade e um estímulo para você (Nelson Barbosa, atual ministro), como foi para mim, a busca de um país melhor para todos", disse Miriam, que logo depois derramou algumas lágrimas e emoção.

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Servidor: negociação será dura

VERA BATISTA

O novo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, descartou qualquer reajuste aos servidores além dos 5% previstos na negociação assinada após a greve de 2012. Segundo ele, esse assunto será tratado em momento oportuno e está na agenda do governo tratar da nova política de remuneração do funcionalismo público. 
"O acordo (que previu aumento de 15,8% dividido em três parcelas anuais) ainda vale para 2015. Vamos discutir com sindicato e servidores a política dos próximos anos", destacou. Durante discurso, na transmissão de cargo, Barbosa destacou que a melhoria da gestão pública depende, também, da valorização do funcionalismo. "Nessa questão, faremos todo o esforço para melhorar a formação, a qualificação dos servidores, assim como suas condições de trabalho, dentro das limitações econônicas que temos.

Manteremos o diálogo aberto com todas as carreiras e buscaremos equilibrar as justas demandas dos servidores com a nossa capacidade financeira". Segundo o ministro, "a palavra de ordem é melhorar a qualidade do gasto público". O país inicia, enfatizou, uma nova fase de desenvolvimento, com foco na elevação gradual do superavit primário e redução da inflação. "Para esses objetivos serão necessários alguns ajustes na política econômica. Ajustes que, apesar de seus eventuais impactos restritivos a curto prazo, são necessários para recuperar o crescimento nos próximos quatro anos."

Tensão

Os argumentos de Nelson Barbosa não comoveram as lideranças sindicais do funcionalismo que pretendem manter a pressão por ganho real e melhoria nos benefícios. "Nada pode ser pior do que já está. A ministra Miriam (Belchior, ex-chefe da pasta) nunca abriu o diálogo. Só a conhecíamos pela imprensa. Queremos tratamento diferente. Mas não estamos convencidos de que haverá mudanças significativas. Prevemos mais um período de desgastantes confrontos", afirmou Sergio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que representa 80% dos servidores. Silva lembrou que, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo pode gastar até 50% das receitas líquidas com custeio. Hoje está em 31,2% - montante anual de aproximadamente R$ 220 bilhões.