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Quando se fala em qualidade de vida, tamanho é documento, pregam pesquisadores do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). Segundo eles, a altura média do brasileiro aumentou 3cm entre 1950 e 1980. Embora pareça modesto, esse acréscimo fornece um relevante mapa dos avanços sociais do país. As medidas traduzem biologicamente o histórico do padrão de vida de um povo. Por isso, a expectativa de vida, a estatura e as características do esqueleto são informações que permitem aos economistas fazerem uma avaliação alternativa às medidas monetárias, tradicionalmente utilizadas para avaliar o desenvolvimento humano de um país.
Victor Hugo de Oliveira, principal autor do trabalho que foi publicado recentemente na revista Economics and Human Biology, usou essas ferramentas, especialmente a altura, para avaliar os avanços socioeconômicos no Brasil em quatro décadas. O analista de políticas públicas analisou como a taxa de mortalidade infantil (TMI), o Produto Interno Bruto (PIB) per capita e a desigualdade de renda influenciaram a altura de brasileiros nascidos entre 1950 e 1980 em 20 estados.
Estudos na Espanha conduzidos por Climent Quintana-Domeque, pesquisador da Universidade de Oxford e orientador de Oliveira, indicaram que, no país europeu, a TMI era uma forte determinante da altura na vida adulta. Era esperado que algo semelhante fosse detectado no Brasil. Aqui, entretanto, a correlação mais forte foi com o PIB per capita. De acordo com os resultados, esse fator influenciou 43% dos centímetros que os brasileiros ganharam. Durante o mesmo período, a população da Inglaterra e a dos Estados Unidos cresceram 1cm; a da Irlanda, 2cm; a da Grécia, 3cm; a de Portugal, 4cm; e a da Espanha, 5cm.
De 1950 e 1980, o povo brasileiro, mas especialmente as crianças, foi favorecido com um enorme ganho nutricional, o que resultou em adultos mais altos. Além disso, Oliveira ressalta que houve melhoras consideráveis na infraestrutura no início do século 20, principalmente na Região Sudeste, privilegiada por uma reforma sanitária que implementou nas grandes cidades sistemas de esgoto e abastecimento de água.
“Isso também influenciou, lá atrás, a altura da população. São ganhos de padrão de vida que ocorrem progressivamente no Sul e no Sudeste. Uma pesquisa mostrou que a diferença de altura entre o nordestino e os que nasceram nessas outras duas regiões é mais ou menos de 6cm em favor da população ao Sul do Brasil”, diz Oliveira, referindo-se ao trabalho de Leonardo Monastério, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Oliveira ressalta que a altura mais elevada das populações do Sul e do Sudeste tem influência da colonização europeia, iniciada em 1824 por alemães e seguida em 1875 pelos italianos. Mas essa imigração não é limitativa porque somente 40% da estatura é definida pela configuração genética. “Os outros 60% correspondem a fatores ambientais, e isso incluem os naturais, os sociais e os econômicos. Por isso, a altura pode ser usada como um indicador, principalmente porque o Índice de Desenvolvimento Humano não mostra como essas melhorias afetam as pessoas biologicamente”, defende.
Seleção naturalAinda em média mais baixos que os moradores do Sul e do Sudeste, os nordestinos cresceram, no período avaliado, 3cm, igual à média nacional. De acordo com Oliveira, ocorreu nessa região do país um fenômeno parecido com os africanos e relacionado à seleção natural. Nascidos em algumas partes da África têm altura maior que europeus, apesar das condições de vida limitadoras. “A hipótese é de que a TMI era tão elevada que os mais fracos acabavam morrendo e os mais fortes ou que a família tinha condição de nutrir sobreviviam”, sugere o pesquisador.
No caso do Nordeste, no fim da década de 1980, a região registrava 150 mortes a cada mil nascidos vivos, uma taxa facilmente comparada à de países da África Subsaariana. Dois efeitos podem ter se contrabalançado para o aumento da estatura nessa região brasileira: o cicatriz, em que a TMI só reduz a média de altura da população; e o negativo, em que a TMI muito elevada seleciona indivíduos mais aptos a sobreviver. “A gente precisa investigar mais isso, mas essa relação ficou um pouco caracterizada no atual estudo.”
Segundo Oliveira, a tendência é de que as próximas gerações de brasileiros sejam ainda mais altas. “Agora, há mais acesso ao saneamento básico e urbanização ainda, o que reduz incidência de doenças. Além disso, as famílias mais carentes têm mais acesso à renda devido aos programas de transferência. Tudo isso contribui para uma melhor nutrição e menos enfermidades.”
Melhoras na assistência básica“Existem vários estudos que apontam a tendência do aumento da estatura em todo o mundo. Isso não está totalmente relacionado à renda, mas também às doenças. Populações pobres, como a de Cuba, também estão crescendo, e não é pelo aumento de renda, mas pelo investimento em atenção primária. Há 45 anos, no Brasil, existia ameaça de uma série de enfermidades virais, como catapora, sarampo e caxumba, mas o problema foi resolvido com programas de imunização. Além disso, há três décadas, os tratamentos médicos eram precários. Então, a melhora na saúde, na renda, na nutrição e nos tratamentos médicos faz a altura aumentar. A seleção cultural que acontece no país, de pessoas altas preferindo se relacionar com outras mais altas, também acelera essa tendência.”
- Mauro Scharf, endocrinologista do Laboratório Exame, coordenador da Sociedade Brasileira de Diabetes e diretor do Centro de Diabetes de Curitiba