Título: O circo de Chávez
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2011, Mundo, p. 14

De volta a Caracas, o presidente convoca a multidão, faz discurso com frases de efeito e jura vencer o câncer. Rivais veem "truque publicitário"

O gesto não poderia ser mais do que oportuno e politicamente emblemático. Na véspera do bicentenário da independência da Venezuela, o presidente Hugo Chávez contrariou os prognósticos, retornou a Caracas e falou à multidão do Balcão do Povo, no Palácio de Miraflores, às 17h10 de ontem (18h40 em Brasília). "A revolução está mais viva do que nunca. Eu a sinto, eu a vivo, eu a apalpo", disse o líder, vestido com a tradicional farda verde-oliva e a boina vermelha. Durante o discurso de 33 minutos, foi interrompido várias vezes pelos milhares de simpatizantes que bradavam "Uh, ah, Chávez não se vá".

O mesmo grito proferido quando o mandatário retornou ao mesmo palácio, em 12 de abril de 2002, após sofrer uma tentativa de golpe. Visivelmente emocionado em alguns momentos, Chávez tratou o câncer como uma batalha a ser vencida. "Esta nova batalha também a ganharemos juntos", declarou. Acompanhado das filhas, agradeceu mais uma vez o apoio de Cuba e voltou a afirmar que o líder Fidel Castro foi seu "chefe médico". "Viva o povo, viva Cuba, viva Fidel Castro (...) Meu agradecimento pessoal por tanto amor, por tanto apoio, por tantas manifestações. O amor é o maior remédio para a doença. Obrigado por esse banho de amor", disse, levando muitas pessoas às lágrimas.

O pronunciamento foi pontuado pelo otimismo e pela fé. "Se a natureza se opõe, lutaremos contra ela e faremos com que ela nos obedeça", avisou Chávez, parafraseando Simón Bolívar. O presidente revelou que a segunda cirurgia para a retirada do tumor maligno ¿ "uma intervenção profunda, de mais de seis horas" ¿ ocorreu em 20 de junho. Foram várias referências à Virgem Maria, a Jesus Cristo, a Deus e ao Espírito Santo. "Eu me ponho nas mãos de Deus e, depois, da medicina cubana e mundial, nas mãos de vocês e também em minhas próprias mãos, porque eu lhes juro que nós ganharemos essa batalha", assegurou, antes de mostrar o crucifixo. Apesar de reconhecer que precisa cuidar "ao extremo" de seu processo de recuperação, ele afirmou que não poderia acompanhar de longe a celebração do bicentenário da Venezuela, que ocorre hoje. Uma de suas últimas palavras comoveu a multidão: "O amor com amor se paga". "Todo meu amor, toda minha paixão, todo meu agradecimento", concluiu.

Para Hernán Castillo, professor de ciências sociais da Universidad Simón Bolívar (situada em Caracas), Chávez viu-se forçado a retornar à Venezuela. "A difícil situação socioeconômica e política pela qual o país passa não permite ao presidente permanecer tanto tempo fora", justificou, por e-mail. De acordo com ele, o câncer do presidente desviou a atenção da opinião pública venezuelana dos graves problemas que afligem a sociedade. Castillo cita a situação carcerária, a falta de eletricidade, o desabastecimento de produtos, o colapso das indústrias do ferro e do alumínio, a inflação de 30 pontos percentuais, o desemprego, os baixos salários, a corrupção e a censura.

Marketing Autor de Chávez, Hitler e as ditaduras da direita, o opositor Nelson Carpio Muñoz criticou o regresso do presidente. "É um show. A popularidade de Chávez está muito baixa para assegurar sua reeleição em 2012 e, por isso, ele recorre a esse "truque" publicitário", afirmou ao Correio, pela internet. "Eu tenho sérias dúvidas de que ele esteja doente. As disputas internas em seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) obrigaram-no a regressar", acrescentou o advogado, integrante da coalizão Mesa Unida Democrática. Muñoz garante que apenas os militantes da facção celebraram o retorno.

"Sem dúvida, já começaram a fazer um marketing do retorno do "supremo invencível e eterno comandante", como o chamam seus seguidores", disse à reportagem Diego Arría, ex-governador de Caracas, para quem o governo está com os dias contados.

Chávez pisou o solo venezuelano por volta das 3h40 (5h10 em Brasília) de ontem, após 26 dias em Cuba, onde a doença foi diagnosticada. "Volto ao epicentro de Bolívar, e isso é pura chama, pura vida, é o início do retorno. Estamos muito felizes de estar em casa de novo." O vice-presidente Elías Jaua anunciou que Chávez fará uma reunião hoje ou amanhã com o gabinete e organizará a equipe de trabalho "para a nova etapa que se inicia". Em seu blog, o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda revelou bastidores da viagem.

De acordo com ele, Chávez assistiu ao jogo de futebol entre Venezuela e Brasil, no domingo e, às 20h (hora de Havana), pediu aos médicos que o avaliassem, pois desejava voltar à Venezuela. Os oncologistas aconselharam-no a não fazer gestos bruscos. O ministro das Finanças venezuelano, Alí Rodriguez, convenceu Fidel sobre a necessidade de Chávez "salvar a revolução". Dois médicos e enfermeiros cubanos o acompanharam até Caracas.