A presidente Dilma Vana Rousseff (PT), 66 anos, que se reelegeu após travar a disputa eleitoral mais acirrada desde a redemocratização, recebe, hoje à tarde, das próprias mãos, um país ainda dividido pelo conturbado processo eleitoral e com desafios redobrados pela frente. O governo é novo, mas os problemas são antigos. Ao receber a faixa presidencial pela segunda vez, a petista montou um ministério questionável do ponto de vista ético para enfrentar a guerra política que se anuncia em razão dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Na segunda gestão, a presidente se veste de pragmatismo político na tentativa de superar obstáculos proporcionais aos 54 milhões de votos recebidos.
A tarefa de casa é gigantesca. Reconquistar o empresariado, recolocar o Brasil no trilho do crescimento, ouvir os movimentos sociais, conter o fantasma da inflação e domar o Congresso para evitar derrotas em temas essenciais, a exemplo da reforma política. Mais do que contar com os aliados escolhidos a dedo na balança do fisiologismo, a presidente sabe que, com base na postura centralizadora do primeiro período de governo, terá que mudar o estilo pessoal de governar para vencer as batalhas que a aguardam.

A própria petista sinalizou o que observa como desafios do segundo mandato ao escalar os novos ministros. A montagem da equipe começou pela área econômica. O gesto presidencial indica que a leitura econômica dos próximos quatro anos será feita com os olhos do mercado financeiro. Na primeira gestão, os banqueiros não gostaram das sucessivas baixas de juros realizadas entre 2010 e 2014. Durante a campanha, com as críticas de Dilma ao setor, a relação piorou de vez. Agora, é hora de retomar o diálogo. Na outra ponta, os movimentos sociais, sobretudo os que lutam pela terra, devem pressionar a petista para destravar a reforma agrária.

Em meio ao escândalo da Operação Lava-Jato, que investiga o pagamento de propina por grandes empreiteiras a políticos em troca de contratos com a Petrobras, o sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que o principal desafio de Dilma será a "questão ética". "A presidente tem de tomar uma série de atitudes concretas, como a regulamentação da Lei Anticorrupção. É o que espera a população. Ela tem que caminhar no sentido de uma transparência efetiva na gestão, sem escamotear a questão ética, que hoje é a principal carência do governo", afirma Baía.

Articulação política

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro cita a área econômica entre os principais obstáculos. "Ao correr para anunciar a equipe econômica, como fez, ela já está tenta enfrentar esse desafio", diz. Para o professor, a composição dos ministérios mostra ainda que Dilma está bastante preocupada com a articulação política no Congresso. "E vai ser difícil lidar com o parlamento. Ao acomodar aliados, ela tenta fortalecer sua base de apoio", afirma. O professor ressalta também, entre os desafios presidenciais, a interlocução com os movimentos sociais. "Ela tem dificuldade de conversar com os novos movimentos e, para isso, precisa de mais de um interlocutor."

Dilma ainda precisará reinventar a relação com o PT, essencial para a sua vitória, e com o próprio ex-presidente Lula. Padrinho e afilhada, criador e criatura que se aproximaram, se complementaram e se estranharam ao longo do primeiro mandato, ambos conseguiram administrar as pressões da legenda pelo "volta, Lula". Mas, agora, é diferente. O ex-presidente é candidatíssimo ao Planalto em 2018 e seu sucesso nas urnas depende de um bom segundo governo Dilma.

O resumo é que a presidente deve ser pressionada ainda mais pela maior estrela petista, que já demonstrou insatisfação com as escolhas dos novos ministros. Dilma já afirmou, em entrevista à imprensa, que apoiará Lula "no que ele quiser ser". O presidente do PT, Rui Falcão, reforçou que o ex-presidente terá um protagonismo maior no próximo período - o que, em tese, diminui a margem de autonomia da petista para governar o país.

Além do fantasma da inflação, Dilma tem pela frente uma "assombração" chamada Eduardo Cunha. Domá-lo é essencial para aprovar temas vitais para o governo. Na primeira gestão, principalmente em 2013, o então líder do PMDB comandou várias rebeliões na Casa e armou sucessivas pautas-bombas contra os interesses da gestão.

"A presidente tem de tomar uma série de atitudes concretas, como a regulamentação da Lei Anticorrupção. Ela tem que caminhar no sentido de uma transparência efetiva na gestão, sem escamotear a questão ética, que hoje é a principal carência do governo"

Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Os 10 desafios

Confira quais são os principais problemas que Dilma terá que enfrentar no mandato que se inicia hoje

Lava-Jato

» Administrar os desdobramentos da operação que vai atingir em cheio dezenas de políticos da base de sustentação do governo. Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a autorizar a abertura de inquérito contra deputados, senadores, ministros e ex-ministros

Eduardo Cunha

» Domar o deputado do PMDB do Rio de Janeiro, provável presidente da Câmara, para evitar derrotas governistas no Congresso em temas essenciais. Na primeira gestão, principalmente em 2013, o então líder peemedebista comandou várias rebeliões na Casa e armou sucessivas pautas-bombas contra os interesses da gestão

PIB

» Reconquistar a confiança do empresariado para aumentar a capacidade de investimento no país e, desta maneira, espantar o "pibinho". O objetivo é recolocar o Brasil no trilho do crescimento. A balança comercial negativa e o deficit nas contas públicas são alguns dos indicativos de que o Brasil vai mal nesta área, travando o desenvolvimento.

Inflação

» Conter o fantasma da inflação que amedronta os cidadãos brasileiros e buscar saídas para que as famílias, 46% delas endividadas, consigam retomar o poder de compra

Movimentos sociais

» Atender demandas específicas dos mais diversos segmentos de movimentos sociais. A exemplo dos sindicatos, os movimentos sentiram-se escanteados do poder nos primeiros quatro anos. Há reclamações especialmente na questão agrária

Olimpíadas de 2016

» Repetir o sucesso de organização da Copa do Mundo realizada no Brasil e conseguir dobrar atletas brasileiros que já demonstram insatisfação com a escolha de George Hilton para comandar o Ministério do Esporte. Em carta, assinada por alguns medalhistas olímpicos, esportistas afirmaram que se sentem "envergonhados e desprestigiados" com a escolha

Setor financeiro

» Os banqueiros não gostaram das sucessivas baixas de juros realizadas entre 2010 e 2014. O clima entre a petista e o setor financeiro azedou de vez com as críticas de Dilma aos banqueiros durante a campanha. Retomar o diálogo é uma das prioridades do novo governo

Lula

» Apesar do movimento "volta, Lula", o ex-presidente defendeu o direito de Dilma disputar a reeleição. Mas agora já fala em concorrer em 2018, e não quer entrar em campo com o atual governo mal avaliado. Por isso, deve aumentar a pressão sobre Dilma até o próximo pleito

PT

» Domar as várias tendências do Partido dos Trabalhadores. Egressa do PDT, a presidente precisou da legenda e da militância na reta final para se reeleger. A sigla deve cobrar essa fatura à altura

Servidores públicos

» Afagar o funcionalismo público. O desafio é complexo. Com a economia fragilizada, os servidores sabem que dificilmente conseguirão aumento nos salários pelos próximos quatro anos, apesar do recente reajuste de 15,8%