Durante a investigação do mensalão, surgiu a esperança de mudança radical de rumos, ainda que tardia, na repressão aos crimes de corrupção. Enquanto o Supremo Tribunal Federal preparava um julgamento histórico, na então maior empresa do país, a Petrobras, prosperava um esquema de desvio de recursos muito maior, seja pela quantidade de dinheiro envolvido, seja pelo número de políticos supostamente beneficiados e participantes da trama. Se o julgamento do mensalão provou que políticos podem ser presos, o da Petrobras tem um alcance maior - surgiu a chance, em tese, de punir-se finalmente os corruptores.. Os dois escândalos têm pontos em comum e são didáticos ao indicar caminhos para combater a corrupção com eficiência. A Operação Lava-Jato delineia um esquema de apropriação de recursos públicos, onde o assalto ao dinheiro do Estado por empresas privadas passa pela intermediação política, via indicação de "afilhados" para cargos de decisão nas empresas estatais ou nos órgãos públicos que cuidam das licitações. A primeira providência para fechar o cerco à corrupção é reconhecer sua extensão. "O Brasil ainda é um país extremamente corrupto", disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que defendeu como corretivo que "corruptos e corruptores precisam conhecer o cárcere". Seu discurso provocou abalos no Planalto porque Janot saiu de sua seara para sugerir "eventual substituição de sua (da Petrobras) diretoria", sem presunção de culpa. É o que parece óbvio nas atuais circunstâncias, dada situação estarrecedora em que se encontra a companhia - um choque de gestão precisará coroar o fim desse escândalo para limitar o espaço dos próximos. Com todos méritos que possa ter, a direção da Petrobras e seu Conselho não moveram uma palha para impedir malfeitos ou desvendá-los, depois de denúncias de enorme malversação de verbas. Os sistemas de controle, se existiam, foram desativados e nenhuma auditoria constatou absolutamente nada, o que é inacreditável. A roubalheira prosperou no vácuo de governança da Petrobras, que exibiu falhas incompatíveis com uma empresa de seu porte e importância internacional. Sua diretoria foi quase toda loteada entre partidos, que montaram uma esquema de contribuição de campanhas eleitorais ou enriquecimento pessoal de diretores e políticos. Uma vez indicados, os diretores comportavam-se como sátrapas, sem limites para suas ações nos assuntos de sua área. As indicações para o Conselho por parte do controlador, o controlador!, não foram guiadas pela competência ou saber técnico mas, em vários casos, apenas para complementar salários de ministros e assemelhados. A Petrobras se livrou dos ritos de licitação de empresa pública no governo de Fernando Henrique, o que lhe deu agilidade negocial. Esse não foi um erro e voltar ao passado não seria uma solução. Licitações públicas são fraudadas o tempo todo, no país inteiro. A estatal, porém, usou e abusou de cartas-convite e hoje sabe-se por que. Concorrência tornou-se formalidade quando as empresas que executariam as obras eram previamente escolhidas em um grupo seleto. A carta-convite também não é um mal em si, desde que haja supervisão dedicada da empresa sobre todas suas áreas, com conselhos fiscais e de auditoria. A ausência de controle tornou possível que se comprasse uma refinaria como a de Pasadena, carinhosamente apelidada por funcionários da companhia de "ruivinha" pelo seu estado ferruginoso, por mais que o dobro do preço. Ou que uma refinaria orçada em US$ 2,5 bilhões passasse a custar US$ 20 bilhões sem que ninguém no governo ou na empresa mostrasse qualquer espanto. Mesmo à distância, o TCU alertou várias vezes para possíveis irregularidades em obras da Petrobras. Mesmo assim sua continuidade foi defendida pelo Executivo, como no caso de Abreu e Lima. Por mais poderoso que seja, o TCU será incapaz de barrar a corrupção na Petrobras se a própria empresa não erigir barreiras internas que a protejam. Métodos de escolha da direção precisam mudar, urge criar sistemas de controle profissionais com relativa independência da diretoria e preenchidos por profissionais de notório saber. Nada disso adiantará sem uma blindagem pelo controlador, a União. Não há muitos motivos de esperança aqui. Apesar do escândalo da Petrobras, a partilha de cargos nas estatais e na administração segue sendo feita por critérios políticos, para contemplar a base governista.