A Petrobras segue negociando intensamente com credores um prazo mais alongado para apresentar suas demonstrações financeiras, com ou sem o aval dos auditores, em uma corrida contra o tempo para evitar que dívidas gigantescas tenham vencimento antecipado já no fim de janeiro ou até o fim do primeiro semestre de 2015. As cifras envolvidas seriam um pesadelo para o ministro da Fazenda de qualquer país, e não é diferente para o próximo ocupante da pasta, Joaquim Levy.

Se não tiver o balanço de 2014 auditado até o dia 30 de junho, ou 180 dias após o fim deste ano, a Petrobras entrará tecnicamente em "default", o que vai disparar cláusulas contratuais que preveem a antecipação da cobrança de US$ 56,7 bilhões.

Isso pode acontecer porque, ao não apresentar o balanço, a estatal descumpre cláusulas restritivas (covenants) de alguns empréstimos de longo prazo que tomou para se financiar. A cifra apenas do que vence em junho equivale a aproximadamente 15% das reservas cambiais do Brasil, de US$ 374,8 bilhões.

Na sexta-feira a companhia informou que, da dívida total de US$ 135,3 bilhões que tinha em 30 de setembro, existem obrigações relacionadas à divulgação de balanço, seja trimestral ou anual, auditado ou não, de US$ 97,8 bilhões, um quarto das reservas cambiais. Sobre essas, os vencimentos podem ser "acelerados", com os credores podendo cobrar antecipadamente o pagamento integral antes do vencimento, observados os prazos contratuais previstos.

Um analista de um grande banco observou que acelerar os vencimentos não é interessante para bancos e nem bondholders da Petrobras e, portanto, acha que o risco de uma aceleração de dívidas é "apenas teórico". Contudo, as negociações para o perdão por descumprimento das cláusulas contratuais devem vir acompanhadas de taxas maiores e outras condições mais duras. "Com isso o fluxo de caixa livre da empresa deve ficar mais apertado."

Nas últimas semanas, a Petrobras conseguiu estender para 31 de janeiro o vencimento de dívidas de US$ 7 bilhões que teriam que ser pagas até o fim deste mês, antecipadamente, porque não tem sequer o balanço não auditado do terceiro trimestre. E já iniciou negociações para o restante. Além de aumentar o prazo do vencimento, parte dos credores aceitou alterar a obrigação desses contratos. Agora, basta um balanço pro-forma, sem o aval da auditoria PwC, para que a companhia cumpra o acordado. Mas o segundo adiamento, anunciado na sexta, mostra que a companhia não se sente confortável para publicar nem mesmo números não auditados, já que não conhece o tamanho do rombo.

E trouxe um fôlego de 46 dias para que se decida como será feita a baixa contábil dos bilhões que foram superfaturados nos últimos anos por ex-diretores associados a fornecedores de equipamentos e serviços para abastecer um esquema bilionário de corrupção e suborno, cuja extensão ainda é desconhecida já que a cada dia vêm à tona novas, e devastadoras, apurações dos responsáveis pela Operação Lava-Jato na Justiça de Curitiba.

Além do réu confesso Paulo Roberto Costa, outros três diretores devem ser denunciados por corrupção. A situação da atual diretoria também começa a ficar insustentável, apesar de ser reconhecida como séria e de ter conseguido "entregar" resultados há muito prometidos. E isso também preocupa o analista ouvido ontem pelo Valor. "É complicado trocar a liderança agora, pode atrasar as metas por mais alguns anos. E 2015, que deveria ser o ano de consolidação, pode ser mais um ano perdido", avalia.

Com um obstáculo creditício contornado temporariamente, a estatal enfrenta uma corrida contra o tempo, enquanto sangra. Se não divulgar qualquer balanço do terceiro trimestre, dispara o pagamento de dívidas de US$ 40,3 bilhões. Além dos US$ 7 bilhões que já foram objeto de aditivo contratual, há duas outras linhas, uma de US$ 10,6 bilhões, outra de US$ 22,7 bilhões, que completam o total e que são passíveis de ter vencimento antecipado para abril e maio. A divulgação de demonstrações trimestrais, mesmo sem revisão do auditor, no período entre 120 e 150 dias após 30 de setembro, atende às exigências desses credores. Em 30 de junho de 2015 vence a cláusula da dívida mais relevante, de US$ 56,7 bilhões.

A Petrobras reapresentou seu formulário de referência na sexta-feira, agregando essas informações, por exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A companhia reafirmou que possui apenas uma cláusula restritiva ligada à métrica dívida líquida/Ebitda, que não pode passar de 5,5 vezes. Ela se aplica a um empréstimo de R$ 25 bilhões do BNDES. Em junho, esse indicador estava em 4 vezes e deve ter subido em setembro.

 

 

Medidas mostram estatal se preparando para o pior

 

A decisão da Petrobras de adiar mais uma vez a divulgação de números não auditados e de adotar medidas para não precisar tomar empréstimos ao longo de 2015 inteiro, o que exigiu inclusive “redução no ritmo de investimentos”, foi avaliada por agentes de mercado como um sinal de que a estatal está se preparando para o pior cenário e que um balanço auditado não deve vir tão cedo.

“É um corte na carne e não na gordura. Isso significa que talvez a produção não cresça como o esperado, o que vai afetar a geração de caixa daqui a dois ou três anos”, diz uma fonte de mercado.
A decisão de adiar inclusive o balanço pro forma, cuja divulgação era esperada para a sexta-feira, foi tomada após reunião do conselho de administração da companhia que durou nove horas. “A empresa ainda não tem como avaliar corretamente as baixas nos ativos, por isso decidiu aguardar, para não dar aos acionistas informações que podem ser alteradas”, explicou uma fonte. “Existem várias maneiras de fazer essa conta. A empresa ainda não tem como distinguir exatamente o que é propina e o que é sobrepreço”, disse uma outra.
A medida também foi considerada a mais prudente depois de uma correspondência dos advogados americanos ter alertado, na quinta-feira, sobre os riscos de se divulgar uma baixa que poderia ser ampliada devido ao aprofundamento das investigações. Isso poderia prejudicar a estatal no processo movido contra ela nos Estados Unidos por acionistas minoritários. O adiamento não poderia ter sido antecipado ao mercado porque o assunto precisava ser levado ao conselho.
Existem até o momento sete ações coletivas (class actions) na corte distrital sul de Nova York, e a Petrobras disse acreditar que outras serão apresentadas e consolidadas com a ação proposta por inicialmente por Peter Kaltman. Ele e outros investidores alegam que a estatal os enganou ao emitir informação falso e não revelar esquema interno de corrupção e lavagem de dinheiro.
A admissão da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de que foi informada em maio pela SBM Offshore sobre o pagamento de propinas a funcionários da estatal, fato que ela não comunicou à época, não ajuda a defesa da estatal.
A Petrobras afirma que soube do assunto através de reportagem do Valor em fevereiro e que, em maio, o presidente da SBM, Bruno Chabas, ligou para informar que o Ministério Público Holandês tinha confirmado transferências de uma conta do representante comercial (Julio Faerman, da Faercom e Oildrive) para “um empregado ou ex-empregado” de nome não identificado. A estatal alega que não poderia informar ao mercado sobre o assunto para não atrapalhar as investigações, que eram sigilosas.
Na reunião do conselho de sexta-feira, também foi definida a empresa de recrutamento que deverá apresentar em 30 dias a lista tríplice de nomes de onde sairá o novo diretor de Governança, Risco e Conformidade. O cargo será criado como resposta às falhas de governança que serão objeto de investigação pela Securities and Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos, que deve gerar processos na esfera civil. Nesse primeiro momento, o Departamento de Justiça (DoJ) daquele país deve apenas acompanhar, para depois definir se abre processo criminal por infração à lei americana anticorrupção no exterior.
Mesmo sem informações relevantes como o lucro e Ebtida, a Petrobras divulgou Fato Relevante na sexta-feira trazendo algumas informações financeiras do terceiro trimestre. Tendo encerrado setembro com R$ 70,26 bilhões em caixa e títulos públicos federais, a estatal informou que tomou medidas para aumentar sua liquidez, a fim de evitar necessidade de tomar novos empréstimos ao longo de 2015.
Entre as medidas, a companhia citou “antecipação de recebíveis, a redução do ritmo dos investimentos em projetos, a revisão de estratégias de preços de produtos e a redução de custos operacionais em atividades ainda não alcançadas pelos programas estruturantes”. De acordo com a Petrobras, essas ações “asseguram fluxo de caixa livre positivo no próximo ano”. A companhia informou que esses níveis de conforto têm como base preços de petróleo em torno de US$ 70 por barril e taxa de câmbio em torno de R$ 2,60. Na sexta-feira, o petróleo tipo Brent fechou cotado a US$ 61,85 e o dólar a R$ 2,65.
Sendo uma empresa com reservas provadas de 15,6 bilhões de barris de petróleo, numa estimativa conservadora, a venda de ativos seria um caminho para levantar caixa, na avaliação de alguns analistas. Mas ao se desfazer de ativos hoje a empresa abriria mão de resultado futuro.