Parte dos investidores já tem tratado o Brasil como um país que não tem o grau de investimento, espécie de selo de bom pagador de sua dívida, dado por agências que avaliam risco.

O custo para se proteger de um calote do Brasil está mais alto do que o seguro contra uma moratória de Turquia, Bulgária ou Indonésia, já considerados "especulativos" pela agência Standard & Poor's --uma das três principais no mundo.

Os três países estão na faixa mais alta da classificação especulativa, um degrau abaixo do Brasil --que, pelo ranking da S&P, está hoje a uma nota de perder o grau de investimento.

Na sexta-feira, o CDS (Credit Default Swap) brasileiro, papel que o investidor compra para se proteger do calote, fechou cotado a 238,3 pontos. Isso significa que, para proteger US$ 10 milhões emprestados ao governo brasileiro por um ano, o investidor paga US$ 238,3 mil.

O valor do CDS brasileiro está bem acima dos 189,3 pontos da Turquia, 192,8 pontos da Bulgária e 151 pontos da Indonésia. Só não supera o da Rússia, de 475 pontos.

O seguro contra o calote da Índia, que tem a mesma classificação brasileira, está em 157,9 pontos.

DESAFIO

A percepção dos analistas é que o mercado está "trucando" o ministro Joaquim Levy (Fazenda) a dar sinais concretos de que conseguirá fazer a economia prometida pelo governo, de 1,2% do PIB.

No ano passado, União, Estados e municípios fecharam, juntos, com deficit de R$ 32,5 bilhões (0,63% do PIB), primeiro resultado negativo da série histórica iniciada pelo BC, em dezembro de 2001.

Como o governo não teve dinheiro para cobrir todas as despesas, seu endividamento cresceu, o que aumenta a desconfiança do investidor.

Os seguros para papéis brasileiros ficaram mais caros que os turcos a partir de novembro, depois que a presidente Dilma Rousseff ganhou a eleição. No dia 24 de outubro, antes da reeleição, o CDS brasileiro estava cotado a 166 pontos.

A diferença se aprofundou desde o início do ano, após a posse de Levy. Em 31 de dezembro, o papel fechou cotado a 197 pontos. Desde então, subiu 41,3 pontos.

Com o seguro contra calote mais caro, os investidores exigem juros mais altos dos papéis brasileiros para compensar essa perda.

"A incerteza sobre o ajuste fiscal e a falta de credibilidade da política econômica são as principais causas desse mau humor do mercado", disse Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores.

Os investidores também estão reagindo a indicadores ruins: economia estagnada, inflação em alta e amplo deficit em transações correntes (trocas do país com o mundo).

Segundo Zenia Latif, economista-chefe da XP Investimentos, o mercado se antecipou às grandes crises que rondam a economia brasileira: o risco de falta de água e energia e os desdobramentos da Operação Lava Jato.

"O mercado financeiro olha seis meses à frente e o grau de incerteza é enorme. Ninguém sabe quais serão os impactos da Lava Jato nos investimentos e na solidez do sistema financeiro", disse.

 

CDS servem para reduzir risco de calote

DE SÃO PAULO

Os contratos de CDS (Credit Default Swap) são uma espécie de seguro contra calote, comprados por quem precisa mitigar o risco de inadimplência de um país ou de uma empresa, sob pena de tomar um prejuízo fatal para a sua operação.

Quanto maior o risco de calote, maior o custo dessa proteção. Na prática, o preço do CDS se tornou um termômetro de como o mercado avalia a chance de inadimplência de um país ou de uma empresa.

Pelo contrato, o seguro é comprado por investidores (como um banco que tenha emprestado muito a um determinado cliente) de outros aplicadores disposto a assumir esse risco e a indenizá-lo em caso de inadimplência.

Só o risco é negociado; a dívida original (ou título) continua com o primeiro investidor.

NOTAS DO BRASIL

Já as notas de crédito oferecem um diagnóstico de saúde financeira do país. Há investidores institucionais que só podem aplicar recursos em países que tenham grau de investimento concedido por essas grandes agências.

Moody's, S&P e Fitch são as agências de maior peso para o mercado.

O Brasil é avaliado com grau de investimento pelas três agências nesse momento. Na Moody's e na Fitch, ainda está a dois degraus de perdê-lo.

 

Falta sensatez ao mercado, afirma especialista em câmbio

Para economista, disparada do dólar antecipou fracasso do ajuste fiscal

TATIANA FREITASDE SÃO PAULO

O Brasil terá dificuldades para atrair o capital estrangeiro em 2015, o que pode levar o dólar a R$ 3,20 ao final deste ano. A disparada da moeda americana nesta semana, porém, teve muita influência de especuladores, que estão antecipando dificuldades mais graves que o governo pode enfrentar para colocar a economia nos eixos.

A avaliação é do economista Sidney Nehme, diretor da corretora de câmbio NGO, que vê o câmbio de R$ 2,80 como "justo" no momento.

Folha - A taxa de câmbio reflete a situação econômica atual?

Sidney Nehme - O meu conceito é que R$ 2,80, para o final do trimestre, seja o dólar justo, compatível com a situação econômica do país.

O dólar precisa ter o seu valor adequado e, assim, ajudar a indústria. Se não para alavancar as exportações, porque exportar é um processo um pouco mais lento, mas para recompor a presença da indústria no mercado interno. O Brasil precisa conter as importações porque tem um ano pouco promissor nas contas externas.

Por quê o sr. vê deterioração das contas externas?

O país está pouco atraente para investimentos na conta capital, que é o investimento produtivo, e sem a oportunidade efetiva de trazer capital especulativo. E, mesmo para o capital especulativo, o real valorizado era um fator quase impeditivo, porque trazia o risco de uma oscilação brusca anular o ganho de quem veio buscar rentabilidade em juros. O dólar mais alto elimina esse receio do investidor, e ele tende a vir [ao Brasil]. O país precisa aumentar o fluxo favorável e, neste momento, não pode escolher qualidade.

O governo está trabalhando nesse sentido?

O Levy [Joaquim Levy, ministro da Fazenda] deu o sinal de que não quer o dólar artificializado. E o mercado ajustou-se. O estado da nossa economia justifica esse ajuste, mas o mercado também procurou precificar a tempestade que pode vir. Aí entra o especulador. A minha previsão é que o Brasil chegue ao final do ano com o dólar a R$ 3,20, mas isso será consequência de uma série de desapontamentos que devem ocorrer neste ano.

Que tipo de frustrações?

Quando se consumar que temos menos fluxo e ruído nas contas externas, vai se refletir na taxa de câmbio, principalmente se não formos capazes de gerar o superavit primário. O dólar vai buscar no novo preço o grau de dificuldade que se tenha. O que não pode é partir do pressuposto de que nada vai dar certo. Estamos começando o ano, tem que ter um pouco mais de paciência.

Então a forte alta do dólar nesta semana foi especulação?

Você nota que foi por especulação porque o fluxo cambial de janeiro a fevereiro está positivo. Não houve nenhuma demanda exacerbada em termos líquidos que justificariam a pressão efetiva sobre o preço do dólar. Houve um excesso, que vai acabar sendo ajustado, com um pouco de volatilidade.

Está faltando um voto de confiança ao governo?

O nível de confiança está muito baixo. Não falta confiança no ministro, mas na capacidade do governo de colocar em prática tudo isso [o ajuste fiscal], já que se vê a própria base de sustentação do governo tendo uma posição contrária. À medida que se verifique a possibilidade de não cumprir o superavit, aumenta o risco de perda do grau de investimento e aí você tem um fator de alavancagem da taxa. Mas eu não posso precificar isso agora. Está faltando sensatez.

 

RAIO-X - SIDNEY NEHME

 

Formação
Formado em economia pela Universidade Católica de Santos, pós-graduado em administração de empresas pela Universidade de São Paulo e especializado em comércio exterior e finanças internacionais pela London School of Economics

Carreira
Atua no mercado financeiro com ênfase no segmento de câmbio desde 1964. Foi gerente e diretor de instituições financeiras de grande porte, como Banespa e Garantia. No exterior, passou por instituições como o Midlank Bank (atual HSBC) e Manufacturers Hanover Trust Company. É proprietário e diretor-executivo da NGO corretora de câmbio