O crédito consignado passou de sinônimo de dinheiro barato e prático - o desconto é direto na folha de pagamento - para se tornar uma fonte de dor de cabeça para o consumidor. Atualmente, praticamente uma em cada quatro reclamações enviadas ao Banco Central (BC) está relacionada a esse tipo de empréstimo.

O BC recebeu 19,7 mil queixas sobre bancos de julho do ano passado a janeiro de 2015 e, destas, 4,8 mil (ou 24,5%) tinham alguma relação com o consignado. 

Os órgãos de defesa recomendam atenção redobrada a contratos e cláusulas, principalmente porque é muito comum nesse mercado a figura do correspondente bancário - também conhecido pelo nome pejorativo de “pastinha”. Esse profissional representa a instituição financeira e é, muitas vezes, a única forma de contato da população com o sistema bancário.

“Os problemas acabam sendo mais frequentes quando o crédito é tomado fora dos olhos da instituição financeira, por meio desses correspondentes”, diz a supervisora de assuntos financeiros do Procon-SP, Renata Reis. Isso não quer dizer, contudo, que o banco ou a financeira estejam livres de responsabilidade. “É importante que haja fiscalização das empresas que optaram por essa forma de representação”, afirma.

Em caso de problemas, a recomendação é registrar a queixa na ouvidoria do banco. Depois, procurar o Procon e o BC.

Portabilidade 

As reclamações estão divididas em dois grupos. De um lado, quase 60% dos problemas ocorrem porque o cliente não consegue mudar seu crédito de um banco para outro - a chamada portabilidade. 

O crescimento das queixas coincide com as novas regras para portar um empréstimo - em vigor desde maio do ano passado. As normas estabelecem, entre outras novidades, um prazo para que o banco detentor da dívida apresente uma contraproposta, caso o consumidor manifeste vontade de migrar o débito. Além disso, o processo agora deve ser realizado por via eletrônica.

“Os bancos não estão respeitando a regra. Eles não fornecem o saldo que o cliente está devendo e não liberam a pessoa para fazer a migração”, diz Edison João Costa, presidente da Aneps, associação que representa os correspondentes.

A entidade está organizando um abaixo-assinado para rediscutir as mudanças na portabilidade, sob a alegação de que consumidores e correspondentes não foram beneficiados.

No outro rol de reclamações, 42,5% das queixas estão disseminadas por questões tão diversas como o não fornecimento de boletos para o pagamento antecipado da dívida ou a falta de um contrato que formalize o empréstimo. Em comum, há a falta de clareza na operação.

“A percepção que os órgãos de defesa do consumidor têm sobre o consignado é de que o consumidor fica numa situação muito vulnerável”, diz Renata, do Procon-SP. Ela diz que é importante ter em mãos documentos que provem a oferta apresentada na tomada do crédito.

Público-alvo

O consignado é mais popular entre os aposentados e funcionários públicos. Em dezembro, o saldo das operações somava R$ 252 bilhões, um crescimento de 370% em relação a 2007, quando os dados começaram a ser coletados.

Deste total, R$ 155,8 bilhões, ou 62%, correspondiam ao valor dos servidores e R$ 77,1 bilhões (30%) ao dos aposentados. Só R$ 19,1 bilhões, ou 7,5%, eram de empréstimos de trabalhadores do setor privado. 

Apesar dos problemas, o tomador de empréstimo pode encontrar no consignado uma opção para o pagamento de contas ou substituição de dívidas mais caras. Como o débito é direto do salário, a chance de inadimplência é menor. Por isso, o juro é mais vantajoso. É melhor recorrer a esse crédito do que ficar no vermelho no banco, por exemplo - o juro mensal do consignado é de 2%, contra 9,6% do cheque especial.

Procurado, o BC afirmou que o crescimento do consignado explica a multiplicação das queixas. Disse ainda que o mesmo se aplica às novas normas de portabilidade, que aumentaram a procura pela modalidade.