Para quem sempre dizia que os Brics não guardavam semelhanças entre si para justificar a existência de um bloco, eis uma desagradável constatação: Índia, Rússia e África do Sul se esforçaram para entoar o mantra de reformas e ajuste fiscal, em maior ou menor medida, com promessas de aceleração do crescimento nos próximos anos. Em um discurso que guarda sintonia com o do ministro brasileiro da Fazenda, Joaquim Levy, acenaram com mais rigor nas contas públicas e modernização de suas economias para reverter a desconfiança dos investidores em Davos. A similaridade nos discursos expõe o que já se podia notar nos corredores do Fórum Econômico Mundial: o interesse pelos Brics, em função das incertezas vividas pelos seus países, não move as mesmas paixões de antes. "É o momento de fazermos uma consolidação orçamentária", afirmou o ministro das Finanças da África do Sul, Nhlanhla Musa Nene, destacando cortes de gastos e reformas feitas no setor elétrico para atrair mais capital privado em geração de energia, com o objetivo de resolver definitivamente os problemas de abastecimento. Alvo de sanções econômicas e enfrentando forte volatilidade do rublo, a Rússia teve que explicar como pretende conviver com os preços do petróleo em um patamar mais baixo. Na condição de ex-ministro das Finanças entre 2000 e 2011, Alexei Kudrin garantiu que a economia russa está preparada para lidar com a queda do petróleo - o país tem cerca de US$ 400 bilhões em reservas internacionais - e isso pode ajudar na velocidade das reformas. "Infelizmente, não fizemos reformas antes e agora precisamos fazê-las nas condições atuais. Devemos aprender a conviver com preços moderados." Kudrin admite que haverá contração de 2% a 3% na Rússia, em 2015, mas acredita em "crescimento estável" dentro de "um ou dois anos". Ele ressaltou que os Brics não fazem sentido apenas como bloco econômico, mas coordenam posições políticas entre si, antes de reuniões do G-20 e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, os investidores não devem ficar presos a uma análise meramente conjuntural. "Esses países [Brics] têm potencial de longo prazo, não relacionados aos ciclos de alta ou de baixa, no curto prazo." Em situação mais confortável, de quem cresceu mais de 5% no ano passado, a Índia também foi firme em apontar o caminho das reformas. "A mudança política mais importante não é a do novo governo", disse o ministro das Finanças, Arun Jaitley. "É a da mentalidade das pessoas, que diminui resistências ao processo de reformas", continuou Jaitley, dando como prioridade melhorias na infraestrutura e o aumento da capacidade de produção. "A nossa meta é voltar à taxa de 7% ou 8%." Nem a China, que divulgou seu menor ritmo de crescimento em 24 anos, se vê livre de dar satisfações aos investidores de Davos. Na sessão dos Brics não havia autoridades, mas o recado foi de que não será mais viável buscar taxas de expansão de dois dígitos. "Ainda podemos crescer 8% ao ano nas próximas décadas. Essa é a taxa potencial, mas não podemos depender tanto das exportações", afirmou o professor Justin Lin, da Universidade de Pequim. Em 2014, o crescimento registrado foi de 7,4%. Pelo Brasil, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, enfatizou o "choque de confiança" buscado pela nova equipe econômica e mencionou o baixo índice de desemprego para dizer que é "uma boa hora para fazer reformas". Neri lembrou que, apesar do crescimento médio de 0,8% da economia entre 2012 e 2013, a renda média dos trabalhadores cresceu 5,5% no mesmo período. Para ilustrar os avanços no poder de compra das pessoas, o ministro afirmou ter visitado todos os países dos Brics nos últimos anos e detectou um ponto em comum: "As cidades estão congestionadas. A boa notícia é que as pessoas podem comprar carros". Bom para empresas como a Renault -Nissan, de Carlos Ghosn, que reconheceu a situação "muito difícil" na Rússia e a "decepção" com o Brasil, mas foi categórico ao falar dos Brics: "Não vamos retroceder em nenhum desses mercados".