Título: Visão do Apocalipse
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2011, Opinião, p. 12

Visão do Correio

O diagnóstico de Pere Navarro Olivella não constitui novidade para autoridades e habitantes do Distrito Federal. Publicada ontem no Correio, a entrevista do especialista que reduziu em 57% o número de mortes nas estradas espanholas critica o modelo de trânsito brasiliense. O paradigma adotado privilegia os carros em detrimento do pedestre. Não é desprovida de sentido a afirmação de que aqui o corpo humano se divide em cabeça, tronco e rodas.

No paraíso dos automóveis, as obras públicas visam a facilitar o aumento da frota. Ampliam-se pistas, constroem-se viadutos, abrem-se caminhos alternativos. Ao mesmo tempo, não se fazem investimentos no transporte de massa. O resultado não constitui novidade para ninguém. Congestionamentos inimagináveis há cinco anos, desrespeito ao limite de velocidade, fiscalização ineficiente, mortes no asfalto. Este ano, 140 acidentes roubaram a vida de 156 pessoas.

Se o motorista vive no céu, o pedestre sofre no inferno. Sem calçadas, sem respeito a faixas que lhe garantem o direito de atravessar a rua com segurança, sem atenção às passagens subterrâneas (entregues a moradores de rua, traficantes e drogados), andar a pé constitui aventura desestimulada sob todos os aspectos. A opção pelo transporte público tampouco encontra resposta estimulante.

Ônibus velhos, superlotados e sem a manutenção adequada protagonizam acidentes, quebram-se no caminho e deixam os passageiros desamparados no asfalto à espera de socorro que não tem hora para chegar. O metrô, além da abrangência limitada, não consegue atender satisfatoriamente o usuário que tem horário para partir e chegar.

As soluções para o caos aventadas por Peri Olivella não trazem nenhuma receita mágica. "Se você planta pistas", disse ele, "colhe carros. É preciso repensar o modelo de transporte e dar alternativas para que a população nem sequer queira pegar o carro." Ora, para mudar a mentalidade, não bastam palavras nem belos projetos imobilizados no papel. Impõe-se concretizar medidas aptas a sintonizar Brasília com o século 21.

A capital precisa de malha tecida de metrôs e ônibus capaz de levar e trazer o cidadão com rapidez e segurança. Metrópoles como Londres, Berlim, Oslo e Copenhagen aviaram receita capaz de deixar o veículo particular em plano secundário. Brasília pode ¿ e deve ¿ se inspirar no modelo. A hora é agora.