O aumento de impostos sobre os combustíveis pode levar a inflação a superar 7% em 2015. Depois do anúncio feito pelo governo na segunda-feira, economistas ouvidos pelo Valor elevaram suas estimativas para a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano, que já contavam com estouro da meta inflacionária no período. O principal fator que levou às revisões foi a recomposição maior que o esperado da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina.

Juntos, os reajustes da Cide e do PIS/Cofins vão adicionar R$ 0,22 ao preço do litro da gasolina e R$ 0,15 no do diesel a partir de fevereiro. A Petrobras pode reduzir os preços na refinaria para neutralizar o impacto ao consumidor, mas essa hipótese não é considerada por grande parte dos analistas ouvidos.

Alguns economistas contavam com aumento um pouco maior dos impostos, mas mesmo nesses casos não houve alívio nos cenários para a inflação devido a outros riscos no radar, com destaque para as tarifas de energia.

Em função dos combustíveis, a LCA Consultores revisou sua projeção para o aumento da inflação oficial em 2015, de 7% para 7,2%. Segundo o economista Fabio Romão, a contribuição de 0,22 ponto percentual no IPCA virá principalmente da gasolina, que vai subir 8,4% no ano somente devido à alta dos impostos. Considerando outros impactos, como a variação dos preços do etanol, a alta deve chegar a quase 11%. Romão trabalhava com uma recomposição menor da Cide, de R$ 0,10 por litro.

O economista aponta que os efeitos do aumento da gasolina no IPCA são diretos e de curto prazo, o que indica avanço de 1,13% do indicador em fevereiro, acima dos 0,96% estimados anteriormente. A LCA também ajustou ligeiramente sua previsão para a inflação oficial de março, de 0,58% para 0,60%.

Já a influência do reajuste do diesel sobre a inflação é indireta e mais difícil de estimar, observa Romão, mas ocorrerá ao longo do ano e será disseminada, já que os preços de fretes serão afetados. Em seus cálculos, os preços do diesel vão avançar 6,5% exclusivamente por conta dos impostos, mas a alta acumulada nas bombas no ano será maior, de 8,4%, por questões de mercado.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, também elevou sua estimativa para o aumento do IPCA no ano, de 6,8% para 7,3%. O número considera que os preços administrados vão avançar 10,9% no ano, influenciados principalmente pelas tarifas de energia elétrica mais pressionadas e, em segundo plano, pelos combustíveis. Antes das medidas anunciadas na segunda, Gonçalves trabalhava com variação menor dos itens monitorados, de 9%.

Segundo Gonçalves, é certo que os itens administrados vão acelerar bastante e os serviços ainda devem mostrar resistência ao longo do ano, mas mesmo assim, a previsão de inflação acima de 7% de janeiro a dezembro está "sujeita a chuvas e trovoadas", a depender dos efeitos da atividade enfraquecida sobre outros preços. O repasse do aumento dos custos de transporte com o diesel, por exemplo, pode ser mais moderado, diz, assim como a alta de bens comercializáveis.

"Esse pacote [de ajustes] é contracionista. Há fatores nele que puxam preços para cima, mas há outros que reduzem a renda disponível e, portanto, os bens 'tradables' vão sofrer", afirma. Por enquanto, ele avalia que os preços comercializáveis, que podem ser transacionados com o exterior, vão subir 5,5% em 2015, mas não descarta um cenário mais semelhante ao de 2009, quando a recessão levou esses itens a aumentar apenas 3,2%. "Se for isso, o IPCA ficaria um pouco abaixo do teto da meta."

Já Adriana Molinari, da Tendências Consultoria, não conta com cumprimento da meta inflacionária em 2015, mesmo com a correção abaixo do esperado dos impostos sobre a gasolina. Adriana previa que a Cide iria para R$ 0,26 por litro do combustível, mas mesmo assim deve rever para cima sua estimativa atual para o aumento do IPCA no ano, de 6,8%. Isso porque as tarifas de energia elétrica devem subir cerca de 35% no período. Atualmente, essa previsão está em 24%.

 

Maior tributação da gasolina ajuda a aliviar crise do etanol

 

O anúncio do aumento da tributação na gasolina tende a trazer mais do que uma remuneração adicional aos produtores de etanol, que estão há alguns anos no vermelho em função do represamento dos preços da gasolina no mercado interno. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também sinalizou que a intervenção do governo na política de preços do derivado fóssil da Petrobras não deve mais ocorrer, na visão da Unica, associação que representa a maior parte das usinas do país.

"Ao declarar que preço da gasolina não é uma atribuição do Ministério da Fazenda, mas da Petrobras, Levy deu um sinal de que as coisas mudaram", afirmou o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Pádua Rodrigues.

Apesar de positiva e simbólica, a medida não é suficiente para provocar uma retomada dos investimentos em etanol no país, segundo a presidente da entidade, Elizabeth Farina. "Foi importante, mas precisamos saber da previsibilidade e estabilidade das regras de longo prazo para o setor", afirmou.

A maior tributação na gasolina, com a qual o etanol hidratado concorre diretamente nos postos, representa um potencial de aumento de R$ 0,22 por litro no preço do derivado fóssil ao consumidor final. Nos cálculos da consultoria FG Agro, o potencial de ganho às usinas com a venda de hidratado, que é usado diretamente no tanque dos veículos, chega a R$ 0,18 por litro.

Não há cálculos exatos sobre o efeito na demanda de etanol decorrente da perda de vantagem da gasolina, agora mais tributada. Mas se o setor sucroalcooleiro não elevar o preço do hidratado e resolver usar a vantagem para "brigar" com o concorrente fóssil pela preferência do motorista nos postos, o potencial é para o hidratado atingir no Estado de São Paulo uma paridade de 60% com o preço da gasolina - bem folgada em relação ao limite de 70% que torna o etanol desfavorável, segundo a FG Agro. Hoje, a paridade é de 67%.

A vantagem, até então restrita aos motoristas paulistas, paranaenses, goianos e mato-grossenses, se estenderia também a Minas Gerais e Tocantins.

A estratégia das usinas daqui em diante tende a ser, segundo o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, absorver margem para reduzir o endividamento e pagar juros. A dívida do setor supera em 10% seu faturamento, o que vem causando o fechamento de dezenas de usinas.

A melhora da rentabilidade do etanol tende a refletir no mercado de açúcar, cujas cotações estão baixas, diante de elevados estoques globais. Ontem, o banco de investimento Pine projetou que o preço do etanol tem potencial para subir 5% até o início de abril, o que resultaria em redução de 450 mil toneladas na produção de açúcar em 2015/16 no Centro-Sul, com aumento da produção de etanol.

 

Aumento de PIS/Cofins pode ser questionado, diz Fiesp

 

A elevação de PIS/Cofins sobre combustíveis teoricamente deveria obedecer a anterioridade de 90 dias, diz Helcio Honda, diretor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo ele, será preciso verificar o texto do decreto que trará a elevação de R$ 0,22 por litro para gasolina e R$ 0,15 para diesel.

“Numa primeira análise, sem o texto do decreto, que ainda não foi divulgado, creio que seja necessário prazo de 90 dias”, diz Honda. “Não imagino como essa elevação pode ser feita com PIS e Cofins sem esse prazo.” Segundo ele, se o decreto for publicado e não ficar clara a base jurídica para a cobrança antes dos 90 dias, a aplicação imediata tem grandes chances de ser questionada.

A elevação da tributação sobre combustíveis foi anunciada segunda-feira pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Antes da divulgação das medidas pelo ministro, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, divulgou artigo no qual defendeu que o ajuste se concentrasse em corte de despesas que não comprometesse o bom andamento do serviço público, e sem que fosse “necessário sacrificar investimentos e penalizar a sociedade com mais tributos”. “Este é o nosso limite: não podemos e não vamos aceitar mais aumento de impostos”, argumentou Skaf.