A primeira investida do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para reverter a desgastada imagem da economia brasileira no exterior e seduzir a elite global foi literalmente aplaudida por empresários e executivos apresentados ao ajuste fiscal em andamento.

Objetivo, equilibrado e conhecedor dos desafios que tem pela frente foram definições usadas pelos investidores para descrever o ministro, durante almoço fechado ontem em um luxuoso hotel de Davos, no primeiro dia de atividades do Fórum Econômico
Mundial.

Em quase duas horas de conversa informal e sempre em inglês, Levy disse aos empresários que "vai ter ajuste mesmo" e o PIB no Brasil deverá ficar "estável" em 2015, de acordo com relatos feitos por vários presentes. Ele usou a expressão "flat" para descrever o potencial de crescimento da economia neste ano.

O termo pode ser traduzido como plano, estável, próximo de zero. No almoço, organizado pelo Itaú Unibanco e que teve a presença de aproximadamente 80 convidados, o ministro enfatizou o "grande esforço" na recuperação da confiança dos investidores e prometeu transparência na política fiscal. A plateia era composta por empresários e executivos de companhias como Marriott, Novartis, Nestlé, Anglo American, Femsa, Total, UBS e BNP Paribas. O grupo também tinha pesos­pesados do PIB nacional, como Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), Vitor Hallack (Camargo
Corrêa), Claudia Sender (TAM) e Bernardo Grandin (GranBio).

Um mexicano que participava do encontro tomou a palavra e disse que a nomeação de Levy era "a melhor notícia dos últimos meses" sobre o Brasil. Foi imediatamente aplaudido pelo restante da audiência. "Ele quer facilitar a vida do investidor, garantir uma perspectiva de estabilidade aos negócios, sem mudar regras de tempos em tempos, privilegiando investimentos de longo prazo", comentou à saída do encontro, em caráter reservado, uma executiva europeia.

Outro tópico abordado pelo novo ministro da Fazenda, sempre de acordo com relatos dos participantes do almoço, tratou do impacto do ajuste econômico em fase de implementação sobre as áreas sociais. "O novo ministro falou que os avanços sociais conquistados nos últimos anos serão mantidos, que eles precisam estar equilibrados com os esforços para alcançar credibilidade na área econômica", relatou outra fonte.

O ministro da Economia da Colômbia, Mauricio Cárdenas, participou como debatedor do almoço, que teve como prato principal um insosso frango com purê de batatas e salada. Cárdenas, porém, foi pouco questionado pela plateia, embora o país tenha se transformado recentemente em queridinho dos investidores e esteja crescendo mais de 4% ao ano.

Segundo um dos participantes do encontro, Levy fez um discurso "crível e realista", sem informações novas para quem acompanha a economia brasileira, mas de forma "transparente".

Já outro empresário saiu com a opinião de que "ficou claro que vem remédio amargo pela frente". O presidente de uma das maiores consultorias do mundo disse que a postura do ministro é correta, mas é preciso esperar "alguns meses, talvez uns dois anos" para colher resultados. 

"Crescimento firme não será fácil para o Brasil, principalmente por causa das atuais condições e das perspectivas globais. Mas ele
procurou tranquilizar, dizendo que o país tem fundamentos para enfrentar crises."

Em sua participação no Fórum Econômico Mundial, que segue até sábado, Levy demonstra estar totalmente focado no mercado global. Além do almoço com figuras importantes do meio empresarial, ele deu prioridade a entrevistas para jornais e agências internacionais, falando com jornalistas brasileiros somente depois de todas as suas atividades no fórum.

Hoje, no segundo dia de atividades em Davos, o ministro terá uma agenda pesada de reuniões bilaterais. De manhã, encontra­-se com a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. Depois, participa de um almoço com presidentes de bancos centrais e investidores. À tarde, reúne­-se ainda com Klaus Schwab, fundador do Fórum de Davos, e com o presidente do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luiz Alberto Moreno.

A participação de Levy termina no sábado. Ele será palestrante em uma sessão sobre as perspectivas do crescimento global, junto com figuras como Benoît Coueré (diretor do Banco Central Europeu) e Haruhiko Kuroda (presidente do Banco do Japão).

 

"Pode haver trimestre de recessão"

 

O choque de realidade aplicado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou às projeções oficiais para o desempenho da economia brasileira. Em contraste com o reiterado otimismo da antiga equipe econômica, que se transformou em motivo de piada entre analistas do mercado, Levy admitiu que a sucessão de medidas anunciadas nas últimas semanas, com cortes de gastos e aumentos de impostos, pode levar a economia a um trimestre de contração.

“A gente pode ter um trimestre de recessão”, afirmou a jornalistas brasileiros, depois do primeiro dia de reuniões em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial. À noite, no entanto, a pedido do ministro, a assessoria da Fazenda esclareceu que Levy se enganou e que ele se referia a um trimestre de “contração”, lembrando que não existe recessão em um único trimestre.

Para o ministro, a importância de um dado nessa direção deve ser relativizada, já que o essencial é recuperar a confiança dos investidores no desempenho de longo prazo. “Para o investidor internacional, é importante saber que não estamos trabalhando no curtíssimo prazo, com remendos, mas com um crescimento sólido.”

Sem citar a equipe anterior, Levy mencionou duas vezes a “inércia” do ano passado e fez uma comparação insólita da economia brasileira com um carro que anda “engasgando”, tentando acelerar com a quarta marcha e sem pegar no tranco. Agora é a hora, segundo ele, de reduzir a velocidade para reacelerar.

“Engrenamos uma segunda [marcha] e aí aceleramos. Aquela [história] de ir pisando no acelerador com a quarta, com incentivos, isso e aquilo, vimos que não estava mais tendo tração”, disse. “Quando a gente acerta as peças, a retomada vem com relativa velocidade.”

Ao fazer um balanço de seu primeiro dia em Davos, Levy disse ter notado interesse e torcida pelo Brasil, mas pediu paciência para a retomada do crescimento. “Temos que ir construindo passo a passo”, explicou o ministro, ressaltando a necessidade de insistir nos ajustes. “Precisamos ter paciência e humildade. Não adianta fazer previsões ultraotimistas”, afirmou Levy.

Com isso, Levy deixa clara sua diferença em relação ao antecessor, Guido Mantega, que costumava “bombar” suas previsões de crescimento, mesmo diante de resultados seguidamente negativos. Em resposta às críticas, Mantega chegou a dizer que sua bola de cristal “podia ter alguns defeitos, mas costumava funcionar”.

Na semana do blecaute que afetou dez Estados, além do Distrito Federal, Levy considerou o realinhamento de preços no setor elétrico uma decisão “bem tomada” e procurou desidratar os rumores de que a Fazenda poderia voltar parcialmente atrás no fim dos aportes do Tesouro à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

O ministro afirmou “não ver dúvidas” sobre a suspensão dos repasses do Tesouro, que ajudavam a amenizar as altas nas contas de luz, ao pagar subsídios como a tarifa social para consumidores de baixa renda e combustíveis para a geração térmica em sistemas isolados.

Mesmo com o anúncio de que isso não ocorreria mais, o orçamento da CDE não foi aprovado até agora, alimentando especulações sobre a possibilidade de recuo parcial A previsão inicial era de aportes de R$ 9 bilhões do Tesouro em 2015. Sem os repasses, o fundo setorial deve ter um rombo de R$ 23 bilhões, que seria pago integralmente pelos consumidores – caso prevaleça a lógica da equipe econômica. O impacto nas tarifas de energia pode chegar a 20 pontos percentuais.

Questionado sobre o assunto, Levy evitou responder de forma clara. “Não vejo dúvidas em relação a isso”, afirmou. Em seguida, elencou qualidades do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, a quem chamou de “profundo conhecedor” do assunto. Mais adiante, lembrou que Braga também sabe como são as “restrições orçamentárias”, por ter sido governador do Amazonas.

Apesar do acúmulo de dívidas, Levy disse que o setor elétrico vive um processo de recuperação da confiança. “A gente vai ter condições de passar essa fase com muita segurança e de forma positiva para o setor.”

O ministro também comentou o impacto da forte queda do preço do preço do petróleo no mercado internacional sobre a economia nacional e a Petrobras, argumentando que se trata de “boa notícia” para o país. Segundo Levy, o barateamento da commodity reduz custos de produção da economia global e abre espaço para o crescimento da demanda por parte de consumidores nos países desenvolvidos. Esse processo tem reflexo positivo nas exportações brasileiras de manufaturados e beneficia a Petrobras com economia em suas importações e despesas de seu processo produtivo.

“Se a economia mundial cresce, fica mais fácil exportar. Com a melhora da atividade dos Estados Unidos já aumentamos nossas vendas, principalmente de manufaturados. A queda do petróleo é boa notícia para a indústria porque abre novos mercados para a gente”, avaliou Levy.

 

Debate sobre rumo do preço do petróleo lota auditórios

 

Uma das maiores inquietações no primeiro dia de debates do Fórum Econômico Mundial, em Davos, foi o rumo das commodities. As sessões que abordavam os preços do petróleo tinham auditórios lotados e filas na porta. O presidente do Itaú, Roberto Setúbal, resolveu entrar na discussão e fez um diagnóstico preliminar de que a queda nas cotações pode ser "parcialmente definitiva". "O crescimento da demanda na China não vai apoiar os preços de commodities como no passado", afirmou Setúbal, um dos seis copresidentes do fórum neste ano, referindo-se não só ao petróleo, mas apontando também impactos para o minério de ferro e a soja. Para ele, é "amplamente percebido como estrutural e permanente" a desaceleração chinesa. "A maturação de investimentos na indústria de recursos naturais adiciona ainda mais pressão. Ainda é muito cedo para conclusões definitivas, mas acredito que a queda dos preços das commodities, até agora, é parcialmente definitiva", disse. Executivos das maiores petrolíferas do mundo bateram ponto em Davos e também falaram de incertezas no setor. "A minha expectativa é de preços baixos em 2015", comentou o presidente da multinacional francesa Total, Patrick Pouyanné, depois de ter anunciado um plano de reduzir em 10% os investimentos planejados para o ano. Ele também mencionou a possibilidade de acelerar a venda de ativos como forma de fazer caixa para enfrentar a queda de 60% das cotações desde junho. Pouyanné foi categórico, porém, ao excluir sua maior aposta no Brasil da lista de ativos que serão oferecidos no mercado. "De jeito nenhum!", disse ao Valor, quando foi perguntado se a participação de 20% no campo de Libra faz parte do plano de venda. "Claro que faz sentido continuar trabalhando lá. Precisamos de muita energia no longo prazo", enfatizou o executivo francês. A Total está no consórcio vencedor do primeiro leilão do pré-sal, que tem a Petrobras como sócia majoritária (40%), além de participações da anglo-holandesa Shell (20%) e das chinesas CNPC e CNOOC (10% cada uma). Segundo ele, há um declínio de 5% ao ano na produção dos campos em atividade no mundo e metade dos barris deixará de ser produzida até 2030, gerando a necessidade de novos investimentos. Mesmo no caso do óleo e do gás de xisto, onde a extração normalmente precisa de preços acima de US$ 70. A exploração de fontes não convencionais é intensiva em capital, mas flexível e com capacidade de resposta bastante rápida, podendo ser retomada em curto prazo. "E não devemos subestimar os ganhos de eficiência que podem aparecer." O secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Abdallah Salem El-Badri, prevê a recuperação das cotações. "Eu lhes digo que o preço vai se recuperar e nós vamos voltar para o normal muito em breve", afirmou, sem falar em valores, diante de uma plateia ávida por uma análise do cartel. O presidente da italiana Eni, Claudio Descalzi, teme que a redução dos investimentos se traduza em problemas de desabastecimento no futuro e provoque aumentos "agudos" do petróleo daqui a quatro ou cinco anos. O banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, acredita que o mundo é uma coleção de riscos, incluindo a crise que derrubou o preço do petróleo no mercado global. Do ponto de vista financeiro, ele defendeu que uma "normalização" da política monetária das economias ocidentais, com aumento de juros, pode ajudar a minimizar riscos globais e aprimorar fundamentos econômicos. "Estamos há cinco anos seguidos com taxas zeradas nos Estados Unidos, várias economias estão com taxa negativa. Um movimento em direção à normalização das políticas monetárias [elevação de juros], sem entrar em aperto monetário, seria uma boa recomendação." Quem tratou de humanizar a questão foi a diretora-executiva da ONG Oxfam, Winnie Byanyima, que, em vez de apontar tendências de preços, insistiu na necessidade de aproveitar o contexto atual para uma reflexão mais ampla. Milhões de pessoas no mundo emergente, segundo ela, saíram da pobreza por causa do "boom" das commodities. Ao mesmo tempo, em muitos países, Byanyima lembrou que a renda foi capturada por uma "pequena elite" e houve aumento da desigualdade. "Talvez seja uma oportunidade para que esses países reavaliem [o modelo] de tributação e como usam as receitas provenientes de seus recursos naturais", ressaltou a diretora da Oxfam. Apesar das discussões ricas e entusiasmadas, um observador brasileiro notou que o "espírito de Davos" não tem sido capaz de trazer previsões confiáveis nessa matéria. Em janeiro do ano passado, ninguém - simplesmente ninguém - aventava a hipótese de tamanha queda nos preços das commodities, quando o barril ainda estava acima de US$ 100. Leia mais sobre a participação de Roberto Setúbal em Davos em Moedas emergentes vão sofrer, diz Setubal