O ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou em depoimento à Polícia Federal (PF) que os contratos para aquisição de dois navios-sonda com a Samsung Heavy Industries foram aprovados sem licitação, com a anuência do então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli.

"A aquisição de sondas em questão se deu fora de procedimento licitatório, por ser incabível diante das circunstâncias que cercavam o negócio, que visava atender uma necessidade específica e imediata da Petrobras, (...) operações aprovadas pela diretoria executiva, composta por seis diretores e o presidente, a quem cabe examinar a compra de equipamentos e construção de refinarias e gasodutos", disse.

Procurado, o advogado que representa Gabrielli, Milton Jordão, disse que não se pronunciaria a respeito porque ainda não teve acesso ao depoimento de Cerveró.

O ex-diretor de Internacional afirmou que a operação de compra das sondas - pela qual ele e o empresário apontado de operar para o PMDB Fernando Soares são acusados de receber U$ 30 milhões em propina - teve parecer jurídico favorável do setor competente da estatal, mas que a aquisição não passou pelo crivo do conselho de administração da petrolífera.

Interrogado pelos delegados Eduardo Mauat, Felipe Hayashi e Tomas Vianna, Cerveró disse ser amigo de Soares, o "Fernando Baiano", que disse ter conhecido por volta do ano 2000, durante a crise de energia, quando era gerente executivo de energia da estatal. "(...) Fernando representava empresas espanholas do ramo de energia térmica". Cerveró disse que Baiano era representante da empresa Union Fenosa. Sobre a finalidade do contato com o suposto operador financeiro do PMDB, Cerveró disse que " tais empresas tinham interesse em entrar no mercado brasileiro e que outras teriam feito contatos semelhantes na época".

O ex-diretor disse também que, naquela ocasião, Baiano estava "acompanhado dos dirigentes dessa empresa e que a Union Fenosa é proprietária da CEG, Companhia de Gás do Rio de Janeiro. Segundo Cerveró, "a Union Fenosa tinha interesse em investir no mercado brasileiro".

Cerveró negou que Fernando Baiano tenha oferecido "qualquer vantagem direta ou indireta (...) a fim de que agisse para atender os interesses deste ou das empresas que o mesmo representava".

O ex-executivo afirmou que manteve reunião com representantes da Samsung em 2006 e que "o processo de produção e posterior locação dos navios-sonda foi coordenado por Luis Carlos Moreira", então gerente-executivo da área Internacional de Novos Negócios.

Cerveró negou possuir offshores ou contas no exterior, em seu nome ou em de terceiros.

A única menção feita à atual presidente da Petrobras, Graça Foster, ocorreu quando foi questionado sobre as transferências de imóveis que fez para as filhas.

"A atual presidente da Petrobrás realizou operações semelhantes, transferindo imóveis aos filhos dela", disse.

Em entrevista ao Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, o procurador e integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, negou que Graça seja investigada. Ele não descartou, no entanto, a possibilidade de a presidente da petrolífera entrar no foco da investigação: "Posso dizer que ela não é, hoje, objeto de investigação especificamente. Mas também não posso afirmar que não possa vir a ser, isso é uma circunstância. Para nós, precisa provar que a pessoa sabia. Nossa responsabilidade é a acusação criminal", esclareceu.

Para Santos Lima, existe uma distinção clara, até este momento, entre os atos praticados por Graça e Cerveró: "Não é o simples fato de ele ter sentado em uma cadeira e ter aprovado um acordo dentro de uma diretoria. Ele participou de um crime, teve conversas com criminosos. Ele agiu de alguma forma na cadeia do crime. Essa é a acusação contra ele".

Os federais também questionaram Cerveró sobre a tentativa de transferir dinheiro para sua filha - ele solicitou resgate de R$ 463 mil de sua previdência privada para repassar a verba à sua filha. À PF, afirmou que "pensou em movimentar os seus recursos de PGBL a fim de fazer frente a gastos pessoais, pretendendo transferir os recursos para a disponibilidade da sua filha Raquel, a qual ainda sobrevive às suas custas devido a circunstâncias específicas de ordem pessoal".

Cerveró justificou ter transferido imóveis de sua titularidade aos seus filhos Bernardo, Raquel e à sua neta Anita em maio de 2014, "como antecipação da herança, tendo mantido o valor da compra para fins de imposto, embora saiba que o valor de mercado destes seja muito maior"

A operação foi feita na véspera de a Justiça Federal aceitar denúncia do Ministério Público Federal (MPF), tornando-o réu por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em dezembro. A tentativa de uso de bens foi determinante para a prisão preventiva, diz o MPF.

Cerveró esclarecerá em novo depoimento sua participação na compra da refinaria de Pasadena (EUA).

O ex-gerente Luis Carlos Moreira não foi localizado para comentar a menção a seu nome feita por Cerveró. A reportagem não encontrou porta-voz da Union Fenosa.

 

Empreiteiras serão acionadas por improbidade

 

O Ministério Público Federal (MPF) pretende ajuizar ação civil por improbidade contra as empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato nas próximas duas semanas, disse ontem ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real doValor, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa que investiga o esquema de corrupção na Petrobras.

“Neste momento, minha preocupação é com o oferecimento das ações de improbidade administrativa contra as empreiteiras. É espelho do que oferecemos nas denúncias contra os empreiteiros”, disse o procurador.

Em dezembro, o MPF denunciou executivos de seis empreiteiras por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. A acusação de formação de cartel pelas empreiteiras deverá ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano.

O procurador diz que dezenas de executivos serão acusados por formar um “clube” de empresas.

O prazo de seis meses, diz Santos Lima, é longo porque considera eventuais atrasos decorrentes de novos fatos da investigação. “Se eu tiver uma nova colaboração, nova leniência, posso ter que botar muita gente para analisar esse novo fato e talvez eu tenha que atrasar outros. É um jogo de compensações porque a mão de obra não é tão grande assim”, justifica.

Até agora foram assinados 11 acordos de colaboração e um de leniência na Operação Lava-Jato.

Os investigadores ainda esperam obter a colaboração de Fernando Soares, o “Fernando Baiano”, acusado de ser lobista e operar para o PMDB na diretoria de Internacional da petrolífera.

Nos bastidores, os advogados dos executivos dizem que os réus estão sendo mantidos em prisão preventiva como parte de uma estratégia para forçá-los a aceitar acordo de delação premiada.

Santos Lima nega. Diz que, dos 11 colaboradores, apenas dois – o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa – estavam presos. “O único benefício que houve foi a prisão domiciliar para Paulo Roberto”, afirma.

 

Ação é insuficiente para declaração de inidoneidade

 

As empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato não podem ser declaradas inidôneas assim que forem denunciadas por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal (MPF). É necessária uma decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) ou então da Justiça.

Até o momento, há oito processos administrativos abertos pela CGU contra empresas que supostamente participaram do esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo contratos da Petrobras.

São elas: Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Junior, OAS, Queiroz Galvão e UTC -Constran.

Mesmo com as ações instauradas, as empreiteiras ainda não podem ser declaradas inidôneas, pois têm o direito de defesa. Os processos estão sendo analisados separadamente - um para cada. Se na conclusão a companhia for responsabilizada por irregularidades, ela pode ser multada, impedida de participar de novas licitações, assinar novos contratos com órgãos da administração pública, o que inclui também Estados, Distrito Federal e municípios.

Uma empresa pode sofrer essas sanções também por decisão judicial, mas esses casos são mais raros, segundo a Procuradoria da República no Distrito Federal. Em situações muito específicas e urgentes, o Ministério Público pode apresentar a denúncia contra uma companhia e já pedir que seja impedida de formar contratos com a administração pública ou mesmo suspender algum contrato, por exemplo. Mas isso depende de aceitação do juiz.

O Valor PRO, serviço de tempo real do Valor, antecipou que o MPF planeja denunciar as empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato por improbidade administrativa nas próximas duas semanas.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) também confirmou que empresas não ficam inidôneas assim que uma denúncia é apresentada.