A surpreendente decisão do banco central da Suíça de extinguir o limite mínimo da cotação do euro em francos suíços, que desencadeou turbulência nos mercados de câmbio ontem, ressalta a dificuldade que os bancos centrais enfrentam para proteger suas economias de eventos que ocorrem além de suas fronteiras. A medida fez do país o primeiro a reagir à possível decisão do Banco Central Europeu de começar a comprar grandes volumes de títulos dos governos da zona do euro.

A maioria dos analistas espera que o BCE lance o programa — que é conhecido como relaxamento quantitativo e tem o objetivo de ampliar a oferta monetária e estimular a desacelerada economia da região — na sua reunião de política monetária da próxima quinta-feira.

Como a Suíça, outros países europeus fora da zona euro estão vendo suas moedas subir à medida que o euro cai, reduzindo suas taxas de inflação e tornando suas exportações mais caras nos mercados globais.

A eliminação da taxa mínima, que virtualmente fixou a cotação do euro em 1,20 franco pelos últimos três anos e meio, fez com que o euro chegasse a cair quase 30% em relação ao franco ontem — a maior queda de uma moeda do mundo desenvolvido que operadores de câmbio já viram até hoje — antes de se recuperar para 1,05 franco. A bolsa suíça recuou 9% diante dos temores dos investidores que um franco mais forte prejudique as exportações da Suíça, principalmente para outros países europeus.

A medida teve efeitos nefastos nos bancos suíços. A ação do UBS, UBSN.EB +0.91% o maior do país, caiu quase 12% e o Credit Suisse CSGN.VX -1.30% viu sua ação recuar 11%. O declínio eliminou US$ 11,5 bilhões do valor de mercado combinado de ambos.

Além do fim da taxa mínima, o banco central anunciou ontem outra medida potencialmente desfavorável aos bancos suíços: o aumento de 0,25% para 0,75% ao ano dos juros que cobra pelas reservas que os outros bancos depositam nele. A medida tem o objetivo de diminuir a atratividade do franco.

A decisão do BC suíço — o Banco Nacional Suíço, ou SNB — de deixar o franco se valorizar é particularmente preocupante porque bancos centrais não costumam surpreender os mercados desta forma, principalmente depois da crise financeira. A disposição do SNB de jogar tamanha bomba no mercado indica que o banco se viu diante de escolhas difíceis impostas por mudanças inusitadas na política monetária global: a possibilidade de o Federal Reserve, o banco central americano, começar a elevar os juros neste ano, enquanto o Banco do Japão e o BCE caminham na direção oposta.

De fato, a perspectiva de centenas de bilhões de euros recém-impressos inundando o mercado, como resultado do programa que o BCE pode anunciar na próxima semana, vem causando uma desvalorização significativa na moeda comum, principalmente em relação ao dólar, o que vinha tornando a taxa mínima do franco suíço uma política cada vez mais arriscada. No caso de o BCE optar pelo relaxamento quantitativo, o SNB provavelmente teria que intervir continuamente para manter o euro acima do limite.

Thomas Jordan, presidente do Banco Nacional da Suíça, disse que a decisão de eliminar a cotação mínima do euro em francos suíços precisava ser uma surpresa. European Pressphoto Agency

As intervenções já incharam muito o balanço do SNB, que tinha 495 bilhões de francos suíços (US$ 485,84 bilhões) em reservas estrangeiras, quase dez vezes mais que em 2007.

Beat Siegenthaler, estrategistga do UBS, estima que o banco central pode ter uma perda de cerca de US$ 40 bilhões nas suas reservas em moeda estrangeira devido à medida de ontem.

O fim do limite, e a reação frenética que ele provocou nos mercados financeiros, ressalta os desafios enfrentados por bancos centrais que vinham por muitos anos seguindo políticas supostamente temporárias — e a sensibilidade dos mercados a mudanças nessas políticas. Dois anos atrás, as incertezas quanto ao fim do programa de relaxamento quantitativo do Fed deflagraram oscilações violentas nos mercados financeiros globais, especialmente os emergentes.

O caso da Suíça também mostra o poder limitado que os bancos centrais têm para ir contra as forças do mercado por um período prolongado, ainda mais quando as políticas em questão envolvem moedas.

“Os bancos centrais vêm sendo os heróis [da economia global] nos últimos anos, mas ser herói tem um custo”, diz Charles Wyplosz, professor do instituto Graduate, em Genebra. “Eles estão todos atolados” com taxas de juros oficiais presas em zero em muitos países desenvolvidos.

Abandonar o limite mínimo da cotação do euro é uma súbita mudança de curso do SNB, que vinha consistentemente defendendo um teto para a valorização do franco desde que o introduziu, em setembro de 2011. O presidente do SNB, Thomas Jordan, e outros dirigentes do banco reiteraram que o limite era um ponto fundamental da política do BC.

Numa entrevista coletiva, Jordan disse que o controle serviu o seu propósito, ajudando a estabilizar a economia suíça e dando aos exportadores tempo para ajustar seus negócios a um franco mais forte. Mas ele disse que mantê-lo estava fora de questão.

“Concluímos que, devido aos acontecimentos internacionais, o momento era propício para descontinuar a taxa mínima de câmbio”, disse Jordan. “A manutenção de um teto para o franco não é sustentável no longo prazo.”

 

Jordan disse que a intenção era mesmo surpreender com a ação. Sinais de que o SNB estava planejando uma mudança de política poderiam ter incentivado negociações irregulares, acrescentou.

Ele não quis confirmar se o SNB consultou ou não o BCE antes de tomar a decisão. “A decisão foi tomada sem nenhuma influência externa”, disse.

Além de abandonar a taxa mínima do euro, o SNB divulgou que vai reduzir, com efeito imediato, sua meta para a taxa Libor de três meses — um taxa de referência importante — para entre -1,25% e -0,25% ao ano, ante uma faixa anterior de -0,75% a 0,25%. Juros negativos desencorajam investidores a comprar a moeda.

Ainda assim, a mudança de política do SNB deve criar desafios para a economia doméstica. A inflação deve ficar negativa e os exportadores vão sofrer com o franco forte. O turismo suíço também será afetado. O SNB pode ter que cortar ainda os juros, potencialmente criando mais distorções para a economia e o sistema financeiro.

O banco central afirmou que vai “continuar ativo” no mercado de câmbio, se necessário.