O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disse à Polícia Federal que Nestor Cerveró, também ex-diretor da empresa, o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e o PMDB podem ter recebido entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões de propina pela compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. A informação consta em depoimento de Costa, um dos delatores da Operação Lava-Jato, em que ele também admite ter recebido US$ 1,5 milhão para “não atrapalhar” o negócio. Ontem, a defesa de um dos empreiteiros presos — Gerson de Mello Almada, da Engevix — acusou Costa de extorquir as construtoras para “gerar montantes” destinados a comprar o apoio dos partidos políticos que integram a base aliada do governo federal.

O depoimento de Costa foi transcrito pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato no âmbito da Justiça Federal do Paraná, ao decretar nova prisão preventiva para Cerveró ontem. O ex-diretor da Área de Internacional está preso desde o último dia 14, em Curitiba. Ontem, ele falaria sobre a compra de Pasadena à PF. Por “problemas técnicos”, o depoimento foi adiado para segunda-feira. “Havia boatos na empresa de que o grupo de Nestor Cerveró, incluindo o PMDB e Fernando Baiano, teria dividido algo entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões, recebidos provavelmente da Astra”, registra a transcrição da oitiva de Costa.

Cerveró é o autor do parecer que a presidente Dilma Rousseff diz ter sido “falho” e no qual ela alega ter se baseado para votar pela aprovação da compra de Pasadena em 2006, quando era presidente do Conselho de Administração da Petrobras. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Petrobras teve prejuízo de US$ 792 milhões na compra da refinaria.

O advogado Edson Ribeiro, defensor de Cerveró, diz que vê o depoimento de Costa com “reservas”. “A lei exige, para delação premiada, que haja espontaneidade. No caso, o Paulo Roberto Costa estava preso e com a ameaça de que sua família também seria presa e processada. Ademais, Cerveró nega ter recebido qualquer propina no processo de compra de Pasadena. Não se paga propina a quem não tem poder de decisão. E quem tinha poder de decisão era o Conselho de Administração”, diz Ribeiro. A defesa de Fernando Baiano não foi localizada para comentar o assunto. A assessoria do PMDB também não atendeu as ligações da reportagem.

As denúncias contra políticos suspeitos de integrarem o esquema de corrupção na Petrobras começaram a ganhar mais substância com as revelações da defesa de Gerson Almada, da empresa Engevix, preso na sétima fase da Operação Lava-Jato em novembro do ano passado. Em petição protocolada na quarta-feira como resposta às acusações do Ministério Público contra as empreiteiras, Almada relaciona o esquema de corrupção na estatal com o pagamento a partidos aliados — segundo o empreiteiro, análogo ao ocorrido no mensalão, descoberto em 2005. O documento nega ainda que tenha havido cartel entre as empresas.

“O pragmatismo nas relações políticas chegou, no entanto, a tal dimensão que o apoio no Congresso Nacional passou a depender da distribuição de recursos a parlamentares”, diz um trecho da peça, apresentada pelo advogado Antonio Sergio de Moraes Pitombo. Almada é acusado de participar de um cartel criado para superfaturar obras que tinha como cliente a Petrobras. No último sábado, a Justiça Federal no Paraná negou o terceiro pedido de habeas corpus de Almada.

Ameaças

O texto diz ainda que Costa e os demais integrantes do esquema coagiram as empreiteiras. “Nessa combinação de interesses escusos, surgem personagens como Paulo Roberto Costa, que, sabidamente, passou a exigir percentuais de todos os empresários que atendiam a companhia. O que ele fazia era ameaçar, um a um, os empresários, com o poder econômico da Petrobras”, diz outro trecho. Procurado, o escritório Moraes Pitombo Advogados disse que não comentaria a peça. O Palácio do Planalto também não quis se pronunciar.

O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), criticou a postura dos envolvidos no caso. “Ninguém é anjo nessa história. Todo mundo sabe que, para fechar os contratos nessas obras superfaturadas, pagava-se propina em proveito do PT, que ficava com o percentual maior, e dos partidos da base.”

Mesmo admitindo indiretamente o pagamento de propina, a petição descreve Almada como “testemunha ocular do possível maior estratagema de pilhagem de recursos públicos visto na história recente”, ao lado dos demais empresários investigados na Lava-Jato. Ao negar que tenha havido formação de cartel, os advogados sustentam que o único vínculo entre as empresas é o fato de todas terem sido coagidas pelo ex-dirigente da estatal. “Almada compõe, tão só, o grupo de pessoas que pecaram por não resistirem à pressão realizada pelos porta-vozes de quem usou a Petrobras para obter vantagens indevidas para si e para outros bem mais importantes na República”, diz trecho da defesa.

Personagem da notícia

Empreiteira bilionária

Gerson de Mello Almada (foto) entrou para o mundo empresarial em 1997. Então executivo da Engevix, onde ingressou em 1985, ele e mais dois colegas — Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho — compraram a empresa do antigo dono, o empresário João Rossi. À época, a venda foi concretizada por cerca de US$ 30 milhões, em valores corrigidos. O valor se tornaria uma bagatela diante do faturamento atual da Engevix e das demais empresas da holding criada pelos três, que chega à casa dos bilhões de reais.

Paulista, Almada formou-se engenheiro químico pela Universidade Mackenzie, em 1973. No ano seguinte, mudou-se para a Itália, onde morou dois anos. No começo da carreira, trabalhou para uma empresa que prestava serviço para a Petrobras e atuou em projetos como a Refinaria Duque de Caxias e o Gasoduto Brasil-Bolívia. Ele também já atuou como professor universitário. (AS)

As fases da operação

Relembre fatos marcantes da apuração da Polícia Federal

2014

17 de março

A Operação Lava-Jato desmonta um esquema de desvios e lavagem de dinheiro estimado em R$ 10 bilhões em seis estados e no Distrito Federal. Ao menos 17 pessoas são presas, entre elas, um condenado do mensalão e o doleiro Alberto Youssef. Dinheiro em espécie (foto), joias e carros de luxo foram apreendidos.

20 de março

Diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras de 2004 a 2012, Paulo Roberto Costa é preso pela PF sob suspeita de destruir e ocultar documentos. Ele passou a ser investigado depois de ganhar, em março do ano passado, um carro de luxo do doleiro Alberto Youssef, apontado como um dos líderes do esquema. O ex-diretor alega ter recebido o jipe como pagamento por serviços de consultoria.

11 de abril

A polícia amplia as investigações sobre negócios suspeitos da Petrobras e faz operação de busca e apreensão na sede da estatal, no Rio de Janeiro. Uma planilha apreendida pela PF na casa de Paulo Roberto Costa levanta a suspeita de que o

ex-diretor intermediava repasses de empreiteiras para políticos.

21 de maio

Descobre-se o elo entre a compra, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, nos EUA, e o esquema de lavagem de dinheiro desbaratado pela Lava-Jato, que envolve suspeita sobre obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Os investigadores citam a existência de uma possível organização criminosa que estaria atuando no seio da estatal de petróleo.

14 de junho

Empresas que têm contratos com a Petrobras fizeram depósitos em conta na Suíça controlada pelo doleiro Alberto Youssef, segundo documentos apreendidos pela PF.

28 de junho

A PF investiga empreiteiras que fizeram repasses a uma empresa de fachada de Youssef.

22 de agosto

Depois de a PF fazer operações de busca em empresas de sua filha, Paulo Roberto Costa aceita fechar acordo de delação premiada com procuradores que atuam na Operação Lava-Jato para deixar a prisão.

9 de outubro

Paulo Roberto Costa revela, em depoimento, que a Petrobras cobrava propina de até 3% sobre contratos com empreiteiras para beneficiar PT, PMDB e PP.

14 de novembro

A PF deflagra a sétima fase da Lava-Jato. Empreiteiras são o foco da investigação nessa etapa, que prendeu ainda o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e cumpriu 85 mandados em cinco estados e no Distrito Federal.

16 de novembro

Delatores dizem ter pago R$ 154 milhões de propina a operadores do PT e do PMDB.

2015

14 de janeiro

O ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró é preso pela PF após viagem à Europa. Os investigadores descobriram que ele estava transferindo patrimônio e suspeitavam que o ex-dirigente planejava fugir do país.

Paulo Roberto Costa é acusado por executivo da Engevix de ter coagido empresas ao cobrar propina nos negócios fechados com a Petrobras (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo/Estadão Conteúdo - 19/5/14)

 

Trechos da defesa de Gerson Almada: executivo está preso desde novembro (Foto: )

 

(Foto: Yoshikazu Tsuno/AFP - 22/10/13)