O Distrito Federal registrou ontem o terceiro apagão em quatro dias. A situação da capital federal apenas reflete as consequências dos gargalos que já atingem todo o país. Desde janeiro de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) tomou posse pela primeira vez, até a última segunda-feira, dia em que 10 estados e o Distrito Federal ficaram sem luz, o Brasil acumula 244 interrupções significativas no fornecimento de energia, aquelas com carga igual ou superior 100 megawatts (MW). A contagem é do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), com base em dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

O modelo de geração de energia brasileiro, dependente das usinas hidrelétricas, não consegue mais suprir a demanda. Na quarta-feira, as regiões Sudeste e Centro-Oeste bateram recorde de consumo às 14h32, segundo a ONS — o que obrigou o Brasil, pelo segundo dia, a recorrer à Argentina para ter carga suficiente e evitar um novo apagão generalizado, como o do início da semana, que deixou mais de 3 milhões de pessoas sem luz.

O intercâmbio com o país vizinho deve continuar, na opinião do diretor do Cbie, Adriano Pires. Anteontem foram comprados 90 megawatts (MW). “Não há mais oferta suficiente. A esta altura, qualquer megawatt é bem-vindo”, comentou o especialista. Para ele, o governo deveria com urgência convocar a população para um racionamento. “Tem faltado coragem para dizer a verdade. Mas a estratégia de inventar desculpas diante do grave problema da energia no país não se sustenta”, emendou.

Ontem, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, deixou, mais uma vez, de assumir a gravidade da situação. Mas admitiu que o país terá “problemas sérios” que levará a “medidas drásticas”, caso os reservatórios brasileiros cheguem a 10% da capacidade. Ele sinalizou que esse será o limite para que as usinas parem e sejam tomadas medidas de racionamento, mas garantiu que o país está “longe disso”. Nos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, responsáveis pela geração de 70% da energia do país, os níveis estão abaixo de 18%, bem próximo ao piso estimado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para o mês, de 16,9%. 

Transtornos
Na capital federal, o sucateamento da rede e a incapacidade de a oferta atender a toda a população transformaram as quedas de energia em rotina. Ontem, faltou luz no início do dia em pelo menos seis regiões do Distrito Federal. Às 6h58, segundo a Companhia Energética de Brasília (CEB), houve um desligamento em duas subestações de Furnas, prejudicando o fornecimento no Guará, em Ceilândia, Taguatinga, Estrutural, Lucio Costa e Vicente Pires. O apagão atingiu hospitais e provocou acidentes de trânsito, por conta dos semáforos intermitentes.

A energia foi restabelecida menos de uma hora depois, segundo a CEB, e atingiu 257.520 unidades consumidoras. O período sem luz foi suficiente para afetar o metrô, atrapalhando a ida para o trabalho de milhares de brasilienses. No fim da tarde, por meio de nota, Furnas informou que foi detectado um curto-circuito em um equipamento de conexão associado a um dos transformadores da subestação que fornece energia para Brasília. A interrupção correu das 17h35 às 17h45 e afetou, parcialmente, a Asa Norte. 

Mesmo com a CEB garantindo a normalidade do sistema ainda pela manhã, o militar reformado Pedro Francisco da Silva Filho, 48 anos, morador de Ceilândia, ficou sem luz até o fim da tarde. Foram 11 horas sem energia. “O pior é que você liga para a companhia e escuta da funcionária que a demanda está muito grande e lhe resta esperar. Faltam informações precisas”, reclama o contribuinte. 

Na casa do professor Nilson Lima, 54, na Vila Planalto, o problema de energia ocorre toda semana, segundo ele. “Estamos pagando uma conta tão cara e o serviço não presta. Já virou rotina a geladeira e a televisão não funcionarem”, lamentou ele, que, para evitar mais prejuízos, desliga todos os aparelhos quando a energia cai. “Todo mundo sabe o que está acontecendo: o consumo supera a carga que os transformadores suportam”, comentou.

O clima tem tornado o cenário ainda mais complicado. Em São Paulo, a queda de árvore e de galhos na rede de energia, ontem, atingiu duas estações e acabou prejudicando a distribuição de água. Cerca de 1,2 milhão de pessoas ficaram prejudicadas. No Rio de Janeiro, a preocupação agora é com a confirmação do que já era temido: o maior reservatório de água do estado atingiu volume morto — ou seja, reserva técnica — pela primeira vez desde a criação, em 1978. A usina hidrelétrica Paraibuna foi desligada.

Especialistas insistem que o desequilíbrio entre oferta e demanda — potencializado pelo boom de consumo e pelo investimento insuficiente na ampliação e na manutenção da rede de transmissão nos últimos anos — foi o que empurrou o sistema energético do país para a situação atual. “Volta e meia, vão colocar a culpa em um raio, na chuva ou naquilo que sempre chamam de falha técnica, mas o problema hoje é estrutural”, comentou Luiz César.