Há apenas dois dias no cargo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, sentiu o peso da irritação da presidente Dilma Rousseff. De férias na praia, na Base Naval de Aratu, na Bahia, ela não se intimidou, após ler os jornais, em dar um puxão de orelha no subordinado. Barbosa foi obrigado a soltar, ontem, uma nota pública negando o que disse um dia antes: que o governo mandaria para o Congresso um projeto de lei alterando o sistema de reajuste do salário mínimo. Desautorizado, o ministro escreveu que "a proposta de valorização do salário mínimo a partir de 2016 seguirá a regra de reajuste atualmente vigente".
A forma contundente como Dilma agiu abriu a primeira crise com a nova equipe econômica no segundo mandato. Há, entre os investidores, uma grande expectativa sobre o tamanho da autonomia que o grupo integrado por Barbosa, pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terá para fazer os ajustes que o país precisa para voltar a crescer. Foi justamente o fato de a presidente conduzir, como mão de ferro, a política econômica nos últimos quatro anos que o Brasil afundou. Os gastos públicos dispararam, a inflação ficou persistentemente no teto na meta, de 6,5%, e o Produto Interno Bruto (PIB) minguou.

Segundo a regra atual, o mínimo é reajustado pela inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e pela variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Esse mecanismo foi adotado no governo Lula e prevaleceu até este ano. O avanço mais forte da economia no período que antecedeu à gestão de Dilma garantiu ganhos expressivos aos trabalhadores que recebem o piso nacional. Muitos economistas, inclusive, apontam o salário mínimo como o principal fator para a ascensão social de milhões de brasileiros à classe média. O mínimo é pago a quase 30 milhões de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Para o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, a maneira como Dilma agiu com Barbosa é preocupante, porque mostra que a chefe do Executivo não mudou o estilo autoritário. "Isso reduz o espaço dos ministros da área econômica para tomar medidas de ajuste fiscal. É necessário dar liberdade aos auxiliares, que são técnicos escolhidos pela competência, não por indicações políticas. Eles precisam ter liberdade para tomar decisões", diz.

A pergunta que muitos investidores estão se fazendo é como Dilma agirá quando o desemprego voltar a subir por causa do arrocho fiscal. Será que ela manterá o apoio à equipe econômica? Diante desse tipo de dúvida, Newton Rosa acredita que a bronca da presidente no ministro do Planejamento certamente não será bem recebida pelo mercado. "Reacende a desconfiança sobre a autonomia dos ministros", resume. O economista da Sul América conhece o teor das ideias de Barbosa sobre reajuste do salário mínimo. "Já ouvi o ministro falar em palestras. A proposta dele é aumentar o rendimento mínimo pela inflação mais um ganho real conforme a produtividade", destaca.

Na avaliação do economista-chefe da Compliance Consultoria, Clodoir Vieira, a descompostura que Dilma deu em Barbosa é um péssimo sinal. "Ela já está torrando o ministro antes mesmo de ele começar a trabalhar", sentencia. Também para Vieira, o mercado reagirá mal. "Os ministros são escolhidos para tomarem decisões técnicas. Se eles não tiverem autonomia, não servirão para nada", defende.

As centrais sindicais, no entanto, aplaudiram o comportamento de Dilma. Para dirigentes das entidades, Nelson Barbosa confundiu autonomia com desobediência e meteu os pés pelas mãos. "A resposta ágil e determinada da presidente foi muito importante. É também um bom sinal de que a chefe do Executivo manterá compromissos assumidos na campanha eleitoral", afirma a secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa. A CUT tem defendido a manutenção da atual política de valorização do salário mínimo. "Estranho o ministro começar querendo botar o dedo onde não deve", ataca.

Para o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o discurso de Barbosa pegou os trabalhadores de surpresa. "Foi imediatamente interpretado como rompimento de acordo do governo com as centrais Pareceu que Dilma havia se curvado aos ditames dele (Barbosa)", assinala. "Ainda bem que a presidente Dilma recuperou a razão", emenda.

No entender de Canindé Pegado, secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), a sensação, logo após a transmissão de cargo no Ministério do Planejamento, foi de que toda a luta das centrais e os poucos resultados positivos dos últimos anos tinham sido jogados no lixo. "Estranhamos porque, em várias reuniões, a presidente reiterou a manutenção dos cálculos. Todo mundo sabia disso", afirma.