Como mais uma medida do ajuste fiscal, o governo federal bloqueou temporariamente nesta quarta-feira R$ 32,6 bilhões de despesas previstas para o pagamento de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O corte atinge a principal iniciativa em infraestrutura do governo da presidente Dilma Rousseff, que chegou a ser apelidada de “mãe do PAC” na primeira fase do programa, ainda durante o governo Lula. Segundo o Ministério do Planejamento, o bloqueio atinge obras que ainda não saíram do papel.
 

O governo fará uma avaliação desses projetos e, em julho, decidirá se cancelará as verbas que haviam sido previstas para essas obras ou se manterá parte delas. Os R$ 32,6 bilhões bloqueados são relativos a valores de 2013 ou anos anteriores que não foram gastos porque as ações não se iniciaram. Segundo o Planejamento, há R$ 60,2 bilhões em despesas previstas de outros anos para pagamentos de obras do PAC, chamados de restos a pagar. Dessa quantia, R$ 30,2 bilhões não foram bloqueados porque as obras estão em curso e na fase de pagamento.

O bloqueio dos recursos foi determinado nesta quarta-feira pela equipe econômica como parte de um congelamento maior, no esforço de ajuste fiscal. O governo se debruçou sobre R$ 188,5 bilhões de verbas para ações ou obras que não deslancharam até o ano passado, incluindo as do PAC. Decidiu congelar R$ 142,6 bilhões, sendo R$ 71,6 bilhões de verbas inscritas em 2013 e outros R$ 71 bilhões de 2014.

O Orçamento da União prevê o pagamento em etapas. A primeira é o empenho, que é a reserva do dinheiro e a promessa de que o pagamento ocorrerá. Depois, há a liquidação, quando o pagamento é feito. Os restos a pagar são despesas previstas, mas que não foram liquidadas. Segundo os técnicos, isso ocorre quando a ação, projeto ou obra não tem o andamento esperado. O dinheiro fica retido na fase de empenho. No PAC, a cada trecho executado, o dinheiro é pago.

O decreto 8.407, publicado ontem no Diário Oficial da União, determina o bloqueio e o possível cancelamento de despesas inscritas até 2014, justamente em restos a pagar não processados (gastos contratados em anos anteriores, mas ainda não realizados).

Na reunião com a cúpula do PMDB, segunda-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisou que o governo estava adotando uma medida que mexeria nos chamados restos a pagar. O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), disse que a equipe econômica avisou que seriam medidas duras:

— Eles disseram que ia ser um decreto muito duro. Mas vai paralisar todas as obras? — questionou ontem o líder.

Segundo nota divulgada pelo Ministério do Planejamento, a medida está sendo adotada para que o governo possa “avaliar, em conjunto com os ministérios, a execução financeira e o planejamento fiscal das ações e projetos que ainda não foram liquidados”.

 

De acordo com a pasta, os órgãos poderão desbloquear os recursos inscritos em restos a pagar não processados de despesas que iniciarem sua execução até 30 de junho de 2015. Nos casos em que não houver previsão de início da despesa até essa data, os ministérios deverão justificar a manutenção dos correspondentes empenhos à Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e ao Tesouro Nacional até 30 de abril de 2015.

Os ministérios da Fazenda e Planejamento deverão se manifestar sobre a solicitação de desbloqueio até 30 de junho. Após essa data, os saldos de empenhos de restos a pagar não processados que permanecerem bloqueados serão cancelados.

No caso de 2014, além de preservar parte dos recursos do PAC, ficaram de fora do bloqueio temporário verbas dos ministérios da Saúde e da Educação (que financiam a manutenção e o desenvolvimento do ensino) e também as emendas individuais obrigatórias incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014.

 

Atraso nos repasses causa demissões e reduz ritmo de obras pelo país

 

Sem a aprovação do Orçamento de 2015, o governo federal enfrenta dificuldade para fazer repasses a obras de infraestrutura espalhadas pelo país, muitas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O problema já causou demissões de operários e a redução do ritmo de execução dos projetos em Rio, São Paulo, Ceará e Bahia. Isso pode atrasar iniciativas de um dos principais programas do governo.

 

Os pagamentos foram paralisados a partir do segundo semestre de 2014. Naquele momento, o objetivo do governo era segurar os repasses para evitar um rombo nas contas do ano passado. Mesmo assim, houve déficit de R$ 20 bilhões. Agora, o problema é a demora do Congresso para votar o Orçamento da União. Essa votação costuma acontecer antes do recesso parlamentar, no fim do ano. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), reconheceu ontem que há “oscilações nos repasses”:

— Enquanto você não tem orçamento, não pode gastar. Há um volume de recursos menor. É evidente que, num momento como este, os investimentos sofrem mais porque não se pode deixar de pagar salário, manutenção de creches e escolas — disse.

As prefeituras enfrentam problemas para receber verbas de convênios com o governo federal. A administração de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, diz que o ritmo das obras de um piscinão de R$ 296 milhões, que integra o PAC, foi afetado:

— Não é só São Bernardo. Várias cidades brasileiras estão nessa situação. Obras do próprio governo federal estão com problema de pagamento — afirmou o prefeito Luiz Marinho (PT), ex-ministro e um dos políticos mais próximos do ex-presidente Lula.

EM SÃO PAULO, MONOTRILHO AFETADO

Em São Paulo, as obras do monotrilho da Linha 17-Ouro do Metrô são um exemplo de redução no ritmo de execução. Funcionários admitiram ao GLOBO que houve demissões nas últimas semanas e que há menos trabalho para fazer.

A linha deve ser entregue em 2016, dois anos após o previsto. Em nota, o Metrô respondeu que as obras estão em “pleno andamento” e que há 1.200 empregados. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada de São Paulo, Antonio Bekeredjian, disse que cerca de 25 mil trabalhadores foram demitidos, desde novembro do ano passado, em todo o estado. Deu como exemplo a Linha 17 e outra obra: o Trecho Norte do Rodoanel:

— Estamos pedindo mesas de negociação com os empresários. Eles dizem que antes, quando tinha atraso do governo, pegavam dinheiro no banco. Agora, não conseguem.

Empreiteiras chegaram a ficar 45 dias sem receber repasses do Programa Minha Casa Minha Vida, segundo José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC):

— Você tem a inflação, que aumenta o preço da matéria prima. Depois vêm os atrasos nos pagamentos por parte do governo. E, por fim, a incerteza na economia. O que acontece? As empresas diminuem o ritmo para correr menos risco. E isso vai estourar lá na frente, com demissão e atrasos.

Orçada em R$ 1,5 bilhão, a construção do Cinturão das Águas, no Ceará, também teve demissões recentemente, segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias da Construção local.

— Faz 15 dias que a obra está totalmente parada. Em torno de 4.500 trabalhadores foram demitidos — disse Evandro Ribeiro, representante do sindicato em Juazeiro do Norte.

 

O governo do Ceará, responsável pela obra, diz que não há alteração no cronograma, mas não informou se houve atrasos nos repasses.

NO RIO, OBRA PARADA

Outra obra com problemas é o trecho Santa Guilhermina do Arco Metropolitano do Rio. A obra de R$ 360 milhões está parada desde dezembro, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Duque de Caxias. O Deparamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) nega pagamentos pendentes.

Em Salvador, a construção de dois conjuntos de avenidas, iniciada em 2014, não tem o número de funcionários necessário para sua execução plena, diz o Sindicato dos Funcionários da Construção Pesada. O governo baiano nega atrasos. Responsável pela coordenação do PAC, o Ministério do Planejamento informou que as obras seguem ritmo normal.