Energia Com forte calor e chuva abaixo da média, sistema tem terceiro ano de sobrecarga e especialistas veem riscos

 

O blecaute controlado ocorrido ontem no sistema elétrico brasileiro não deve ser o único até o fim do verão, quando a demanda por energia atinge picos mais elevados em função das altas temperaturas. O corte no fornecimento de energia a dez Estados mais o Distrito Federal aconteceu depois de o Operador Nacional do Sistema (ONS) ter registrado, semana passada, dois picos de energia.

O operador anteviu que haveria sobrecarga no sistema, podendo causar apagão e, por isso, cortou a carga de algumas distribuidoras para evitar o colapso de todo o fornecimento do país, segundo duas fontes ligadas ao órgão.

A explicação oficial técnica do ONS é que restrições na transferência de energia entre as regiões Norte e Nordeste para o Sudeste aliadas à elevação da demanda no horário de pico provocaram o blecaute. No fim do dia, no entanto, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, afirmou que o problema foi causado por um problema técnico, uma variação de frequência, em uma linha de transmissão de Furnas.

Especialistas e executivos do setor veem no aumento da demanda a causa mais provável. "O problema começou por falta de capacidade de atender a carga do Brasil, pois falta geração para suprir o [horário de] pico do sistema", disse o executivo de uma distribuidora. Sobre a razão de não terem ocorrido cortes na semana passada, quando o consumo também esteve elevado, a avaliação é de que talvez existisse mais geração disponível (máquinas ou água).

O cenário é pessimista para os próximos meses, na análise de especialistas. Com a geração reserva de energia - que dá segurança ao sistema - muito baixa, o parque gerador brasileiro entrou em 2015 muito dependente de uma chuva que está vindo abaixo do esperado. É o terceiro ano seguido em que são registradas sobrecargas no sistema. Caso os reservatórios cheguem a abril, final do período chuvoso, abaixo dos 38% registrados no mesmo período do ano passado, é grande a possibilidade de que seja necessário adotar um racionamento, já que sistema não terá energia suficiente para atender à demanda corrente se os reservatórios não encherem até abril.

Ontem antes das 15h, houve a perda de geração em 11 usinas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que totalizam 2.200 megawatts (MW). O ONS não informou de quanto foi a carga interrompida, apenas que o corte foi inferior a 5% de toda a carga do sistema. O Valor apurou que o corte solicitado às empresas foi superior 3 mil MW.

Segundo fonte ligada ao órgão elétrico, o ONS detectou que iria haver um problema na produção, o que permitiu que o órgão desse previamente o comando entre as distribuidoras do Sul e Sudeste. "A primeira impressão é que para evitar um desligamento geral, como o de novembro de 2009, eles [ONS] correram com essa ação pontual em cada uma das distribuidoras". Ainda segundo a fonte, o órgão deve se limitar à explicação técnica. A orientação do governo é tentar separar o corte de carga ocorrido hoje com a grave situação dos reservatórios hidrelétricos e da falta de chuvas. Nessa linha, o ONS vai indicar que o corte de carga não foi "apagão", por ter sido uma orientação do operador.


As usinas que interromperam o fornecimento ao sistema foram Angra I, Volta Grande, Amador Aguiar II, Sá Carvalho, Guilman Amorim, Canoas II, Viana e Linhares (Sudeste); Cana Brava e São Salvador (Centro-Oeste); e Governador Ney Braga (Sul). O operador marcou para hoje à tarde uma reunião no Rio com os agentes para analisar a ocorrência. Em nota, o operador ressaltou que há "folga de geração" no sistema.

Segundo Mario Veiga, presidente consultoria PSR, a medida precisou ser tomada em função de a capacidade da geração de reserva do sistema ter ficado menor do que o pico de demanda por energia. Desde o ano passado, o ONS definiu em 600 megawatts médios a capacidade de reserva do sistema. O consumo médio nacional, de 86 mil megawatts médios, requer um sistema de reserva de 4,2 mil MW/médios - 5% do consumo total, em métrica adotada internacionalmente. Nos últimos anos, afirma Veiga, o pico de consumo no Brasil em janeiro e fevereiro passou da noite para o meio da tarde, quando há maior uso de aparelhos de ar-condicionado.

O blecaute controlado, como vem acontecendo, é diferente de um apagão, explica o consultor. Quando a demanda é maior que a oferta de energia a frequência do sistema cai, e é preciso forçar uma redução no consumo, já que não há reserva de energia disponível. Os geradores queimam se continuarem operando com a frequência baixa, e foi o que aconteceu ontem, quando a frequência do sistema chegou a 58,6 Hz quando o normal é 60 Hz. "Haveria um colapso total do sistema e para evitar isso o ONS fez um blecaute preventivo", explica Veiga.

"O ONS tomou uma medida correta, evitou o colapso total da geração. Agora, o que ocorreu não foi inesperado. O governo devia ter estimulado a racionalização de energia ano passado ao invés de diminuir a geração reserva", disse Veiga.

Caso as chuvas não melhorem de forma sensível o nível dos reservatórios das Hidrelétricas, o que daria alguma folga para aumentar a carga de reserva estipulada pelo governo hoje, o sistema não terá mais capacidade de atender à demanda estável. Erik Rego, da consultoria Excelência Energética, lembra que o sistema está operando com toda a capacidade de térmicas. No fim da semana passado, o Custo Marginal de Operação (CMO) - valor necessário para colocar um MWh extra no sistema - estava em R$ 1.402,96, enquanto as térmicas mais caras do país têm custo de R$ 1.200 por MWh. Ao mesmo tempo, a demanda está muito elevada. Na tarde do dia 14, o consumo instantâneo do Sudeste/Centro-Oeste foi de 51,3 mil MW, superando o recorde anterior, de 6 de fevereiro. "Isso deixa o sistema muito sujeito a problemas pontuais", afirma.

A Thymos Energia manteve a expectativa de risco de racionamento em 40%, mas acredita em novos blecautes por conta da sobrecarga do sistema, disse o presidente da consultoria João Carlos Mello. "Até abril e maio, isso deve voltar a acontecer".

Eletropaulo, CPFL Energia, Light, Copel, Cemig, Escelsa, CEmat e Enersul estão entre as distribuidoras que tiveram de cortar o abastecimento, com reduções de carga que variaram entre 5% e 12%.
 

Racionalização do consumo entra na pauta do governo

Valor Econômico - 20/01/2015

Daniel Rittner, Leandra Peres e 
Andrea Jubé De Brasília

 

A piora no nível dos reservatórios das hidrelétricas na semana passada fez ganhar força novamente no governo a discussão sobre a adoção de medidas para racionalização do uso de energia elétrica. 

O assunto já foi levado ao Palácio do Planalto, embora não haja decisão tomada. O governo tenta definir um discurso, a fim de evitar que seja criada a imagem de que realizará um racionamento ou que o país enfrenta apagões. A mensagem é que será buscada uma "economia" no consumo de energia. 

"Não podemos esperar até o fim das chuvas para fazer alguma coisa", diz uma autoridade. "Já erramos uma vez [em 2001, quando o governo adiou medidas preventivas]. Não tem sentido errar de novo", completa um membro do Planalto. 

Segundo o Valor apurou, o alarme do governo soou ainda no fim de semana e foi o que levou à convocação de uma reunião na manhã de ontem pela presidente Dilma Rousseff. O cenário de sobrecarga do sistema provocado pelas altas temperaturas, o reajuste das tarifas de energia e a crise financeira das empresas atingidas pela Operação Lava-Jato - que afeta o cronograma de entrega de novas usinas, como Belo Monte -, estiveram na pauta. Participaram a equipe econômica, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. 

Não se pensa neste momento na adoção de medidas restritivas ao consumo, como a sobretaxa criada no racionamento de 2001. A palavra que circula no governo é "racionaização" com campanhas para redução do uso de energia. 

A expectativa no governo era que qualquer tipo de decisão poderia ser adiada para depois de abril, quando acaba o período chuvoso no país. O calendário ganhou urgência depois dos problemas de fornecimento em diversos Estados ontem. Quem defende antecipar eventuais medidas está sendo ouvido com mais atenção. 

No ano passado, técnicos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) chegaram a estudar possíveis medidas para a economia de energia. Nada foi adiante por causa do calendário eleitoral. 

O argumento agora é que esperar o fim das chuvas poderá exigir medidas mais severas. Agir agora permite se antecipar aos problemas. 

Do outro lado, há quem defenda que haverá uma redução natural do consumo nos próximos meses. 

O aumento médio de até 40% nas tarifas, assim como as bandeiras que repassam mensalmente boa parte do custo da energia das termelétricas, exigirá novo comportamento do consumidor. Além disso, o baixo crescimento da economia tende a reduzir também o consumo industrial. Nos dois casos, o cenário seria positivo e não exigiria medidas de curto prazo. 

Na semana passada, o ONS reduziu de 22,7% para 18,5% o nível de armazenamento esperado nos reservatórios do Sul e Sudeste. Já no Nordeste, a previsão caiu de 17,9% para 16,6% em comparação às projeções da semana anterior. 

Há uma janela de cerca de dez dias que o governo ainda considera confortável para avaliar o ritmo de chuvas. No material divulgado na semana passada pelo ONS, espera- se que uma frente fria que hoje atua no Sul do país chegue ao Sudeste ainda esta semana, mas as chuvas previstas são fracas. 

Qualquer medida de racionalização de energia tem que passar pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) formado pelos principais órgãos de coordenação do setor. O CMSE faz uma avaliação mensal do risco de apagão, que no início deste mês, era de 4,9% na região Sudeste/Centro- Oeste. O percentual é considerado preocupante, já que o teto estabelecido como aceitável é de 5%. O último relatório do CMSE já previa a necessidade de ações conjunturais específicas, "mesmo com o sistema em equilíbrio estrutural". 

Nesta semana, a Aneel divulgaria o primeiro diagnóstico do setor depois que a presidente Dilma Rousseff decidiu suspender os repasses do Tesouro para socorrer as distribuidoras de energia. A discussão, que estava prevista para hoje na reunião de diretoria Aneel, foi retirada pauta. O diretor da Aneel Tiago Correia, que retirou a proposta de orçamento da pauta de votação, disse que isso ocorreu apenas para que sejam feitos ajustes finais e confirmou a expectativa de déficit de R$ 23 bilhões.

 

Indústria reclama de impacto nas linhas de produção

Valor Econômico - 20/01/2015

Natalia Viri, Olivia Alonso, 
Victória Mantoan e 
Fábio Pupo De São Paulo

A indústria eletrointensiva mostra preocupação com o cenário de abastecimento de energia no país. 
Interrupções pontuais no fornecimento, como as ocorridas ontem, têm grande impacto sobre as linhas de produção, disse Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace). "O transtorno de interromper um processo produtivo é que traz consequências desastrosas. A retomada do processo demora muito tempo. Tem desligamentos do sistema em que a energia volta segundos depois, mas a produção industrial demora horas para ser retomada", ressaltou o executivo. 

Segundo ele, há preocupação do setor eletrointensivo quanto a um eventual racionamento de energia. "É só olhar para o céu e ver que não está chovendo o quanto precisava. É claro que o risco de racionamento existe e nos preocup a". Contudo, mostra mais preocupação com o custo da energia e diz que a política tarifária do governo já impôs um "racionamento branc o" para as grandes indústrias. "Pa - ra nós, energia muito cara é energia que não existe. Para nós, energia disponível é a que cabe no custo de produção. E os sinais são cada vez piores nesse sentido", afirma. 

Pedrosa diz que a nova política de "realismo tarifário" do governo, com repasses de custos que inicialmente seriam assumidos pelo Tesouro, ao preço da energia, é uma grande preocupação no curto prazo. Segundo ele, o repasse dos recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), voltada a financiar subsídios, trará um impacto de R$ 60 por megawatt-hora nas tarifas, o que já tornará a produção para algumas empresas inviável. 

A Termomecanica , uma das maiores metalúrgicas de cobre do país e grande consumidora de energia, ontem teve de recorrer a um gerador próprio durante a interrupção de energia que afetou uma das fábricas do complexo industrial que fica em São Bernardo do Campo (SP). 

"O corte atingiu a fábrica 3, mas o gerador conseguiu segurar a operação", informou em nota. Segundo a companhia, ela já vem trabalhando nos últimos meses de forma preventiva para evitar problema de fornecimento no caso de uma crise energética este ano. 

A empresa garante que consegue manter a operação mesmo com um racionamento de 30% graças às medidas tomadas para aumentar sua eficiência energética. 

Os investimentos com essa finalidade somaram R$ 5 milhões nos últimos anos - aquisição de um grupo de geradores abastecidos com gás natural e óleo diesel. 

O diretor de operações industriais da companhia, Luiz Henrique Caveagna, em nota, disse que, "diante da maior seca da história" a empresa se antecipou para evitar a redução da produção, o cancelamento de pedidos ou o adiamento de prazos de entrega. 

Mesmo garantindo que não sofreu impacto da interrupção de energia ontem, a ação da Braskem sofreu o maior revés do dia na Bovespa - fechou com baixa de 7,73%. "A Braskem não teve sua produção afetada pela variação de carga do sistema elétrico brasileiro, ocorrida na tarde de segunda - feira", informou em nota. 

Segundo analistas da Coinvalores, a possibilidade de um racionamento representa um ponto de atenção para a Braskem, "dada a dificuldade no remanejamento de sua produção". Outro fator de pressão no curto prazo é o vencimento, em junho, do contrato especial de suprimento de energia com a Chesf, em negociação. 

Ante à expectativa de racionamento, fabricantes de geradores veem a procura por esse tipo de equipamento subir. A SDMO-Ma - quigeral registrou nas últimas duas semanas um aumento de 30% nas consultas de compras. 

Segundo a empresa, surpreendeu o interesse de pequenos estabelecimentos, como restaurantes e comércio, algo não muito comum. 

O diretor de marketing, Francisco Gil, disse esperar também uma demanda de indústrias para ampliar a frota de geradores existente. Devido a esse cenário, decidiu antecipar o início da operação da nova fábrica em Embu das (SP), de junho para março. 

 

Nível segue em queda nos reservatórios de SP

Valor Econômico - 20/01/2015

Folhapress, de São Paulo
 

Com altas temperaturas e sem muita chuva, o nível dos principais reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo voltou a baixar ontem. De acordo com o balanço divulgado pela Sabesp, o sistema Cantareira opera com 5,8% de sua capacidade, depois de cair 0,1 ponto percentual em relação ao dia anterior. 

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), citou pela primeira vez a possibilidade de utilizar a terceira cota do volume morto do Cantareira. A declaração reforça a possibilidade que já havia sido considerada pelo novo presidente da Sabesp, Jerson Kelman, nesta semana. 

O sistema Cantareira registra ainda menos chuva nesse início de 2015. A primeira metade de janeiro trouxe um cenário mais pessimista do que era projetado por especialistas e governo: a quantidade de chuva nas represas e a vazão dos rios que poderiam socorrê-lo ficaram muito abaixo da média histórica, enquanto as temperaturas estão elevadas, um incentivo para maior consumo. 

O nível do sistema Alto Tietê cai desde o dia 13 de janeiro e atingiu ontem 10,4% de sua capacidade. 

O sistema abastece 4,5 milhões de pessoas na região leste da capital paulista e Grande São Paulo. Com a adição do volume morto no dia 14 de dezembro, o sistema ganhou volume adicional de 39,5 milhões demetros cúbicos de água. 

A represa de Guarapiranga registrava ontem 38,9% da capacidade após baixar 0,4 ponto percentual em relação ao dia anterior. 

Outro sistema que também registrou queda de 0,4 ponto percentual em relação ao dia anterior foi o Alto de Cotia. O nível dos sistemas Rio Claro e Rio Grande caiu em relação ao dia anterior: 0,7 e 0,3 ponto percentual, respectivamente. 

Rio Claro operava com 23,2% da capacidade. Rio Grande tinha 69,1% da capacidade total.