A elevação de impostos anunciada ontem pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai render uma receita adicional de cerca de R$ 20 bilhões este ano, responsável por aproximadamente um terço do ajuste fiscal prometido pelo governo. Segundo Levy, o pacote é mais uma etapa do "trabalho de equilíbrio fiscal" iniciado no fim do ano passado com a restrição de empréstimos subsidiados e mudanças em benefícios trabalhistas. A meta de superávit primário do governo central é de R$ 55,27 bilhões. "O conjunto das medidas leva a um fortalecimento da confiança. Devemos ter uma combinação de coisas, não teremos só aumento de imposto. Estamos desenhando medidas que estimulem de várias maneiras a economia", afirmou. Cortes de gastos, segundo o ministro da Fazenda, "é outra conversa". Uma das mudanças é o aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e do PIS/Cofins sobre combustíveis. Juntos, os dois reajustes terão impacto de R$ 0,22 por litro para a gasolina e R$ 0,15 para o diesel a partir de fevereiro. O ministro, porém, não soube dizer se o aumento será repassado ao consumidor pela Petrobras. "Essa não é uma decisão do Ministério da Fazenda, eu acho que é da empresa, se me lembro bem", ironizou. "O preço da gasolina depois das medidas vai depender da política de preços da empresa. Eu não tenho envolvimento na política de preços da Petrobras", completou Levy. Ele evitou também especificar o impacto sobre o IPCA, caso a Petrobras repasse para o preço da gasolina. Disse apenas que a gasolina corresponde a cerca de 1/25 a 1/30 da cesta. Como as alterações na Cide só podem valer depois de 90 dias - e o governo tem pressa em aumentar a arrecadação - o aumento do PIS/Cofins será maior em um primeiro momento e cairá após a noventena. O impacto sobre o combustível na refinaria, porém, será sempre o mesmo ao longo do ano. O aumento dos dois tributos resultará em uma arrecadação de R$ 12,18 bilhões neste ano e R$ 14,07 bilhões por ano a partir de 2016. Numa demonstração de que o tempo do estímulo da atividade econômica por meio do crédito ficou para trás, o governo aumentou ainda a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrada na concessão de empréstimos para a pessoa física. A alíquota subiu dos atuais 1,5% ao ano para 3% ao ano. Foi mantida a cobrança de mais 0,38% por operação, independentemente do prazo, que foi adotada depois da extinção da CPMF. A mudança vale a partir de fevereiro e espera-se uma arrecadação adicional de R$ 7,38 bilhões neste ano e R$ 8,31 bilhões nos próximos anos. Levy desconversou sobre o impacto que a medida terá no crédito. "O principal efeito dessas medidas é aumentar a confiança na economia e a disposição das pessoas de investirem no Brasil e tomarem riscos. Isso se reflete na queda da curva de juros, nas últimas semanas. Os juros mais longos têm tido relativa redução", afirmou. Segundo o ministro, também não há o objetivo de desaquecer a demanda e ajudar a política monetária do Banco Central. "Decisão do Copom é dele e ele sempre olha o conjunto da economia. Não há mecanicismo redutivo com o qual se possa trabalhar. Se vemos a curva caindo, isso tem efeito nas expectativas de inflação. Se houver, excelente", completou. Outra medida é a elevação da alíquota de PIS/Cofins sobre a importação de 9,25% para 11,75%. O objetivo é compensar a exclusão do ICMS da base de cálculo desse tributo, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. Com a mudança, o governo arrecadará R$ 694 milhões neste ano e R$ 1,19 bilhão a partir de 2016. O governo equiparou também a figura do atacadista no setor de cosméticos à do industrial para, segundo Levy, equalizar a tributação ao longo da cadeia. Não houve aumento de alíquota. A modificação implicará no recolhimento de mais R$ 381,41 milhões neste ano e R$ 653,85 anualmente, a partir doe 2016. A meta de superávit primário do setor público consolidado (com Estados e municípios) é de R$ 66,325 bilhões. Se os Estados e municípios não fizerem os R$ 11 bilhões restantes, o governo central (cuja meta é de R$ 55,27 bilhões) terá que compensar.

 

Indústria vê encarecimento de insumos importados

 

A elevação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre importação de 9,25% para 11,75% preocupa segmentos com alto índice de insumos e matérias-primas importados, embora seja avaliada pela indústria geral como medida para corrigir distorções que prejudicavam a produção doméstica. Já a elevação da tributação sobre gasolina, por meio da recomposição da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e do PIS/Cofins, deve resultar em ganho para as usinas de etanol.
 
"A medida de PIS/Cofins não deixa de prejudicar segmentos que compram insumos externos, mas corrige a falta de isonomia", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "As medidas não são tão prejudiciais à indústria, mas é uma pena que elas tenham ficado somente no aumento da tributação e nada se tenha falado de corte de despesas."
 
A avaliação de Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), foi mais crítica. Para ele, as medidas compõem um "ajuste duro", que torna mais difícil algum aumento do nível de atividade em 2015. A elevação de PIS/Cofins para importações é visto com reservas. "Nosso setor tem dependência grande de componentes importados, então, se o aumento for válido também para partes e peças, nosso produto fica mais caro", afirma ele, que deve se reunir hoje com a diretoria da Abinee para discutir as medidas. Para o empresário, a elevação, que pode ser considerada protecionista, pode causar discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC).
 
Barbato argumenta que o aumento da alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no crédito para pessoa física, que passou de 1,5% para 3% nas operações até 365 dias, tende a afetar a demanda, que mostra sinais de desaceleração. A avaliação é de que no geral o pacote vai reduzir a competitividade da indústria nacional, com encarecimento do transporte, já que Cide e PIS/Cofins sobre combustíveis também foram elevados. O empresário, porém, concorda com a afirmação feita por Levy, de que as medidas buscam elevar a confiança na condução da política econômica. "É igual uma dieta", compara. "No começo, a gente passa apertado, depois tem momento em que as roupas já nos servem. Mas o primeiro momento é bastante difícil, as medidas são drásticas".
 
Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, também salienta o esforço de equalização tributária que as medidas sinalizam. Daqui para frente, diz ele, as empresas terão que se ajustar à realidade econômica. "O que Levy está dizendo é que se a economia está ruim, o governo não vai mais definir isenção tributária para o setor x ou y. Eles vão ter que se ajustar à realidade econômica", diz. "A ideia é que a economia cresça mais vinculada à sua eficácia e não a intervenções."
 
Segundo Velho, entre as medidas, a elevação do IPI de cosméticos equiparando o atacadista ao industrial é positiva à medida que promove a equiparação na cadeia. Já a elevação do PIS/Cofins sobre importações era bastante aguardada, enquanto o aumento do custo de crédito para a pessoa física busca desacelerar a demanda. "É uma realidade. Se os juros estão subindo, as condições da economia são piores e as pessoas estão mais endividadas, é preciso se adaptar a esse ciclo".
 
Mas como a demanda e a oferta de crédito já estão reprimidas, o efeito sobre o consumo tende a ser limitado, considera o economista-chefe da Acrefi (associação que reúne as financeiras), Nicola Tingas. "O maior interesse parece ser a recuperação das finanças públicas rapidamente."
 
Como as taxas de juros no crédito à pessoa física já são elevadas, o impacto do IOF na demanda tende a ser apenas marginal, diz o vice-presidente de um grande banco de varejo. Isso porque a alta do tributo acaba sendo diluída nas prestações dos financiamentos.
 
De toda forma, o encarecimento pesa mais nas operações de curto prazo, o que poderia estimular a tomada de modalidades mais longas como o consignado.
 
Por outro lado, o IOF maior no crédito às famílias pode desequilibrar ainda mais a conta do spread bancário, segundo a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, para quem a medida é um retrocesso. "A cunha fiscal é uma das principais razões para os altos spreads bancários no Brasil", afirma. Diante da alta carga tributária no país, ela avalia que o ajuste via corte de despesa seria mais eficaz, principalmente para conter as pressões inflacionárias.
 
A economista vê como positivo, porém, o fato de alta do imposto ser restrita ao crédito à pessoas física. "Foi importante a opção por tributar o consumo, e não as empresas, que não estão em boa situação."
 
O aumento na arrecadação, estimado em R$ 20 bilhões pelo governo, não deve ser suficiente para fazer frente ao ajuste fiscal deste ano, de acordo com a economista.
 
O financiamento imobiliário, que o governo tem buscado incentivar, não foi atingido pelas medidas.
 
A elevação da Cide e do PIS/Cofins sobre combustíveis foi bem recebida pelo setor de álcool. O diretor da trading de etanol Bioagência, Tarcilo Rodrigues, calcula que o aumento no preço da gasolina em R$ 0,22 por litro, efeito do aumento dos três tributos, deve significar um ganho às usinas de etanol de R$ 0,15 por litro. A medida deve elevar a rentabilidade das usinas, que vinha sendo espremido nos últimos anos pelo represamento dos preços do combustível no país. O custo operacional do etanol hidratado de uma usina no Estado de São Paulo é da ordem de R$ 1,22 por litro, conforme estimativas do mercado. Atualmente, explica Rodrigues, a usina em São Paulo está recebendo pelo etanol hidratado R$ 1,28 por litro (já descontados os impostos). Com o impacto de R$ 0,15 por litro, a usina vai passar a receber R$ 1,43 por litro.