A variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 6,41% em 2014, dentro do intervalo de tolerância do regime de metas de inflação. Embora do ponto de vista formal o Banco Central tenha cumprido o seu objetivo legal, os resultados recorrentes próximos do teto da meta mostram que a instituição tem falhado na sua missão de garantir a estabilidade do poder de compra da moeda.

No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a inflação média foi de 6,16%. Em todos os anos, o IPCA ficou mais próximo do teto da meta, de 6,5%, do que do seu centro, de 4,5%. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem reagido às estatísticas do IBGE de forma previsível: a cada janeiro, ele divulga uma nota à imprensa geralmente atribuindo o alto IPCA do ano anterior a choques de oferta e prometendo que, mais adiante, haverá desaceleração no índice de preços.

Em 2011, a inflação ficou em 6,5%, bem no limite da meta. "A inflação ao consumidor medida pelo IPCA, em linha com o cenário antecipado pelo Banco Central, está em trajetória de queda e encerrou 2011 em 6,5%, após alcançar 7,3% no terceiro trimestre", declarou Tombini, na época. "Outros indicadores reforçam a percepção de significativo arrefecimento das pressões inflacionárias."

Embora tenha recuado um pouco em 2012, a inflação fechou o ano em 5,84%, ainda bastante alta. "Na segunda metade de 2012, observaram-se pressões de preço decorrentes de choques desfavoráveis no segmento de commodities agrícolas, dentre outros fatores", justificou Tombini. "No curto prazo, a inflação mostra resistência, mas as perspectivas indicam retomada da tendência declinante ao longo de 2013."

A inflação não caiu como previsto. "A inflação ao consumidor medida pelo IPCA encerrou 2013 em 5,91%, mostrando resistência ligeiramente acima daquela que se antecipava", declarou Tombini, em nota. "Essa resistência da inflação, em grande medida, se deveu à depreciação cambial ocorrida nos últimos semestres, a custos originados no mercado de trabalho, além de recentes pressões no setor de transportes."

Na última sexta-feira, Tombini soltou uma nota comentando o IPCA de 2014. Mais uma vez, ele atribuiu a aceleração de preços preponderantemente a choques de oferta - à desvalorização cambial e ao reajuste de tarifas públicas. Ele também voltou a prometer queda do IPCA. "Embora a inflação tenda a mostrar resistência no curto prazo, o Banco Central reafirma que irá fazer o que for necessário para que este ano a inflação entre em longo período de declínio, que a levará à meta de 4,5% em 2016", declarou.

Na realidade, o reajuste das tarifas públicas ajudou a conter o IPCA em 2014. Os chamados preços administrados subiram 5,32% no ano. Houve aceleração em relação ao 1,5% observado em 2013, mas mesmo assim ficou abaixo índice cheio. Governadores e prefeitos seguiram segurando reajustes de tarifas de transporte público, e o governo fez um realinhamento abaixo do necessário nas tarifas de energia elétrica, empurando a solução do problema para este e os próximos anos.

A desvalorização cambial certamente tem alguma influência na aceleração inflacionária, mas não se deve superestimar esse fator. O real desvalorizou-se cerca de 10% em 2014 e em 2013, comparando a cotação média da moeda americana em um ano com a média do ano imediatamente anterior. Com um repasse do câmbio para a inflação estimado em cerca de 5%, o impacto poderia ser calculado em cerca de 0,5 ponto percentual (pp.) por ano. Cálculos do próprio BC indicam efeito do câmbio sobre a inflação de 0,6 pp em 2013. Suas estimativas para 2014 devem ser divulgadas em março.

Mais do que choques de oferta, o que parece ser o principal responsável pela alta inflação são os descompassos entre oferta e demanda, que foram agravados pelo descontrole fiscal. Uma evidência disso é o avanço de 8,32% dos preços dos serviços em 2014.

Os números de 2014 mostram que, mais uma vez, o Banco Central não usou o intervalo de tolerância com parcimônia recomendada pelas boas práticas internacionais, acomodando tão somente os efeitos primários de choques de oferta. O teto virou a verdadeira meta do governo, levando à desancoragem das expectativas e a um quadro de alta inflação e baixo crescimento.