Mais de um mês depois de o conselho de administração ter aprovado o plano estratégico 2015-2030, a Eletrobras ainda não divulgou ao mercado uma linha sequer do documento. Não se sabe, por exemplo, qual é a previsão de investimentos a serem realizados no período, nem a expectativa de ampliação da capacidade instalada de geração e transmissão da companhia. Da mesma forma, o futuro das deficitárias e polêmicas distribuidoras da estatal é uma incógnita. Na época da aprovação do plano, no fim de novembro, a estatal informou que o documento era uma atualização da versão anterior (2010-2020) e que incluía as novas condições pós-MP 579, da prorrogação das concessões. Procurada pelo Valor, a companhia informou que ainda não há previsão para a divulgação do plano estratégico nem para o plano diretor de negócios e gestão 2015-2019. Na primeira vez que conversou com a imprensa após a aprovação do plano, o presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, disse apenas que o documento continha todas as informações, porém não deu mais detalhes. "Vamos depois publicar o resto. Tem tudo completo, até 2030. O que vamos ter, quais são as opções, para onde vamos caminhar, como serão os investimentos, quanto vai ser em geração e transmissão, qual vai ser a estratégia, como a holding vai funcionar, quais economias serão feitas, como será a evolução dos indicadores...", disse o executivo, durante cerimônia de celebração de 40 anos do Cepel, centro de pesquisas da Eletrobras, duas semanas após a aprovação do plano. Para analistas financeiros ouvidos pela reportagem, o atraso na divulgação do plano estratégico é apenas um exemplo da falha de gestão de comunicação da principal elétrica brasileira com o mercado financeiro. Junto com os efeitos danosos da MP 579, que cortou cerca de R$ 10 bilhões de receita anual da companhia e levou a empresa a um prejuízo anual da ordem de R$ 6 bilhões, a falta de governança é refletida na desvalorização das ações e na decisão de algumas corretoras de deixarem de cobrir os papéis da estatal. "O que a empresa divulga ela não cumpre. O mercado parou de acompanhar a Eletrobras. É um problema grave de governança. O governo é intervencionista [na Eletrobras] e não é previsível", diz um analista de um banco de investimentos que deixou de acompanhar a estatal. Não à toa, o valor de mercado da empresa, de cerca de R$ 8,3 bilhões, é sete vezes inferior a seu patrimônio líquido (PL), de R$ 58,3 bilhões. Outras gigantes elétricas têm a relação inversa. A Cemig tem valor de mercado (cerca de R$ 16 bilhões) 25% superior ao seu PL. O valor de mercado da CPFL (cerca de R$ 17,7 bilhões) é quase o triplo do PL, enquanto a Tractebel, maior geradora privada do país, está avaliada em cerca de R$ 22 bilhões, quase o triplo da Eletrobras, e quatro vezes superior ao seu próprio PL. "É impressionante a Eletrobras ter mais de 30% do mercado de geração do país e ter o valor comparado com empresas menores que estão na bolsa. É o maior atestado de incompetência na administração de recursos", diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, centro de estudos do setor elétrico. A falha na comunicação com o mercado, porém, está longe de ser solucionada. O Valor apurou que praticamente toda a antiga equipe de relações com investidores da empresa entrou no Programa de Incentivo ao Desligamento (PID) e foi substituída. Alguns analistas chegaram a enviar cartas a Carvalho Neto pedindo mais clareza na divulgação dos resultados trimestrais. "Ao longo dos últimos anos houve uma melhora na comunicação, mas isso não quer dizer que ela seja boa. É difícil ter informações e acompanhar todos os projetos da Eletrobras, como o valor que está sendo investido e o cronograma de implantação", afirmou um analista do setor elétrico, que considera a gestão da empresa "uma caixa preta". "A empresa depende muito da vontade do governo", disse. No apagar das luzes de 2014, a companhia soltou um breve comunicado comentando a previsão de orçamento para 2015, de R$ 14,1 bilhões. Desse total, R$ 8,4 bilhões serão para geração, R$ 4,1 bilhões para transmissão e R$ 1,6 bilhão para distribuição. "Não vou falar que hoje a nossa situação econômico-financeira é a melhor, mas acho que demos uma contribuição grande para a modicidade tarifária", disse Carvalho Neto, na cerimônia do Cepel. "E vamos ter as novas indenizações", completou ele, referindo-se ao montante que deve receber de indenizações pelos investimentos feitos e ainda não amortizados em linhas de transmissão antes de 2000 e em algumas usinas. O problema é que nem todas as empresas do grupo concluíram o laudo de avaliação para solicitar as indenizações. Até o fim do ano passado, apenas Eletrosul e Eletronorte haviam apresentado o documento à Aneel. A subsidiária do Sul solicitou indenização de R$ 1,73 bilhão, enquanto a coligada do Norte pediu R$ 3,55 bilhões. Furnas deve entregar o documento à agência apenas no fim de março. Procurada, a Chesf não informou até o momento se já entregou o documento ou, caso contrário, quando deverá fazê-lo. Para um analista do mercado, a Eletrobras não tem geração de caixa suficiente para comportar a sua previsão de investimentos futuros. Segundo ele, a companhia precisa se adaptar ao novo cenário e reduzir o nível de investimentos. Um sinal dessa postura já foi visto no primeiro leilão de linhas de transmissão deste ano, que não contou com a participação da estatal. Além disso, diz o analista, a Eletrobras precisa se desfazer das distribuidoras, responsáveis por prejuízos bilionários. Em 2013, essas empresas tiveram perdas de R$ 2,4 bilhões. Questionada sobre a sua governança, a Eletrobras disse, em nota, que "atende a todas as demandas de investidores e analistas pelos seus canais de relações com investidores, bem como procede as divulgações obrigatórias e aquelas eventuais que sejam relevantes para o mercado, na forma da legislação vigente, através de seus informes, comunicados, relatórios, apresentações, teleconferências e reuniões com investidores e analistas". Sobre a desvalorização das ações, a Eletrobras afirmou que é "fato notório que ocorreu em decorrência das novas tarifas vigentes de geração e transmissão de energia elétrica promovida pela Lei 12.783/2013 [oriunda da MP 579/2012], aliada às questões relacionadas ao risco hidrológico, que resultaram em perdas para a companhia". A estatal acrescentou que vem realizando "ajustes empresariais visando à recuperação de seu nível de rentabilidade e eficiência".