A nova regra para acesso ao seguro-desemprego - que muda o prazo de carência para a concessão do benefício de seis para 18 meses para quem o requisita pela primeira vez - tem potencial para deixar mais da metade dos trabalhadores demitidos sem justa causa sem acesso ao benefício. 

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compilados pelo Valor e pelo professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos mostram que, entre janeiro e novembro de 2014, 63,4% dos 10,8 milhões dispensados sem justa causa no país tinham menos de um ano e meio de serviço. 

O percentual é uma estimativa aproximada do número de pessoas que, de acordo com as regras anunciadas no fim do ano passado, não terão acesso ao benefício, já que não leva em conta se o trabalhador está sendo demitido pela primeira vez - e, nesse caso, quanto tempo ele passou nos empregos anteriores. 

Pela legislação antiga, que estabelecia o limite mínimo em seis meses de trabalho, o percentual de "excluídos", feitas as ressalvas anteriores, era de 21,5%. Levando em conta os números de 2013, o cenário é semelhante, com 22% das demissões concentradas em funcionários com até 5,9 meses de trabalho e 63,7% até 18 meses. 

Para Ramos, a estrutura não é exclusiva dos dois anos anteriores - ela reflete as características de uma economia com alta rotatividade no mercado de trabalho. "O tempo médio de permanência no trabalho no Brasil é de três anos." 

A mudança, diz Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP, afetará principalmente os mais jovens, que mudam de emprego com maior frequência até se estabelecerem no mercado de trabalho. De acordo com os números do Caged, 78% dos dispensados sem justa causa com até 17 anos entre janeiro e novembro estavam há até 11,9 meses no serviço. No grupo entre 18 e 24, o percentual é de 58,1%. Na faixa entre 25 e 29 anos, cai para 48% - e segue em queda, atingindo 27,1% entre os trabalhadores com mais de 65 anos (desagregado por idade, os dados públicos divulgados pelo Caged não têm a divisão de até 18 meses). 

Para Rodrigo Leandro de Moura, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a exigência da permanência maior no serviço pode incentivar especialmente os jovens - mas também as demais categorias de trabalhadores - a permanecer no emprego por mais tempo. "As empresas gastam muito para treinar novos funcionários. Uma mudança como essa poderia ajudar a aumentar a produtividade da economia", diz. 

Neste ano, entretanto, em que a expectativa é que a taxa de desemprego suba e se aproxime de 6% - a estimativa da FGV está entre 5,6% e 5,7% -, muitos desses jovens podem ficar sem emprego não por opção, mas pelos desdobramentos da conjuntura. Nesse caso, pondera o economista, eles ficarão mais dependentes dos pais e poderão contribuir para uma desaceleração mais forte da renda familiar. 

Levando em conta a perda de fôlego do mercado de trabalho esperada para este ano, a FGV projeta variação da renda média real de apenas 0,1%, contra alta real de aproximadamente 2,8% observada em 2014. 

Segundo o economista da FGV, os dados do Caged não contabilizam apenas aqueles que estão sendo demitidos pela primeira vez. Como a nova regra estabelece o prazo de um ano de tempo de serviço para quem recorre ao seguro pela segunda vez e de seis meses para quem pedi-lo pela terceira vez, o percentual de "excluídos" deve ser um pouco inferior aos 63% revelados pelos dados, ressalva Moura. 

Além disso, de acordo com o texto da Medida Provisória 665, de 30 de dezembro, para recorrer ao seguro pela primeira vez não é preciso cumprir um ano e meio de trabalho consecutivo, mas ter a carteira assinada por 18 meses acumulados no decorrer dos 24 meses anteriores à demissão. As regras começam a valer 60 dias após a publicação da medida provisória. 

Para Moura, no antigo formato, o seguro-desemprego dava um "incentivo perverso" para que os trabalhadores mudassem com maior frequência de emprego. "Essa troca deve ser pelo menos protelada", diz. 

Ramos, da UnB, avalia que as novas medidas - tomadas mais para resolver uma questão fiscal do que para ajustar a alocação de mão de obra, diz - devem coagir uma fraude recorrente no seguro, em que funcionário e empresa combinam uma demissão temporária para que o trabalhador tenha acesso ao benefício e, muitas vezes, também ao FGTS. 

A mudança, para ele, não deve reverter a rotatividade alta observada no mercado de trabalho - que seria, afirma o professor, uma decorrência da baixa qualidade de grande parte das vagas geradas pela economia brasileira. "Essa troca de emprego geralmente se dá entre quem não tem muita opção de escolha", afirma.

 

Ministro se reúne com centrais sindicais para debater medidas

 

 

Para se antecipar à pressão dos sindicatos por flexibilização das novas regras de acesso ao seguro-desemprego, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, convocou as centrais sindicais para uma reunião no dia 29 com o objetivo de ter um diagnóstico setorial do impacto da medida e, se for preciso, discutir ajustes. Técnicos do Ministério do Trabalho estão analisando os efeitos da medida e devem apresentar o impacto até o fim do mês. "Vamos discutir à luz das realidades que serão trazidas pelas centrais, pelo governo. Nessa mesa vamos tratar de ajustar", ressaltou Dias, em entrevista exclusiva ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

Mas Dias deixa claro que conversar não é assumir compromisso de mudança. Afinal, não há decisão de governo de flexibilização nas novas regras de concessão do seguro-desemprego. Recentemente, o governo federal apertou as regras para concessão do seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. O objetivo é mostrar compromisso com o rigor fiscal ao economizar R$ 18 bilhões por ano com as mudanças. Dias diz, no entanto, que o ajuste nas regras não está relacionado apenas à necessidade do governo de economia. "É preciso corrigir abusos", destacou.

No caso do seguro-desemprego, o trabalhador precisa agora trabalhar 18 meses para ter acesso ao seguro-desemprego. Antes, a primeira solicitação poderia ser feita com seis meses de trabalho. Os mais atingidos com a mudança, segundo o próprio ministro, estão sendo os jovens no primeiro emprego.

O ministro está ciente de que as centrais sindicais vão pressionar o governo para que haja um afrouxamento das regras para que trabalhadores que atuam em setores de alta rotatividade não sejam prejudicados. "Internamente estamos com grupo de trabalho fazendo estudos com relação à repercussão dessa medida e isso tudo dentro do princípio que norteia o segundo governo da presidenta Dilma que é: nenhuma decisão será tomada que implique em redução de direito dos trabalhadores".

Um ponto que também contribuiu para o aumento das despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que banca o pagamento do seguro-desemprego e abono salarial, é o aumento da rotatividade. A elevação do período de carência para solicitação do benefício ameniza o problema, mas não resolve. Por isso, continua estudando a possibilidade de regulamentar um artigo da Constituição que prevê uma alíquota adicional de contribuição ao FAT para empresas com rotatividade maior que a média apurada em seu setor.

"A rotatividade aumentou muito e está grande demais. Está muito próxima do limite", ressaltou, acrescentando que isso também reflete o forte aumento da geração de emprego nos últimos anos. A taxa de rotatividade global no mercado de trabalho brasileiro alcançou 63,7% em 2013, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Demonstrando alinhamento com o governo, Dias defendeu a preservação do ganho real do salário mínimo em proposta que será encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional, para vigorar entre 2016 e 2019, e as restrições estabelecidas pelo governo federal para acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial.

Mesmo com o baixo crescimento econômico, forte ajuste fiscal promovido pelo governo e anúncio de demissões, o ministro Manoel Dias mantém o otimismo e diz que o mercado de trabalho vai continuar gerando postos de trabalho neste ano. Após sucessivos erros de projeções, o ministro não quis se comprometer, como em anos anteriores, com uma meta de criação de empregos.

"Não dá para fazer uma previsão de emprego para 2015 porque o governo está tomando medidas de ajuste fiscal que vão ter impactos na economia brasileira. Não dá para estimar", destacou o ministro, que está no cargo desde março de 2013 e sua continuidade na pasta foi confirmada recentemente pela presidente Dilma Rousseff.

No acumulado de janeiro a novembro de 2014, foram criados 938.043 empregos. Como nos meses de dezembro o número é deficitário, o volume anual deverá ficar bem abaixo desse patamar. E a tendência é de que nem mesmo a estimativa revisada de criação de 700 mil postos de trabalho seja atingida. No início de 2014, o Ministério do Trabalho projetava criação de 1,5 milhão de empregos. Essa estimativa foi reduzida sucessivamente durante o ano.

O ministro aproveitou ainda para falar das negociações entre trabalhadores e montadoras, que preparam demissão devido ao cenário de redução da produção de veículos. Na avaliação dele, o anúncio de montadoras como Volkswagen e Mercedes Benz de dispensa de trabalhadores é um problema "pontual". "As negociações são sempre um processo demorado. Nossa tarefa é fazer intermediação entre capital e trabalho, mas ainda não chegou a esse nível. É uma questão ainda entre os trabalhadores e a empresa", comentou.