O PT articulou uma reação conjunta às declarações da senadora e ex-ministra Marta Suplicy, que abriu fogo contra o partido e contra suas principais lideranças, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os principais alvos de Marta não responderam diretamente aos ataques, mas escalaram aliados para mandar recados. Em um gesto calculado, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, prestigiou a posse do novo ministro da Cultura, Juca Ferreira: ambos atingidos pelos disparos de Marta.
 
A presença de Mercadante foi simbólica: foi a única transmissão de cargo, entre os 24 novos ministros, a que ele compareceu. Estavam ao lado dele os ministros Jaques Wagner, da Defesa, Carlos Gabas, da Previdência Social, Pepe Vargas, da Secretaria de Relações Institucionais, Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência, e Tereza Campello, do Desenvolvimento Social - todos do PT. O Valor apurou que houve uma ação conjunta dos petistas para prestar solidariedade ao novo ministro e mostrar repúdio, embora silencioso, aos ataques ao partido.
 
Na dura entrevista que Marta concedeu ao jornal "O Estado de S. Paulo", ela disparou contra Dilma, Lula, Mercadante, Juca, o presidente do PT, Rui Falcão, e o marqueteiro João Santana. Ela chamou o chefe da Casa Civil de "inimigo", Falcão de traidor e afirmou que o PT foi covarde ao não defender a candidatura de Lula à sucessão presidencial, no lugar de Dilma. Disse, ainda, que Mercadante mente ao negar que seja pré-candidato à Presidência da República. Sobre Juca, disse que sua gestão anterior na pasta "foi muito ruim", e que encaminhou denúncias contra ele à Controladoria Geral da União (CGU).
 
O ex-ministro Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula e um dos nomes mais próximos ao ex-presidente, minimizou os ataques. Negou que Lula tivesse incentivado o movimento para que fosse candidato no lugar de Dilma. "Eles (Lula e Dilma) continuam tão próximos quanto antes, com tanta amizade pessoal, carinho e compreensão política", afirmou, ao final da posse de Juca.
 
"Foi muito ruim para o partido", reconheceu o vice-presidente do PT Alberto Cantalice. Mas ele aponta um "excesso" nas críticas, já que Marta nunca teria procurado dirigentes do PT para manifestar sua insatisfação. Cantalice lembra que Marta já ocupou vários cargos (prefeita de São Paulo, deputada, senadora) e disputou várias eleições pelo PT. Por isso, não poderia reclamar de falta de espaço no partido.
Embora lideranças do PT tenham vindo a público defender os alvos de Marta, ela externou um descontentamento que persiste nos subterrâneos petistas. Lulistas atribuem ao chefe da Casa Civil - que conduziu a quatro mãos com Dilma a reforma ministerial - supostas injustiças na montagem do novo governo. Entre elas, o fato de Jaques Wagner ter sido alijado do Palácio do Planalto. Lula o queria, preferencialmente, na cadeira de Mercadante, mas como isso não seria possível, tentou emplacá-lo na Secretaria Geral. Wagner acabou na Defesa. Os insatisfeitos também atribuem à falta de empenho de Mercadante frustrações de Lula e do PT na reforma, como o partido não levar o Ministério do Trabalho nem o Esporte nem a Integração Nacional - esta um pleito dos três governadores petistas na Região Nordeste.
 
Um dirigente petista disse ao Valor, em condição de anonimato, que Marta demonstra ressentimento e desespero, porque deu as declarações quando Lula acaba de costurar o apoio do PMDB à reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ao levar Gabriel Chalita para a Secretaria de Educação. Esse movimento restringiria os caminhos para Marta, que pretende se candidatar à prefeitura, e negocia com PSB, PV e PPS nos bastidores.
 
Na avaliação deste petista, que transita na cúpula partidária, se realmente Marta pretende deixar o PT, deveria fazê-lo sem queimar pontes. "Se ela pretende ser expulsa, não adianta que não será", avisou. A expulsão livraria a petista de um processo de cassação do mandato. Adverte que Marta pode ter o mesmo destino da deputada reeleita e ex-prefeita Luiza Erundina (PSB), que não se elegeu mais para um cargo majoritário depois de romper com o PT.
 
 

Legenda pode pedir mandato de senadora

 

Se a provável saída da senadora Marta Suplicy (SP) do PT se concretizar, o partido estuda pedir o mandato da petista no Senado. As críticas públicas feitas pela senadora ao governo federal, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT foram vistas dentro da legenda como uma forma de Marta tentar evitar sua cassação, ao alegar divergência ideológica com o PT. A direção nacional petista se reunirá no início de fevereiro, em Belo Horizonte, para debater o problema. A senadora poderá usar em defesa de seu mandato um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 2013, que defendeu a tese de que as regras da fidelidade partidária não podem ser aplicadas aos casos de senadores que mudaram de partido. A manifestação da procuradoria foi feita ao analisar a migração do PSD para o PMDB da senadora Katia Abreu (TO), atual ministra da Agricultura. Marta ainda está negociando a filiação a outro partido, mas petistas analisam que sua saída do PT será feita em breve. No mês passado, o presidente nacional do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, reuniu-se duas vezes com a petista para oferecer legenda para uma eventual candidatura à Prefeitura de São Paulo, em 2016. A candidatura teria apoio da Frente de Oposição, bloco composto na Câmara pelo Solidariedade, PSB, PPS e PV. Petistas veem poucas possibilidades de filiação para Marta, já que dificilmente a senadora iria para a um partido da base do governo federal, como o PR e PDT, depois dos ataques feitos à Dilma. As recentes críticas feitas por Marta contra petistas, intensificadas em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", foram muito atacadas dentro do PT, mas alguns dirigentes petistas defenderam a manutenção do contato com a ex-prefeita, para tentar costurar um acordo em um eventual segundo turno na disputa pela prefeitura paulistana. A provável candidatura de Marta em 2016 tem sido vista com receio por apoiadores do prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), que terá de disputar não só com a senadora, mas também com a eventual candidatura do deputado federal Celso Russomanno (PRB) o mesmo eleitorado, concentrado na periferia. Marta e Russomanno são muito populares nas regiões mais carentes. Petistas próximos ao ex-presidente Lula, no entanto, apontaram a alta rejeição de Marta, registrada nas disputas de 2004 e 2008, quando a ex-prefeita perdeu as eleições, e lembraram da força da máquina federal e municipal contra a eventual candidatura. "Quando Marta erra, ela erra no atacado. Vai ser uma disputa desastrosa para ela, como foi em 2004 e 2008", disse uma liderança do PT paulista. Com vistas à reeleição, Haddad reforçou as costuras políticas e dará início à reforma do secretariado, dando mais espaço ao PMDB e PSD para garantir o apoio dos dois partidos em 2016. Os acordos enterram supostas conversas de Marta com os dois partidos, que estavam até então entre as legendas cotadas para abrigar a ex-prefeita. Adversário de Haddad em 2012, Gabriel Chalita (PMDB) deve ser empossado secretário de Educação nesta semana. O convite foi feito pelo prefeito depois de articulações conduzidas pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem, Chalita se reuniu com a bancada do PMDB na Câmara Municipal de São Paulo antes de bater o martelo. O pemedebista substituirá Cesar Callegari com o desafio de acelerar a construção de creches e reduzir o déficit de vagas no município (a fila por vaga atingiu 180 mil no fim de 2014). O problema foi um dos temas que marcou a disputa eleitoral de 2012 e deve voltar à tona no ano que vem. Por isso, a prefeitura deve intensificar em ações para construir bandeiras na periferia. A reforma do secretariado deve ampliar a participação do PMDB no governo Haddad. Além da Educação, o partido deve assumir o comando da Controladoria-Geral do Município. Atual secretário de Segurança Urbana, o promotor Roberto Porto (PMDB), será o substituto de Mário Spinelli, que deixa o cargo para assumir a mesma função no governo de Minas Gerais. O PMDB continuará à frente da Segurança. Os vereadores Ricardo Nunes, líder da bancada na Câmara, e Rubens Calvo estão entre os cotados. Sob o comando de Luciana Temer e Marianne Pinotti, o partido ainda controla, respectivamente, as secretarias de Assistência Social e da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. De olho em 2016, o prefeito ainda convidou o vereador Marco Aurélio Cunha (PSD) para a Secretaria de Turismo. O parlamentar disse que vai tomar uma decisão sobre o assunto dentro de dez dias, quando retornar de viagem. Cunha, porém, ressaltou que a entrada no governo não significará um apoio do PSD à reeleição do petista. O cargo também interessa ao deputado federal Goulart (PSD).

 

 

"Ela quis atirar em Deus e acertou no padre", diz Juca

 

 

Juca é cumprimentado por Mercadante: "Me senti agredido com a irresponsabilidade. Não tenho um deslize sequer" Alvo de críticas e denúncias de sua antecessora no cargo, a senadora Marta Suplicy (PT-SP), o novo ministro da Cultura, Juca Ferreira (PT), afirmou ontem, ao tomar posse, que se sentiu "agredido" pela petista, mas que o alvo principal da correligionária não era ele, mas o PT e os grupos que apoiaram sua indicação ao cargo. "Não tenho um deslize sequer", disse. O mal estar foi criado por Marta que, em entrevista ao jornal "Estado de S. Paulo" um dia antes da posse, classificou como ruim a gestão de Ferreira no Ministério da Cultura e disse que tinha encaminhado à Controladoria Geral da União (CGU) relatório com os "desmandos" ocorridos durante a gestão anterior do ministro envolvendo entidade que prestava serviços à Cinemateca Brasileira. Em nota, a CGU confirmou ontem a abertura de um processo administrativo em abril de 2013, que ainda está em andamento, para apurar a parceria firmada em 2008 com a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC). Ao cumprir recomendação da Controladoria, a então ministra Marta enviou em janeiro de 2013 uma análise que indicava "irregularidades que poderiam alcançar autoridades ou ex-dirigentes" do ministério. Petistas e a classe artística, que compareceu em peso à posse, saíram em defesa do ministro, que respondeu as críticas de Marta após discursar. "Me senti agredido com a irresponsabilidade como ela tratou uma pessoa honesta, que tem quase 50 anos de vida pública e não tem um deslize sequer", afirmou. "Não é comigo o conflito. A crítica é porque fui mais aplaudido do que ela num evento cultural. Paciência, não posso ser punido pela popularidade que vocês viram. São pessoas que reconhecem o trabalho que foi feito no governo do presidente Lula e que veem em mim a possibilidade de que essa política continue. Não posso pagar por isso", completou. Na opinião do novo ministro, os ataques não foram dirigidos a ele. "Sou um alvo eventual. Ela quis atirar em Deus e acabou acertando no padre de uma paróquia", completou. Na entrevista, Marta, que deseja disputar a Prefeitura de São Paulo em 2016, fez duras críticas à presidente Dilma Rousseff, disse que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estimulava articulações para concorrer no lugar de Dilma no ano passado e cometeu algumas inconsistências históricas. Disse, por exemplo, que quando Lula escolheu Fernando Haddad (PT) para concorrer à Prefeitura de São Paulo, avisou ao ex-presidente que pediria demissão do ministério "porque discordava da política econômica e da condução do País". Na verdade, Marta foi indicada ministra apenas em setembro de 2012, em troca de apoiar Haddad na eleição municipal. Na gestão da Cultura, a posse do ministro foi vista por representantes do setor como uma volta das políticas executadas no governo Lula e desfeitas na gestão de Ana de Hollanda (2011-2012). Ferreira foi secretário-executivo de Gilberto Gil de 2003 a 2008 e assumiu a Pasta com a saída do cantor. "A marca da Ana de Holanda foi a criminalização do Cultura Viva e defesa do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Com a Marta já tinha amenizado, mas o Juca representa a esperança de reavivar os projetos que ficaram adormecidos", afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). "Não tem guinada nem ruptura, mas retomada da democratização da cultura", disse o deputado Nilmário Miranda (PT-MG). Ao discursar, Ferreira defendeu a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 150, de 2003, que amplia o orçamento da cultura do país ao estabelecer um percentual mínimo de gastos para União, Estados e municípios, mesmo com o maior rigor nas contas públicas. "Além do apoio da nossa presidente, tenho certeza de que a nova equipe econômica, apesar do ajuste fiscal que a desafia, será sensível a essa necessidade", disse. O ministro declarou que pretende aprimorar o sistema de financiamento do setor e que "a cultura brasileira não pode ficar dependente dos departamentos de marketing das grandes corporações". Prometeu trabalhar para aprovar o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), que modifica a distribuição de recursos da Lei Rouanet. Ferreira se comprometeu a garantir os direitos autorais de artistas mesmo com as mudanças tecnológicas. "Retomaremos a agenda de democratização do direito autoral. O ambiente digital se desenvolve e se transforma rapidamente, e nossas leis devem acompanhar as novas práticas sociais que se transformam. O ambiente digital pode, sim, ser regulado de forma que os criadores tenham novas formas de remuneração do seu trabalho criativo", afirmou, ao defender, ainda, a expansão do vale-cultura, benefício dado por empresas a trabalhadores.