Dilma, ao lado da filha Paula, no desfile da posse em Brasília; presidente não avançou sobre medidas econômicas
Sem a presença da oposição e com menos público e convidados na Praça dos Três Poderes e no plenário e galerias do Congresso do que em 2011, a presidente Dilma Rousseff tomou ontem posse de seu segundo mandato, cuja "prioridade das prioridades" será a educação, setor para o qual - afirmou em discurso - "deve convergir o esforço de todas as áreas do governo". O escândalo da Petrobras ganhou destaque inusitado em discurso presidencial de posse.

O lema do novo governo, anunciou a presidente reeleita, será "Brasil, Pátria Educadora". Ao tomar posse para o primeiro mandato, há quatro anos, Dilma lançou o "Brasil Sem Miséria", cuja metas ela declarou ontem atendidas. "Superamos a extrema pobreza", disse. "Ao longo deste novo mandato, a educação começará a receber volumes mais expressivos de recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal", disse. "Assim, à nossa determinação política se somarão mais recursos e mais investimentos".

Diferentemente do que chegou a anunciar, a presidente não avançou sobre as medidas que serão adotadas para o "ajuste nas contas públicas". Em geral, Dilma falou mais em investimentos e nada concretamente em termos de corte de despesas. Ao contrário. No discurso, a presidente adotou uma postura defensiva quando falou de ajuste fiscal, sem usar a expressão. "Vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados", disse a presidente. Na prática, trata-se de dar um discurso ao PT e ao governo para rebater a acusação de que assumiu as bandeiras da oposição nas eleições presidenciais de outubro.

Vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados

O discurso de Dilma sobre ajuste, estabilidade e inflação, na realidade, foi bem mais ameno do que o pronunciado na posse do primeiro mandato. Em janeiro de 2011, a presidente dizia que a estabilidade era um "valor absoluto" para o crescimento econômico com a redução das desigualdades. Chegou a ser dramática ao falar da inflação: "Já faz parte da nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres".

"No novo mandato vamos criar, por meio de ação firme e sóbria na economia, um ambiente ainda mais favorável aos negócios, à atividade produtiva, ao investimento, à inovação, à competitividade e ao crescimento sustentável", disse. "Combateremos sem trégua a burocracia. Tudo isso voltado para o que é mais importante e mais prioritário: a manutenção do emprego e a valorização, muito especialmente, do salário mínimo".

Temos muitos motivos para defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos

Monótono, quase uma prestação de contas do que a presidente fez em quatro anos e o PT, em 12, o discurso de Dilma apresentou algumas novidades em relação a seu manifesto de posse, em 2011. Um deles diz respeito à política externa. Ao contrário de 2011, quando fez uma referência 'en passant' às relações com os EUA, desta vez ela destacou os americanos. "É de grande relevância aprimorarmos nosso relacionamento com os Estados Unidos, por sua importância econômica, política, científica e tecnológica, sem falar no volume de nosso comércio bilateral", disse. Há quatro anos, a referência aos Estados Unidos mal passou de uma linha.

O ponto negativo da posse da presidente Dilma em seu segundo mandato ficou, sem dúvida, por conta da ausência da oposição, prova de que continuam acesos os ressentimentos e rancores da última campanha eleitoral, a mais renhida desde a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.

Naquela ocasião, o então presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma transição considerada exemplar, mesmo tendo seu candidato derrotado nas eleições. Na passagem do regime militar para o civil, o general João Figueiredo nem sequer passou a faixa ao atual senador José Sarney (1985-1990) e deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Mas nem só a oposição ainda parece ressentida com a dureza da disputa: em seu discurso, Dilma também não fez qualquer gesto ou apelo aos derrotados em outubro.

Bem diferente da Dilma de 2011, ao declarar na posse que seria presidente de todos os brasileiros e que estendeu a "mão aos partidos de oposição e às parcelas da sociedade que não estiveram conosco na recente jornada eleitoral". Dilma posteriormente ainda faria movimentos de aproximação também do ex-presidente FHC, para contrariedade de Lula e do PT.

A oposição está desconfiada desde a diplomação de Dilma, quando o ministro Dias Tóffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse que o TSE não permitiria a realização de um "terceiro turno" - uma acusação corriqueira do PT ao PSDB assumida pelo presidente da corte eleitoral. O evento de ontem não deixa de ser um retrocesso em termos de amadurecimento institucional do país, no momento em que um escândalo de corrupção da dimensão encontrada pela operação Lava-Jato na Petrobras domina a cena de um discurso de posse da presidente da República.

Há quatro anos, a presidente falou durante 40 minutos e foi 28 vezes interrompida por aplausos, algumas vezes vivamente emocionados. Ontem Dilma foi interrompida 29 vezes pelos aplausos de um plenário preenchido de última hora por funcionários da Câmara, mas apenas uma vez a reação dos presentes foi claramente emocional - justamente quando a presidente, ao falar sobre o escândalo de corrupção da Petrobras, fez um discurso nacionalista e falou de supostos inimigos que poderiam se aproveitar da atual fragilidade da Petrobras para acabar com o regime de partilha de exploração do petróleo e da política de conteúdo nacional no pré-sal.

"Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos", afirmou Dilma, enquanto na terceira fileira do plenário da Câmara o novo ministro da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto, deu início à manifestação mais forte ocorrida durante o discurso. "Por isso, vamos apurar com rigor tudo de errado que foi feito e fortalecê-la cada vez mais. Vamos, principalmente, criar mecanismos que evitem que fatos como estes possam voltar a ocorrer", disse.

Passados quatro anos de mandato, Dilma já não demonstra a mesma dependência em relação a seu mentor e principal cabo eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2011, Lula era sujeito, verbo e predicado de seu discurso de posse, quando Dilma Rousseff dedicou nada menos do que dez parágrafos do texto a Lula - "um presidente que mudou a forma de governar o país e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro de seu país".

Ontem, Lula foi citado apenas três vezes. Dilma e Lula tiveram problemas antes e durante a campanha presidencial, sobretudo por causa do movimento "Volta, Lula" e - segundo dizia o ex-presidente - da teimosia de Dilma em relação à política econômica. A presidente sacou do Palácio do Planalto os ministros mais próximos de Lula. No entanto, nomeou uma equipe econômica com o perfil que defendia o ex-presidente, que ontem esteve em Brasília para a posse.

Como em 2011, Dilma voltou a defender a reforma política, mas desta vez considerou também que "é inadiável implantarmos práticas políticas mais modernas, éticas e, por isso, mesmo mais saudáveis". A presidente reafirmou sua " fé na política que transforma para melhor a vida do povo", disse que conta com o apoio do Congresso e dos aliados, mas também "com o apoio dos movimentos sociais e dos sindicatos". A presidente está preocupada em cooptar os sindicatos e movimentos para o "ajuste das contas" públicas a ser feito. "Sei o quanto estou disposta a mobilizar todo o povo brasileiro nesse esforço para uma nova arrancada do nosso querido Brasil". E também com Lula.

O discurso da presidente tem endereço certo: "Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos. Vamos provar que depois de fazermos políticas sociais que surpreenderam o mundo, é possível corrigir eventuais distorções e torná-las ainda melhores".

Se agradou especialmente o PT, ao dizer que o ajuste será feito na economia "sem revogar direitos conquistados ou trair nossos compromissos sociais", a presidente Dilma, por outro lado, desagradou ao não defender o projeto de regulamentação da mídia, - o "democratização dos meios de comunicação", como prefere dizer o PT. A nomeação do ministro Ricardo Berzoini foi entendida no partido como uma senha para a adoção do projeto, mas em seu discurso Dilma se limitou a fazer uma referência à liberdade de imprensa. Em 2011, a presidente fora bem mais enfática: "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", disse, na ocasião.

 

OPOSIÇÃO CONSIDERA ‘VAZIO’ O DISCURSO DA PRESIDENTE

 

A presidente Dilma Rousseff acabou por frustrar as expectativas daqueles que, amparados na promessa feita por ela mesma em sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em dezembro, aguardavam o anúncio de uma série de medidas econômicas para o segundo mandato em seu discurso de posse.

Entre os parlamentares, houve quem sentisse falta de detalhes sobre temas espinhosos como a reforma política ou a regulação da mídia. A oposição classificou o discurso como “vazio” e que não fez o devido reconhecimento dos problemas enfrentados na gestão da Petrobras.

 
Ao lado de Dilma na cerimônia, o presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) se debruçou sobre a questão da reforma política, tratada por Dilma em sua fala, mas voltou a defender que o Legislativo se encarregue de fazer as mudanças no sistema eleitoral e partidário e depois a população seja consultada por meio de referendo. Dilma manifestou em oportunidades anteriores sua preferência por um plebiscito, no qual a população é consultada primeiro.
 

“Por sua complexidade e por se tratar de uma prerrogativa do Legislativo, é recomendável que o Congresso Nacional faça a reforma”, opinou Renan. O senador observou que o tema se arrasta no Congresso há mais de uma década. “O Brasil, senhora presidente, pede reformas, e a mais premente de todas, oportunamente citada por Vossa Excelência, aqui no Parlamento se arrasta há exatos 12 anos. A reforma política, longe de envelhecer depois de mofar nos nossos escaninhos, é imperiosa”, alertou. “Temos obrigação de fazê-lo. Ela não pode continuar sendo uma unanimidade estática, onde todos são favoráveis, mas não avança um milímetro sequer”.

 

Os principais líderes da oposição não foram à cerimônia, mas criticaram duramente a fala de Dilma. Líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA) afirmou que o discurso de posse “não inspira confiança e evidencia um governo carcomido pelo descrédito”. Líder tucano no Senado, Aloysio Nunes (SP) disse não acreditar no compromisso de Dilma com a realização de uma reforma política. “Ela disse a mesma coisa da outra vez [discurso da primeira posse] e não encaminhou nenhuma proposta ao Congresso, não explicitou quais seriam as regras. É mero discurso vazio. Má literatura”.

 

O presidente e líder do DEM no Senado, José Agripino(RN), disse que a presidente Dilma Rousseff fez um discurso de posse “de marketing e insincero”, especialmente quando citou “predadores internos e inimigos externos” da Petrobras, que teriam sido responsáveis pelo esquema de corrupção revelado pela polícia federal na operação Lava-Jato.

 

“Ela sabe que os inimigos internos foram nomeados por ela e pelo petismo e os externos são filhotes da lambança interna que o PT produziu na Petrobras”, afirmou Agripino, por telefone. O dirigente do DEM não foi à cerimônia de posse da presidente. O novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, disse ao Valor que “todos foram convidados”.

 

Dos únicos representantes da oposição presentes à posse, o deputado federal Julio Delgado (PSB-MG), candidato à Presidência da Câmara, acredita que o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff “será de maior embate” no Congresso, em especial em relação à proposta, encaminhada à Casa, de alterações nas regras de seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, entre outros pontos.

 

Entre os governistas, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) disse que sentiu falta de um maior aprofundamento sobre a reforma tributária e de qualquer menção ao projeto de democratização da mídia no discurso. Já o líder da bancada do PT na Câmara, Vicentinho (SP), achou o discurso de posse “majestoso”. “Foi uma fala de estadista. Enfrentou de frente a questão da Petrobras”, avaliou.


O deputado Odair Cunha, presidente do PT de Minas Gerais, também ressaltou a defesa da presidente de que o ajuste fiscal se dará sem comprometer os direitos dos trabalhadores.

 


O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), afirmou que a presidente Dilma fez um discurso de posse “bom, firme, de muito conteúdo”, mas é cedo para avaliar se terá apoio da base aliada para fazer as reformas que considera necessárias ao país.
 

Sobre o apoio à presidente no Congresso no novo mandato, o líder do PT no Senado Federal, senador Humberto Costa (PE), avaliou que, mesmo que existam pessoas insatisfeitas na sigla com os ministros escolhidos por Dilma, o partido não vai criar problemas para o governo. “O PT nunca criou problema para o governo. Mesmo que a composição não atenda todo mundo, as políticas a serem implementadas podem atender. Vai depender das políticas”, observou.
 

O grupo majoritário no PT, a corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), foi alijada dos principais cargos na reforma ministerial em detrimento da Democracia Socialista, corrente de menor expressão no partido. Os aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também demonstraram insatisfação com a falta de políticos próximos a ele entre os principais ministros.

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandovski, que também participou da posse, disse esperar uma relação “independente, mas harmônica” entre os poderes. A declaração foi dada ante à expectativa de intensa judicialização dos desdobramentos do caso Petrobras, mencionado pela presidente Dilma no discurso. Lewandovski procurou não polemizar a respeito. “É um leque de possibilidades que se abre. Os desafios estão aí para serem enfrentados”.